Boletim de Conjuntura nº 36 | Brasil pós-eleições: desafios de um projeto de desenvolvimento com distribuição de renda
Por Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE)
O Brasil que saiu das eleições de 2022 tem desafios que precisam ser enfrentados com assertividade para que seja retomado o crescimento sustentável e de forma a melhorar as condições de vida da população.
A diferença de apenas 2,1 milhões de votos que elegeu Lula presidente da República (com o adversário tendo conquistado 49,1% dos votos válidos no segundo turno); a composição predominantemente conservadora e neoliberal do Congresso Nacional; o aparelhamento e apoio ideológico de parcelas majoritárias do aparato repressivo do Estado (das Forças Armadas às polícias estaduais e guardas municipais, passando pelas polícias sob jurisdição do governo federal) e a persistência de oposição de extrema direita armada, mobilizada e financiada, sinalizam os tempos tumultuados que devem seguir como realidade política daqui por diante.
Por outro lado, a campanha eleitoral que elegeu Lula foi impulsionada por ampla e plural mobilização popular, com destacado papel dos comitês organizados por movimentos sociais e pelo movimento sindical, em todo o país. Como talvez nunca tenha ocorrido, no segundo turno, o movimento sindical foi unânime no apoio à candidatura Lula. Notadamente na reta final da campanha, foi decisivo o papel do sindicalismo na denúncia de milhares de casos de assédio moral de empregadores contra trabalhadores, na conquista de passe livre no transporte urbano de ônibus, ações que conseguiram, afinal, derrotar o uso da máquina do Estado a favor de uma candidatura à reeleição de forma jamais vista no Brasil no período pós-redemocratização.
Os grupos técnicos temáticos formados após a vitória eleitoral para reconstrução das políticas, em especial, as sociais, podem se prolongar por todo o mandato, até 2026, reforçando que será um governo de frente ampla. Dada a magnitude do que será preciso recompor (do orçamento da União ao desenho e implementação de políticas públicas), é de se esperar que os próximos quatro anos possam significar também necessária reconfiguração do governo federal, no sentido de ampliação da participação popular, inovação nas políticas de educação, saúde, incentivos à atividade produtiva e ao consumo, em bases cooperativas e solidárias.
De forma a garantir condições orçamentárias mínimas para a execução das principais políticas públicas sociais em 2023, o foco da transição tem sido a negociação de uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) à Lei Orçamentária, a fim de se obter recursos para o pagamento das transferências de renda no valor de R$ 600,00, com complementação de R$ 150,00 por criança até seis anos de idade, sem a restrição do chamado “teto de gastos”, em vigor desde o governo Temer.
Não deixa de ser curioso que o objetivo da “PEC da transição” seja assegurar ao Bolsa-Família o mesmo princípio garantido na Constituição Federal às despesas financeiras (pagamento de juros e amortizações da dívida pública) da União, ou seja, que não haja restrição de teto aos valores usados para pagamento do benefício.
A realidade tem confirmado que o teto de gastos não funciona. Mesmo esvaziando todas as políticas sociais e de investimento em habitação e saneamento, o atual governo ultrapassou o teto de gastos em mais de R$ 800 bilhões nos quatro anos em que vigora. E, no debate em curso, envolvendo o gabinete de transição, o “mercado” e sua caixa de ressonância midiática pressionam pela manutenção desse teto.
O orçamento público não é neutro. Decisões sobre a arrecadação e os gastos que serão feitos são escolhas políticas. O presidente eleito afirmou que a responsabilidade fiscal é um compromisso, mas não às custas dos mais pobres e da responsabilidade social. Nesse sentido, é preciso rever todas as políticas e o arcabouço fiscal, incluindo a situação dos pobres e dos trabalhadores no orçamento, com cobrança de impostos dos mais ricos para financiar as políticas de desenvolvimento.
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Fonte: DIEESE