LMT#98: Fábrica da Volkswagen do Brasil, São Bernardo do Campo (SP)

Imagem: Troca de turno dos trabalhadores da Volkswagen na década de 1970. Acervo da Volkswagen do Brasil (reprodução)

Por Marcelo Almeida de Carvalho Silva | LEHMT

“A rodovia Anchieta é conhecida pelos enormes congestionamentos de carros em feriados prolongados, uma vez que é a estrada que faz a ligação entre a capital paulista e a região praiana de Santos. Mais do que uma via de acesso ao litoral, a estrada abriga diversas indústrias, em particular no município de São Bernardo do Campo. Entre elas, aquela que foi a maior planta industrial da história brasileira, a fábrica da Volkswagen do Brasil (VWB), localizada no quilometro 23,5 da rodovia.

Desde sua entrada no Brasil em 1953, a Volkswagen funcionava em um galpão alugado na rua do Manifesto, no bairro do Ipiranga em São Paulo onde montava os veículos com peças trazidas da Alemanha. Inicialmente fora dos planos da matriz alemã, a construção da fábrica em solo brasileiro só foi confirmada após mudanças na política de incentivos governamentais e do empenho do então Presidente Juscelino Kubitschek. A implantação da indústria automobilística na região do ABC paulista foi uma das peças centrais do chamado Plano de Metas do seu governo e propagandeada como uma representação do progresso e modernidade do país.

Assim, em 1956 teve início da construção da grandiosa planta de fabricação de carros em um terreno de mais de 1 milhão de m2 às margens da rodovia Anchieta, estrategicamente escolhida por facilitar o escoamento da produção e transporte de matéria prima. Menos de um ano depois, em 1957, a fábrica começou a produzir kombis e em 1959, no mesmo ano em que passou a produzir carros de passeio, foi oficialmente inaugurada.

Desde então, o que se viu foi um crescimento da produção de veículos que transformou a Volkswagen na maior empresa do setor automobilístico brasileiro. A relevância da fábrica aumentou após o golpe de 1964, já que a empresa se engajou no projeto de crescimento econômico promovido pelo governo federal estabelecendo metas de aumento da produção no final dos anos 1960 e início dos anos 1970. Se, em 1964 o total de trabalhadores da empresa não passava de 10 mil, em 1971 já eram 27 mil. Ao longo daquela década a fábrica da Volkswagen em São Bernardo do Campo chegou a empregar mais de 40 mil trabalhadores, em sua esmagadora maioria homens, em grande parte migrantes nordestinos e de outras regiões do país. O principal produto da fábrica, o popular Fusca, tornou-se um dos principais símbolos do “milagre econômico” da ditatura brasileira.


No chão da fábrica, a grandiosidade da Volkswagen tinha uma outra face. Seus operários eram submetidos a um cotidiano de superexploração, acidentes de trabalho e vigilância permanente.


Não por acaso, muitos associavam o despotismo fabril da empresa ao passado de colaboração da Volkswagen com o nazismo. De fato, Franz Stangl, responsável pelo setor de monitoramento e vigilância da fábrica nos anos 60, foi comandante do campo de concentração de Treblinka. Denunciado em 1967 por Simon Wiesenthal, conhecido como o “caçador de nazistas”, foi preso e extraditado para a Alemanha. Outros dirigentes alemães da empresa também haviam tido ligações com o Partido Nazista.

As ações de militantes políticos e ativistas sindicais eram amplamente vigiadas e reprimidas pela empresa. O departamento de segurança industrial da Volkswagen era uma extensão dos órgãos de repressão, compartilhando informações, relatórios de vigilância e até mesmo fichas funcionais de seus trabalhadores com o DOPS, a polícia política. Em 1972, por exemplo, os membros de uma célula do Partido Comunista Brasileiro (PCB) na empresa foram presos graças à estreita colaboração do departamento de segurança industrial da VWB com os órgãos de repressão do governo. Lucio Bellantani, um dos líderes da célula foi detido, agredido e torturado no pátio da fábrica.

A violência e repressão, no entanto, não impediram que os trabalhadores da Volkswagen se constituíssem em um dos principais núcleos do chamado “novo sindicalismo”. Tiveram participação central nas greves metalúrgicas do final dos anos 1970 e início dos 1980, fundamentais no processo de redemocratização do país. Em 1982, foi criada a Comissão de Fábrica dos Trabalhadores da VWB. Além disso, lideranças operárias da Volkswagen, como Devanir Ribeiro, Mario Barbosa, Luís Marinho, Wagner Santana, entre outros, têm tido um papel destacado no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, na CUT e na vida política do país em geral.

A ação sindical, mas também as profundas transformações tecnológicas da própria empresa e do mercado automobilístico do país alteraram bastante a planta Anchieta, como a fábrica de São Bernardo do Campo é conhecida. Depois do ápice dos anos 1970, o número de empregados diminuiu até chegar nos atuais 8 mil e duzentos trabalhadores (cerca de 10% deste total são mulheres). A robotização e novas formas de gestão também alteraram o perfil do trabalho e dos operários. A produção foi diversificada nas quatro fábricas que hoje a Volkswagen possui no Brasil, mas, apesar das ameaças de desindustrialização da região do ABC paulista, a planta Anchieta mantém-se como a maior da empresa.

O passado, no entanto, ainda pesa sobre a grande fábrica de São Bernardo do Campo. Em 2015 foi aberta uma representação pública contra a VWB por violação dos direitos humanos de seus trabalhadores durante a ditadura. Cinco anos depois a empresa assinou um acordo com o Ministério Público, pelo qual reconheceu as violações, pagou indenizações e estabeleceu políticas de reparação. O processo contra a Volkswagen do Brasil tornou-se histórico e foi um importante passo na luta pelo direito à verdade, justiça e memória no Brasil. (…)”

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Fonte: LEHMT

Data original da publicação: 14/10/2021

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