8 obras para entender os desafios da classe trabalhadora hoje, por Ricardo Antunes
Por Blog da Boitempo
Neste Dia Internacional do Trabalhador, convidamos o sociólogo Ricardo Antunes para indicar oito publicações que considera fundamentais para a compreensão dos desafios da classe trabalhadora no século XXI. Ricardo Antunes é professor titular de sociologia do trabalho na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenador da coleção Mundo do trabalho da Boitempo. Ele é autor, entre outros, de O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital, Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho, e organizador da série Riqueza e miséria do trabalho no Brasil, todos publicados pela Boitempo.
1. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, de Friedrich Engels
“Um estudo primoroso sobre as origens da classe operária na Inglaterra, que se tornou um clássico sobre o tema. Mas para além da riquíssima recuperação da história operária, trata-se de um livro que, surpreendentemente, é ainda profundamente atual.”
Escrita em 1845, essa obra não estava disponível para o público brasileiro havia muito tempo. A tradução de 2008 feita feita pela Boitempo foi inteiramente cotejada e supervisionada por José Paulo Netto, que assina também o texto de apresentação. A capa, como nos demais volumes da coleção, traz ilustração de Cássio Loredano. Reconhecido pela extrema originalidade, o texto produzido pelo jovem Engels abordou, pela primeira vez, a revolução industrial como elemento central para a compreensão do controle da produção de mercadorias realizado pelo capital, além de condicionar a solução da “questão social” à supressão do padrão societário representado pela propriedade privada dos meios de produção. De forma igualmente pioneira, o autor atribui aos trabalhadores urbano-industriais o status de classe, descrevendo a dinâmica criativa que coloca o proletariado na posição de sujeito revolucionário, capaz de promover a própria emancipação. O volume conta, ainda, com esclarecedoras notas do editor, índice onomástico, relação das obras do autor publicadas no Brasil e uma detalhada cronologia de Engels e Marx, ressaltando aspectos importantes de suas trajetórias e relacionando-os aos fatos históricos mais relevantes da época em que viveram. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra é o sétimo título da Coleção Marx e Engels e também integra a Coleção Mundo do Trabalho, coordenada por Ricardo Antunes. Vale a pena conferir também as aula de Ricardo Antunes nos Cursos Livres Marx-Engels de 2008 (aqui) e de 2014 (aqui).
2. A guerra civil na França, de Karl Marx
“Neste momento em que se comemoram os 150 anos da Comuna de Paris, é fundamental recuperar a experiência desta luta operária seminal e emblemática. O livro retrata com muita força o ideário que moveu a grande Revolução Social de 1871 em Paris que abalou o mundo burguês e forneceu pistas seminais para se desenhar uma proposta de sociedade verdadeiramente emancipada.”
A célebre obra traz ao mesmo tempo um retrato da breve existência (72 dias) da Comuna de Paris e um chamado à ação da classe trabalhadora francesa contra a repressão praticada pelas forças militares de Versalhes em oito dias de extermínio do poder comunal, de 21 a 28 de maio de 1871, conhecida como “Semana Sangrenta”. Marx apresenta um relato entusiasmado sobre a defesa de Paris por uma maioria de origem operária. A guerra civil na França faz parte da Coleção Marx e Engels e tem texto de apresentação de Antonio Rago Filho, texto de orelha de Lincoln Secco, tradução – diretamente dos originais em inglês e alemão – e notas de Rubens Enderle, rascunhos de Marx e uma introdução de Friedrich Engels para a publicação de 1891. O volume traz ainda correspondências, uma entrevista de Marx a R. Landor e a cronologia da Comuna, acompanhada de um índice onomástico das personagens citadas no texto principal e de uma cronobiografia resumida de Marx e Engels – que contém aspectos fundamentais da vida pessoal, da militância política e da obra teórica de ambos -, com informações úteis ao leitor, iniciado ou não na obra marxiana.
3. Um porto no capitalismo global: desvendando a acumulação entrelaçada no Rio de Janeiro, de Guilherme Leite Gonçalves e Sérgio Costa
“Um rico ensaio que apresenta os fios históricos e sociais que atam a escravidão ao assalariamento, apresentando o Porto do Rio de Janeiro como mercado de escravos e cemitério de africanas e africanos recém-chegados ao Brasil, deixando marcas que tanto maculam a história social brasileira.”
A análise do desenvolvimento do processo de acumulação primitiva na zona portuária do Rio de Janeiro é o tema de Um porto no capitalismo global, publicado em 2020 pela Boitempo. O livro apresenta a história da região desde o surgimento do porto. De maior mercado de escravos do mundo a escoadouro de açúcar, ouro e café, até objeto de grandes empreendimentos imobiliários e turísticos da contemporaneidade, especialmente o projeto Porto Maravilha, que antecede os Jogos Olímpicos realizados em 2016, o local foi palco de múltiplas transformações. Os autores buscam mostrar que os processos de incorporação e reincorporação da região acompanham a dinâmica de acumulação de capital naquele espaço desde a criação do porto no final do século XVI até os dias atuais. O livro faz parte da Coleção Mundo do Trabalho, tem texto de orelha de Ricardo Antunes e textos de quarta-capa de Lena Lavinas, Marcelo Paixão e Virgínia Fontes.
4. A crise estrutural do capital, de István Mészáros
“István Mészáros foi, dentre os marxistas, um dos que, desde o final dos anos 1960, vem sistematicamente descortinando a crise estrutural que então começou a assolar o sistema global do capital, que se intensificou em 2008/9 e que apresenta, hoje, toda sua ação destrutiva e letal em relação à humanidade.”
O colapso do sistema financeiro não é a causa, mas sim a manifestação de um impasse na economia mundial. É desta forma, em oposição às linhas de interpretação hegemônicas, que István Mészáros analisa o atual período histórico em A crise estrutural do capital. No livro, o filósofo desmonta uma série de ilusões associadas aos acontecimentos recentes e afirma que as raízes da crise, na verdade, encontram-se no atual estágio de desenvolvimento do capitalismo. Crise dos subprime, crise especulativa, crise bancária, crise financeira – os nomes são muitos para a imensa expansão da aventura especulativa, que abalou o capital financeiro e, naturalmente, os ramos produtivos das economias. Em resposta, governos e instituições globais jogam trilhões de dólares no sistema, ao passo que os indicadores econômicos seguem sinalizando o aprofundamento da deterioração na chamada “economia real”. O livro tem tradução de Francisco Raul Cornejo e integra a Coleção Mundo do Trabalho.
5. A rebeldia do precariado: trabalho e neoliberalismo no Sul global, de Ruy Braga
“Este livro apresenta um conjunto variado de lutas e resistências que ocorreram na última década, especialmente na periferia do capitalismo, que acentuam a explosão do chamado precariado global.”
Em A rebeldia do precariado, o sociólogo Ruy Braga busca fundamentar etnograficamente a crise da globalização neoliberal iniciada em 2008, a partir da comparação entre três países – Portugal, África do Sul e Brasil, propondo compreender as resistências populares às políticas de espoliação social que acompanham a difusão do neoliberalismo e da precarização do trabalho na semiperiferia do sistema. Para tanto, recorre ao arcabouço teórico marxista na tentativa de interpretar tanto os avanços da mercantilização do trabalho, da terra e do dinheiro quanto às novas formas de insurgência contra a espoliação protagonizadas pelo precariado urbano. A rebeldia do precariado é primeira obra na história da sociologia brasileira a comparar três países em três continentes diferentes apoiando-se tanto no marxismo quanto em etnografias da condição proletária. Além disso, em termos internacionais, trata-se de um livro pioneiro que se propõe a interpretar a crise da globalização iniciada em 2008 a partir da prática política e das formas de resistência do precariado urbano. O livro integra a Coleção Mundo do Trabalho. Para aprofundar a reflexão, vale a pena assistir ao curso de Ruy Braga sobre o livro na TV Boitempo: “Entendendo o precariado”.
6. O ecossocialismo de Karl Marx: capitalismo, natureza e a crítica inacabada à economia política, de Kohei Saito
“Um mergulho nos estudos de Marx (enormemente desconhecidos) sobre ecologia, que recupera as conexões indissolúveis existentes entre humanidade e natureza, oferecendo uma análise fundamental para se pensar o ecossocialismo.”
A obra do filósofo Kohei Saito, além de ser uma contribuição essencial para os debates sobre a contradição entre um sistema capitalista e a preservação da natureza, é um minucioso estudo da evolução dos trabalhos de Marx em relação ao tema homem e natureza. Saito apresenta ao leitor o caminho traçado por Marx para abandonar a ideia de que a produtividade agrícola poderia aumentar indefinidamente no socialismo. O ecossocialismo de Karl Marx tem tradução de Pedro Davoglio, prefácio de Sabrina Fernandes, texto de orelha de Murillo van der Laan e textos de quarta-capa de Kevin Anderson e Michael Heinrich e está encontra-se em pré-venda na loja virtual da Boitempo.
7. Uberização, trabalho digital e Indústria 4.0, organização de Ricardo Antunes
“Livro que reúne vinte e um autores de vários países que analisam as profundas mutações que vêm alterando o mundo do trabalho, nos mais diversos ramos, a partir da expansão do trabalho digital e das tecnologias de informação, com destaque para o advento do trabalho uberizado nos serviços e também na indústria, além das plataformas digitais globais que não param de se expandir.”
Integrando a Coleção Mundo do Trabalho, Uberização, trabalho digital e Indústria 4.0 é uma coletânea de artigos que desbrava os temas do trabalho digital, da uberização e plataformização do trabalho e do fenômeno da Indústria 4.0 e suas consequências para o universo laborativo e para a vida dos trabalhadores e trabalhadoras. A uberização, conceito abordado, definido e expandido na obra, é um processo de individualização e invisibilização das relações de trabalho, que assumem a aparência de “prestação de serviços”, obliterando relações de assalariamento e de exploração. O livro investiga como a introdução das tecnologias de informação e comunicação (TIC) no mundo produtivo funciona para aumentar o cenário de precarização do trabalho – prescindindo de salários e reduzindo pagamentos, ampliando o controle sobre e a competição entre os trabalhadores – por meio de análises de diferentes setores produtivos impactados pelo trabalho digital e pela Indústria 4.0, como o trabalho de entregadores de aplicativos, a indústria automobilística, o setor bancário e os setores de telemarketing e call-center.
8. Margem Esquerda #36: especial capitalismo digital
“Por fim, merece referência a edição mais recente da revista da Boitempo. A Margem Esquerda deste semestre traz um dossiê de capa sobre ‘Capitalismo digital’ que reúne um conjunto de artigos que nos ajudam na compreensão desta temática crucial para o mundo do trabalho hoje.”
O último número da revista Margem Esquerda dedica-se a investigar as tendências de exploração e dominação do capitalismo contemporâneo digitalizado. No dossiê de capa, João Peschanski, Mariana Valente, Sergio Amadeu, Rafael Grohmann e Amanda Jurno inventariam diversos aspectos do capitalismo digital sob uma perspectiva marxista. Na sequência, Ludmila Abílio, Evgeny Morozov e Jodi Dean aprofundam em uma trinca de ensaios sobre o que há de velho e o que há de novo neste cenário. O entrevistado do número é ninguém menos que Pepe Mujica. Em diálogo com a entrevista, o número trás ainda três artigos que se debruçam sobre a conjuntura latino-americana. E mais: tradução inédita de Lukács, ensaio o sobre o manifesto das mulheres na Comuna de Paris, José Paulo Netto, Michael Löwy, Taylisi Leite, Fabio Querido, entre outros. E edição é de Artur Renzo e Ivana Jinkings.”
Fonte: Blog da Boitempo
Data original da publicação: 01/05/2021