LIVRO | DIREITO DO TRABALHO: Uma Introdução Político-Jurídica, por Renata Dutra

Por Renata Queiroz Dutra | Editora RTM

PREFÁCIO – Por Profa. Dra. Isabela Fadul de Oliveira

O momento histórico em que este livro foi escrito é único para a humanidade. Todas as dimensões da vida em sociedade foram impactadas pela Pandemia de Covid 19 e os anos de 2020 e 2021 serão lembrados não apenas pelas vidas perdidas em todo o mundo, mas também por mudanças significativas na nossa sociabilidade, especialmente em razão da imposição de isolamento e distanciamento social. Este livro, ao emergir dessa realidade, é um registro do nosso tempo, ao tempo que também expressa, em si, a resistência ao medo, ao imobilismo, à apatia, à resignação frente a este contexto.

E se trata de um livro sobre o Direito do Trabalho. Mais especificamente, um livro que tem o propósito de aproximar, introduzir, servir de ponte para um campo da regulação da vida social que ganha complexidade em razão das significativas mudanças no padrão de organização do capitalismo e do trabalho assalariado. Mudanças estas que põe em xeque a própria natureza autônoma deste ramo do direito.

Daí que enfrentar o desafio de fazer ponte e construir diálogo em tempos de ruínas é também expressão de coragem, criatividade e perseverança, qualidades que sobram à autora desta obra, no exercício da sua profissão de educadora, pesquisadora e militante na área jurídico-trabalhista. Vale lembrar ainda que no Brasil, a Pandemia alcançou a comunidade acadêmica jurídica ao mesmo tempo em que novas diretrizes curriculares foram aprovadas nacionalmente para os cursos de graduação em Direito e estavam em vias de implementação nas diversas instituições de ensino superior do país.

Comprometidas com a valorização do protagonismo discente nos processo formativos, as novas DCN’s apontam para uma maior integração entre teoria e prática, implementação de metodologias ativas de conhecimento, tratamento transversal de conteúdos como políticas de educação ambiente, educação em direitos humanos, educação para a terceira idade, educação para política de gênero e relações étnico raciais, além de uma maior articulação entre os componente curriculares, com abordagens interdisciplinares e transdisciplinares dos conteúdos jurídicos.

Este livro de Renata Dutra é escrito quando todos nós, professores de direito, fomos desafiados lidar com velhos e novos problemas pedagógicos: improviso dos recursos digitais, a dificuldade de interação do ensino não-presencial, a sobrecarga do trabalho em regime de home office, as limitações dos nossos repertórios didáticos. Assim, ao mesmo tempo em que sistematiza um conjunto de reflexões trabalhadas nos seus anos de docência nas turmas de Legislação Social e Direito do Trabalho, também pode ser visto como um relevante material didático de apoio ao manejo dos conteúdos programáticos da área trabalhista.

Como explica a autora na sua apresentação, sua escrita é guiada pelas indagações comumente presentes na sala de aula: por que proteger? E a resposta a esta pergunta é dada em cada um dos dez capítulos que integra a obra, que abarca o conjunto de conteúdos usualmente presentes nos programas das disciplinas trabalhistas que integram os currículos dos cursos jurídicos. Neles, temas chaves do direito do trabalho são apresentados e discutidos com as ferramentas da teoria crítica do direito, em que os problemas jurídicos são enfrentados na sua complexidade, parametrizados por uma abordagem que reconhece o Direito enquanto espaço de disputa e não como um conjunto de normas e procedimentos para a solução dos conflitos trabalhistas.

Já nos primeiros capítulos, a questão social do trabalho é localizada como central na conformação da vida em sociedade e nas suas disputas políticas. E neste contexto a proteção social, fundada em preceitos internacionais e constitucionais comprometidos com a justiça e a diminuição da desigualdade, é entendida como uma construção político-jurídica necessária ao enfrentamento das opressões de gênero, raça e classe, historicamente presentes na sociedade brasileira e no seu sistema de relações de trabalho. Ao afirmar a centralidade do trabalho na sociedade, Renata reivindica um horizonte jurídico em que o direito do trabalho assume centralidade na disputa pelo padrão de regulação social, baseado em mecanismos normativos antirracistas e feministas de proteção contra a exploração do trabalho humano.

Em um segundo momento, Renata subverte a abordagem clássica dos currículos jurídicos ao propor o debate sobre os sujeitos jurídicos da relação trabalhista, tomando-os pela sua ação coletiva. Os sujeitos coletivos do trabalho são apresentados a partir da “potência subversiva” das suas organizações, interpelando o leitor a pensar as novas formas de resistência e ação coletiva dos trabalhadores, a exemplo daqueles cuja força de trabalho vem sendo mediada pelas plataformas digitais. Os sindicatos, as oposições sindicais, as associações, cooperativas e formas diversas de coletivos de trabalhadores organizados surgem como experiências coletivas paradigmáticas que permitem pensar novas dinâmicas normativas, a desenhar formas jurídicas capazes de impor, efetivar, potencializar a fruição de direitos individuais de natureza trabalhista.

É no contexto da luta de classes e do protagonismo dos sujeitos coletivos que a forma contratual trabalhista é apresentada. O paradigma protetivo aqui é reivindicado como resposta à assimetria inerente à relação que ela conforma (em franca oposição à contratualidade civilista), mas também em razão dos limites do alcance dessa forma jurídica ao considerar os traços históricos do mercado de trabalho brasileiro. Nesse sentido, o debate sobre a importância da regulamentação das condições de trabalho é pautado como variável da qualidade de sociabilidade, inclusive na perspectiva ambiental. É assim que Renata introduz as categorias centrais ao debate sobre os mecanismos de compra e venda do trabalho: a jornada e o salário.

Os limites impostos por um paradigma político-jurídico protetivo ao uso do tempo de trabalho e a um padrão estável e digno de assalariamento são justificados tanto pelos seus impactos na vida e na sociabilidade do trabalhador, quanto pela afirmação política de uma sociabilidade baseada em condições decentes de vida. Como aponta Renata, regular o trabalho é também regular a “delicada dimensão da subjetividade humana” no cotidiano do trabalho e o que nele é forjado em termos de subjetividade, seja no plano individual, seja no plano coletivo dessa sociabilidade.

Por fim, o paradigma da proteção é mais uma vez afirmado em face da ameaça à democracia, do aprofundamento das políticas ultraliberais protagonizadas pelo Estado brasileiro e das novas faces da “delinquência patronal” exercida por modelos de gestão de negócios descomprometidos com condições decentes de trabalho e de vida. E para isso, Renata aponta uma agenda de debates necessário ao campo acadêmico, que revele o impacto das reformas trabalhistas aprofundadas no período recente, mas também evidencie os mecanismos de resistências à subjugação do trabalho e ao aprofundamento das desigualdades.

O “livrinho” que acabo de ler, apresentado de forma singela e amorosa por sua autora, pelas ideias, construções e conexões que contém, consiste em um instrumento potente de trabalho e estudo. E é com ele na mochila que volto a pisar na sala de aula, inspirada, encorajada e feliz por continuar em boa companhia. Obrigada, companheira!”

Profa. Dra. Isabela Fadul de Oliveira
Professora Associada da Faculdade de Direito da UFBA
Líder do Grupo de Pesquisa “Transformações do Trabalho, Democracia e Proteção Social” (UFBA). Pesquisadora do CRH/UFBA.

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