UFF pesquisa os impactos do trabalho de entregadores de aplicativo
Por Assessoria de Imprensa UFF
Má remuneração, muitas horas de trabalho, poucos dias de descanso e nenhum direito trabalhista. Esses são só alguns dos muitos problemas enfrentados pelos entregadores de aplicativos, e o crescimento dessas plataformas nos últimos anos faz a discussão a respeito da precarização desse trabalho estar cada vez mais em alta. Com o objetivo de apresentar uma perspectiva histórica sobre os motoboys, como são popularmente conhecidos, o Doutorando do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal Fluminense (PPGH-UFF), Lucas Santos Souza, desenvolveu sua tese sobre o impacto da plataformanização das entregas no trabalho dos entregadores.
Em um primeiro momento, a pesquisa traz as realidades de entregadores dos grandes centros urbanos antes da chegada dos aplicativos. De acordo com os poucos estudos acerca do assunto, a maioria das pessoas que optaram por essa forma de trabalho nos anos 1980, 1990 e 2000, tinha uma sensação de liberdade e autonomia ao poder trabalhar sem uma supervisão direta. Na época, eles frequentavam os mesmos lugares, ouviam o mesmo tipo de música, iam para as mesmas festas, usavam as mesmas gírias, e essa similaridade ficou conhecida como cultura motoboy. A partir desse mapeamento, o estudo faz uma contextualização de como eram as condições e relações de trabalho anteriormente, até chegar ao momento atual, entendendo quais transformações ocorreram com o surgimento das grandes plataformas, como iFood, Uber e Rappi.
Realizada nas ruas da cidade do Rio de Janeiro nos meses de agosto, setembro e outubro de 2021, a pesquisa consultou 500 entregadores, de bicicleta e motocicleta, em doze pontos espalhados pelo município. A primeira diferença notada pelo pesquisador é com relação à jornada de trabalho: os resultados mostram que 73% dos entrevistados trabalham uma média de 63 horas e 42 minutos por semana. Atualmente, o valor pago por hora para um assalariado que recebe salário mínimo é de R$5,92. No caso dos entregadores que trabalham de motocicleta, a quantia líquida recebida é de R$5,83 por hora, enquanto a dos ciclistas é de R$5,05. Para chegar a esses valores, foi necessário retirar os custos com combustível, aluguel de bicicletas, alimentação e todo o resto que eles precisam gastar no dia a dia de trabalho. A fim de fazer uma comparação, a pesquisa mostra a diferença significativa das médias líquidas recebidas por hora entre os motoboys informais ou com carteira assinada e os de aplicativos, sendo R$7,52 e R$5,68, respectivamente. Além disso, dentre esses trabalhadores, 73,8% se autoidentificaram como pretos ou pardos, e apenas 2% como mulheres.
De acordo com Lucas, essa diferença de gênero “tem a ver também com a questão mais histórica da própria atividade de entrega, do motoboy ser uma profissão mais masculina. Procurei ir a esses pontos de aglomeração de entregadores, e desses 2% de mulheres que encontrei, só duas do universo dessas dez estavam nesse grande aglomerado de entregadores, que eram grupos de 10, 15, 20. Perguntei o motivo disso e, resumindo de forma bem clara, é por conta de assédio. Muitas mulheres disseram que preferiam não estar com o grupo porque se sentiam mais à vontade estando há 30 ou 40 metros de distância dele. O assédio é um elemento definidor das questões de gênero nas entregas, assédio por parte dos clientes, dos restaurantes e dos próprios entregadores”, explica.
Mesmo o assédio sendo o problema mais comum, Lucas conta que também recebeu outras queixas de mulheres que trabalham como entregadoras; entre elas, uma mãe solo que, durante a pandemia, precisou parar de fazer entregas para cuidar do filho em tempo integral. “De certa forma, esse tipo de trabalho facilita que uma mulher dona de casa ganhe uma renda, mas é importante dizer que é uma renda completamente precarizada, um trabalho precarizado e exposto a vários riscos. Inclusive, foi comum ouvir relatos de que as mulheres têm uma jornada de trabalho reduzida por obrigação, porque o risco de fazer entregas à noite nas ruas dos Rio de Janeiro é muito alto. A jornada de 63 horas não é nem permitida para elas”, afirma o pesquisador.
Diferentemente dos motoboys, que começaram a seguir essa profissão nas décadas de 80 e 90, e da ideia que é propagada pelos aplicativos, a maioria dos entregadores entrevistados não tinha a visão de que terceirizar seu trabalho para esses aplicativos seria uma forma de empreender. “O que é supervalorizado na categoria dos entregadores é a autonomia que eles têm nas entregas, uma ausência de fiscalização ali o tempo todo. Mas o que acontece é que o gerenciamento existente nessas plataformas, que é o algoritmo, pode ser até mais severo. Ele não aparece na forma de uma pessoa, mas você não pode recusar entregas, senão você é bloqueado. Toda a lógica de como é o gerenciamento via algoritmo, como ele é pensado e projetado, acaba sendo mais severo. Então, o discurso empreendedor que achei que ia encontrar é quase inexistente”, conta Lucas.
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Fonte: Assessoria de Imprensa UFF
Data original de publicação: 01/06/2023