Luta LGBTI+, trabalho e bolsonarismo
Por Lawrence Estivalet de Mello | Brasil de Fato
Vivemos uma luta aberta contra a comunidade LGBTI+ que trabalha. Há muito tempo, no lado oposto ao nosso, não era tão explícita a existência de um movimento que nos quer em silêncio, subalternos e sob violência.
Na década de 2010, avançamos: casamento, retificação do nome de pessoas trans, criminalização da homotransfobia e fortalecimento de figuras públicas LGBTI+ foram passos de visibilidade e imposição de respeito. Os dados indicam, no entanto, que também nesta década sofremos mais violência física e psicológica e denunciamos menos1. As vitórias parciais foram acompanhadas da ascensão de nossos inimigos, que nunca estiveram tão fortes, e mantêm nossa existência sob tensão e luta.
Homotransfóbico com orgulho2, Bolsonaro diz que não gosta, mas “suporta” LGBTIs3 e que nosso destino é o inferno4. Longe de ser apenas bizarro, o presidente representa e dá dinâmica a um movimento conservador que acredita que a moral familista, o heterossexismo e a tradição representam ou restauram um passado de honra, glória e estabilidade. O destinatário desse discurso é um povo que vê as condições de trabalho e de vida piorarem a cada dia. Ao gosto do capital e da estrutura de classes racializada no país, o líder de Estado naturalizam legitima e incentiva a discriminação odiosa contra pessoas LGBTIs.
No vôlei5, no futebol6, no supermercado e no comércio7, pela voz do Ministro da Educação8 ou da cantora gospel9, permanece comum e impune pensar e dizer que LGBTIs provêm de famílias desajustadas e que devem ser punidos, afastados, diminuídos por serem quem são.
Não por acaso, 38% das empresas têm restrições para contratar LGBTI+ no Brasil10. A homotransfobia é regra para o ingresso no mercado de trabalho, como também na permanência, em que mais de um terço afirma já ter sofrido assédio moral11 e 65% denunciam discriminação laboral12. Demitidas e devolvidas a lares homotransfóbicos em maior proporção do que a população cisheterossexual durante a pandemia13, sentimos o peso da soma da tradição e do neoliberalismo nos movimentos conservadores contemporâneos, que insistem em nos tirar casa, trabalho e direitos ao nosso próprio corpo e futuro14.
Mas se há luta, há futuro, e nossa visibilidade prescreve responsabilidade histórica àqueles que nos permitiram chegar até aqui. Neste país de desigualdade estrutural, junho é um mês de orgulho e incentivo à rebelião, pela memória de nossos mortos e pela batalha que segue sendo a vida da comunidade LGBTI+.
* Lawrence Estivalet de Mello é professor da Faculdade de Direito da UFBA e Pesquisador Associado ao CRH/UFBA (Centro de Estudos e Pesquisas em Humanidades). Docente Permanente do PPGD/UFBA (Mestrado e Doutorado).
**Leia outros textos da coluna Direitos e Movimentos Sociais. Autores e autoras dessa coluna são pesquisadores-militantes do Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais, movimento popular que disputa os sentidos do Direito por uma sociabilidade radicalmente nova e humanizada.
***Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
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1 Discutimos a equação entre casos e denúncias, no contexto da criminalização da homotransfobia, no artigo a seguir: RIOS, Roger Raupp; MELLO, Lawrence Estivalet de. Criminalização da Homotransfobia no Supremo Tribunal Federal (ADO 26): do “racismo social” à discriminação sexista. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 169, p. 321-345, 2020.
2 https://catracalivre.com.br/cidadania/sou-homofobico-sim-com-muito-orgulho-diz-bolsonaro-em-video/
3 https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2021/10/30/interna_politica,1318523/bolsonaro-ninguem-gosta-de-homossexual-a-gente-suporta.shtml
4 https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/01/4978076-bolsonaro-diz-que-familia-e-sagrada-e-insinua-que-lgbtqi-vao-para-o-inferno.html
5 https://www.lance.com.br/fora-de-campo/mauricio-souza-desculpa-por-defender-aquilo-que-acredita-nao-pode-mais-colocar-valores-acima-tudo.html
6 https://gente.ig.com.br/colunas/gabriel-perline/2022-06-24/vitima-de-homofobia-no-futebol–richarlyson-se-assume-bissexual.html
7 https://www.tst.jus.br/radio-destaques/-/asset_publisher/2bsB/content/reportagem-especia-1
8 http://www.mpf.mp.br/pgr/noticias-pgr/mpf-denuncia-ministro-da-educacao-por-declaracoes-homofobicas
9 https://exame.com/casual/bruna-karla-faz-declaracao-homofobica-em-podcast-de-karina-bacchi-veja-reacao-de-famosos/
10 https://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2020/07/01/38percent-das-empresas-tem-restricoes-para-contratar-lgbtqi-diz-pesquisa-preconceito-velado-relata-mulher-trans.ghtml
11 https://gay.blog.br/gay/linkedin-aponta-que-35-dos-profissionais-lgbt-sofreram-discriminacao/
12 https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2022/06/pesquisa-mostra-que-65-dos-trabalhadores-lgbtqia-ja-sofreram-discriminacao-no-trabalho.shtml
13 VOTELGBT. Diagnóstico LGBT+ na pandemia: Desafios da comunidade LGBT+ no contexto de continuidade do isolamento social em enfrentamento à pandemia de coronavírus. Disponível em: <https://static1.squarespace.com/static/5b310b91af2096e89a5bc1f5/t/60db6a3e00bb0444cdf6e8b4/1624992334484/%5Bvote%2Blgbt%2B%2B%2Bbox1824%5D%2Bdiagno%CC%81stico%2BLGBT%2B2021+b+%281%29.pdf>. Publicado em: jun 2021. Último acesso em: 20 set 2021.
14 Discutimos a relação entre neoliberalismo, neoconservadorismo e direitos sociais, com especial atenção para o trabalho, no texto a seguir: MELLO, Lawrence Estivalet; RIOS, Roger Raupp. Neoliberalismo, contratualidade trabalhista e homotransfobia: exploração capitalista e discriminação contemporâneas. RECHTD – Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito, v. 13, p. 245-261, 2021.
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Fonte: Rede Brasil Atual
Data original de publicação: 02/07/2022