Lançamento do GT 16 da ABET: Uberização, Trabalho Digital, Novas Formas de Controle e Resistência | Confira entrevista com os coordenadores Ludmila Abílio e Henrique Amorim

Imagen: Unsplash

Por Equipe ABET

A Associação Brasileira de Estudos do Trabalho (ABET) lança hoje o Grupo Temático 16: Uberização, Trabalho Digital, Novas Formas de Controle e Resistência.

Coordenado pelos pesquisadores Ludmila Abílio e Henrique Amorim, o novo GT da ABET pretende ser um instrumento de debates e reflexões a respeito das novas formas de trabalho criadas pelas Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), e amplamente difundidas como solução para grave crise do mercado de trabalho mundial.

Segundo os coordenadores, a uberização é uma nova forma de controle e gerenciamento algorítmico do trabalho, que mascara as formas de intensificação e precarização do trabalho. Além disto, as plataformas digitais transferem aos trabalhadores os custos de suas ferramentas de trabalho e os riscos a que se envolvem em seu cotidiano.

Desta forma, o debate sobre essas novas modalidades de trabalho e suas consequências para os trabalhadores é imprescindível para as discussões das diferentes ciências que se propõem a refletir sobre as atualidades do mundo do trabalho.

Confira abaixo uma breve entrevista com os coordenadores do GT 16, Ludmila Abílio e Henrique Amorim, além de uma lista de sugestões bibliográficas elaborada pelos pesquisadores.

Bons estudos!

1) Qual os principais objetivos do Grupo Temático Uberização, Trabalho Digital, Novas Formas de Controle e Resistência.?

Ludmila Abílio e Henrique Amorim: O GT tem como principal objetivo promover o debate e a produção teórica sobre a uberização — uma nova forma de controle e organização do trabalho que vem ganhando cada vez mais visibilidade e concretude. Vale ressaltar que a definição de uberização para este GT é ampla e não se restringe apenas aos trabalhos hoje subordinados por meio de plataformas digitais.  A uberização se refere às tendências contemporâneas de informalização que correm junto com a centralização do controle do trabalho, que hoje alcançam a transferência de trabalho para enormes contingentes de trabalhadores, por vezes, nem reconhecidos enquanto tais.  No cerne da definição está a consolidação de trabalhadores sob demanda. Esta envolve regulações do trabalho, modos de subjetivação e arranjos produtivos; os meios contemporâneos de transferência de custos e riscos para os trabalhadores e trabalhadoras; a produção discursiva que envolve a produção de saberes e práticas em torno do empreendedorismo e a transferência subordinada de parte do gerenciamento do trabalho; a relação entre financeirização e desenvolvimento tecnológico; as novas configurações das empresas, o trabalho envolvido na produção das TIC’s; o gerenciamento algorítmico e a extração e uso de dados; assim como as resistências cotidianas e ações e organizações coletivas de trabalhadores e trabalhadoras uberizados. É preciso ainda alcançar as especificidades da uberização, como se realiza de forma heterogênea, de acordo com a intersecção de desigualdades, com a divisão internacional do trabalho, com determinações geopolíticas, entre outros elementos. Por fim, vale salientar que este é um campo cujas definições estão em construção — esperamos também conseguir traçar um panorama do debate nacional e internacional, assim como abarcar diferentes perspectivas, inclusive as que tratem da uberização e de seus elementos de forma diversa da que propomos.

2) Qual a principal particularidade deste GT?

A particularidade deste GT é estar ancorado em uma definição muito atual, em formação, que traz meios potentes para a compreensão de processos que estão em ato — de transformações e permanências contemporâneas da relação entre capital e trabalho–, e que nos desafiam em termos da construção de nossas categorias de análise e de nossos horizontes. No contexto da pandemia, a uberização ganhou maior visibilidade, não só por evidenciar meios atuais de exploração e dominação, mas também por nos possibilitar ver a constituição de meios de resistência. 

Desta forma, o GT irá acolher uma ampla gama de pesquisas, esperando ainda caminhar no sentido de uma produção crítica a partir da periferia e de suas especificidades.   

3) O que é uberização?

Ludmila Abílio e Henrique Amorim: A uberização pode ser compreendida como uma nova forma de controle, gestão e organização do trabalho, é uma tendência que hoje permeia o mundo do trabalho globalmente. Ela resulta de um movimento muito bem sucedido e que ganha evidência nos últimos 40 anos, de centralização do controle e dispersão do trabalho. Basta olhar para uma empresa-aplicativo de delivery e sua multidão de dezenas de milhares de trabalhadores para compreender que esta dispersão hoje ganha novos elementos e dimensões.  Esta novidade pode ser compreendida como a redução do trabalhador a um trabalhador sob demanda, como força de trabalho a ser utilizada da forma mais eficaz e menos custosa possível, sendo-lhe retirada qualquer rede de proteção social, sendo eliminadas as distinções entre o que é o que não é tempo de trabalho e até mesmo a definição sobre o valor de sua hora ou dia de trabalho.  Vemos então enormes continentes de trabalhadores disponíveis, que são utilizados de acordo com a determinação de empresas que já nem mesmo os contratam. Daí a centralidade da definição de trabalhador just-in-time ou sob demanda. Desta forma, temos de olhar para as inovações tecnológicas, para as novas regulações do trabalho, para a financeirização e ao mesmo tempo compreender que a uberização é a concretização de um elemento que historicamente reside no movimento conflituoso da relação entre capital e trabalho, qual seja, da eliminação de limites socialmente estabelecidos sobre o uso da força de trabalho.

São transferidos para o trabalhador riscos e custos, assim como parte do gerenciamento sobre o trabalho, mas um autogerenciamento que segue subordinado. Estratégias cotidianas de sobrevivência, decisões sobre a execução do trabalho hoje são elementos da gestão, tornando-se elementos administrados do processo de trabalho, que serão utilizados no controle individual e coletivo sobre os trabalhadores. Quando olhamos para um hospital onde seu corpo médico já não é contratado, mas feito de centenas de PJ’s que se gerenciam subordinados às determinações da empresa, quando olhamos para a  um  gigantesco coletivo de trabalho invisível de executores de microtarefas que hoje alimentam a produção da Inteligência Artificial, quando olhamos para a categoria legal de trabalho intermitente criada pela reforma trabalhista, tudo isso se refere aos processos que nos permitem ter uma noção ampla de uberização.

4) De que forma a Reforma Trabalhista e a pandemia abriram o cenário para o avanço da uberização no Brasil?

Ludmila Abílio e Henrique Amorim: A reforma trabalhista tem em seu cerne a redução legalizada dos trabalhadores a trabalhadores sob demanda. Isto fica evidente no estabelecimento do regime de trabalho intermitente, possibilitando que o trabalhador sob demanda figure como um empregado formal, que, entretanto, fica disponível e só é utilizado – e remunerado – de acordo com as determinações das empresas. Podemos olhar também para a categoria de autônomo exclusivo, que é uma legalização da pejotização, e com ela a de um trabalhador just-in-time. Mas é preciso ainda atentar aos detalhes da Reforma, que inovam na distinção entre o que é e o que não é tempo efetivo de produção durante a jornada de trabalho, uma distinção que se traduz em tempo de trabalho pago e não pago. A reforma legaliza que o trabalhador formal, contratado, com jornada definida, deixe de receber pelo tempo em que não está efetivamente produzindo. Isso fica evidente, por exemplo, quando o tempo em que se gasta da entrada do estabelecimento até o posto de trabalho ou o tempo da troca de uniforme não sejam mais contabilizados como tempo de trabalho.

Quanto à pandemia, ficou evidente o que é a condição do trabalhador just-in-time, que apesar de manter longas jornadas de trabalho vê o valor de sua hora de trabalho despencar do dia para a noite. É preciso salientar que as regras que regem o controle, a distribuição e a remuneração do trabalho são cada vez mais obscuras, não são pré-acordadas, mudam constantemente. No caso dos entregadores, ficou evidente também o processo de monopolização que corre junto com a centralização do controle. Veja que, diferentemente da condição da maioria dos trabalhadores durante a pandemia, a oferta de trabalho para os entregadores aumenta significativamente. As empresas detêm o poder de determinar o tamanho do contingente de trabalhadores a serem utilizados. Desta forma, os trabalhadores se tornam ainda mais essenciais, a demanda por entregas cresce exponencialmente, mas sua remuneração despenca. Vemos então que estes trabalhadores estão reduzidos a uma força de trabalho disponível e que é utilizada de acordo com as determinações das empresas, determinações que nem mesmo estão claras ou acordadas e que são acompanhadas da total ausência de garantias para os trabalhadores.

Dicas de Leitura

ABILIO, L.  Uberização e juventude periférica: Desigualdades, autogerenciamento e novas formas de controle do trabalho. Novos Estudos Cebrap, vol. 39, n.03. dez 2020. – https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-33002020000300579&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

AMORIM, Henrique; MODA, Felipe. Work by app: algorithmic management and working conditions of Uber drivers in Brazil. WORK ORGANISATION, LABOUR & GLOBALISATION (PRINT). , v.14, p.101 – 118, 2020. https://www.jstor.org/stable/10.13169/workorgalaboglob.14.1.0101#metadata_info_tab_contents

Entrevistas:

BRUNO, F.; GROHMANN, R. Tecnopolítica, racionalidade algoritmica e o mundo como laboratório (entrevista a Rafael Grohmann). Digilabour, 23.10.2019, disponível em: https://digilabour.com.br/2019/10/25/tecnopolitica-racionalidade-algoritmica-e-mundo-como-laboratorio-entrevista-com-fernanda-bruno/

CASILLI, A.; GROHMANN, R. A uberização é só um dos aspectos do trabalho em plataformas (entrevista a Rafael Grohmann). Digilabour, 03.06.2019, disponível em https://digilabour.com.br/2019/06/03/casilli-a-uberizacao-e-so-um-dos-aspectos-do-trabalho-de-plataforma/

HUWS, U.; GROHMANN, R. Desmercantilizar as plataformas (entrevista a Rafael Grohmann). Digilabour, 04.12.2020. Disponível em: https://digilabour.com.br/tag/ursula-huws/

Confira aqui a ementa do GT 16

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