MUSICISTAS COMO TRABALHADORES(AS) E A MÚSICA COMO TRABALHO NO BRASIL
Por Orfeu
Pensar a prática musical como atividade laboral pressupõe
diversos desafios. A esfera musical, ou ao menos a sua fração vinculada
ao ideal de uma arte “pura” ou “desinteressada”, erigiu-se na
modernidade ocidental a partir de referências que não somente se
diferenciam da lógica economicista, como frequentemente se posicionam
como sua antítese. Ideais de liberdade de criação, fruição,
contemplação, talento, individualidade e insubordinação – muito
atrelados aos fazeres artísticos no mundo moderno – se contrapõem a
alguns mais relevantes pilares a sustentar, objetiva e simbolicamente, a
sociedade do trabalho no capitalismo.
No Brasil, passadas quase oito
décadas da Consolidação das Leis do Trabalho sob o governo de Getúlio
Vargas, 78,7% dos(as) musicistas exerciam a ocupação sem acesso à
formalização dos vínculos laborais em 2019, segundo a PNAD. No entanto,
inúmeros exemplos de correlações entre o mundo do trabalho e o mundo do
trabalho da música no país são revelados, no passado e no presente,
quando se adota a perspectiva de reconhecer os(as) musicistas como
trabalhadores(as) e o amplo conjunto de suas atividades como trabalho.
Para citar apenas alguns exemplos: a transformação do Centro Musical do
Rio de Janeiro em sindicato em 1941, sob as circunstâncias das referidas
“leis trabalhistas”; as reivindicações para o estabelecimento de
dissídios coletivos para os(as) musicistas gaúchos(as) nos anos 1950 e
1960; os desafios para manutenção da subsistência da categoria durante a
pandemia da Covid-19 e a criação da Lei Aldir Blanc; o trabalho
contemporâneo por meio do autogerenciamento subordinado da
plataformização ou sob um discurso de empreendedorismo, a escamotear
processos de informalização do trabalho e precarização.
Ainda são
escassas as pesquisas na área de Música e em outras áreas do
conhecimento que analisem o cenário laboral dos(as) musicistas. Por
conseguinte, que os(as) reconheçam como trabalhadores(as), cujas
múltiplas trajetórias formativas e de trabalho envolvem lutas e
estratégias por melhores condições de trabalho, renda e reconhecimento,
frente a um contexto laboral de complexa configuração e historicamente
marcado pela instabilidade e pela desvalorização.
Considerando o
exposto, convidamos pesquisadores(as) da área de Música e de outras
áreas do conhecimento a submeterem artigos para o presente dossiê. Esta
publicação busca estimular a produção e a divulgação de pesquisas que
abordem a música como um trabalho e os(as) musicistas como
trabalhadores(as) no Brasil, em perspectiva histórica ou contemporânea, e
o debate sobre as diferentes categorias conceituais utilizadas para o
tratamento dessa temática.
Sugestões de tópicos para eventuais contribuições ao dossiê:
-Trajetórias formativas e suas correlações com as trajetórias laborais de musicistas.
Ser musicista e ser trabalhador(a) da música.
-A
história do trabalho na música e/ou das entidades de classe de
musicistas: sindicatos, associações, ordens, cooperativas e outros
coletivos de trabalhadores(as).
-A música como trabalho e/ou os(as) musicistas como trabalhadores(as) frente ao Estado e/ou legislação.
-Configurações contemporâneas do trabalho musical/trabalho com música.
-Condições, relações de trabalho e renda no trabalho musical/trabalho com música.
-A formação em música e o debate sobre o trabalho e o ser trabalhador(a) da música na universidade.
-Psicodinâmica do trabalho musical/trabalho com música.
-Empreendedorismo na música, precariedade e informalidade frente ao capitalismo contemporâneo.
-Musicistas, streaming e o trabalho não pago.
-Professores(as) de música como trabalhadores(as) da música.
-Categorias profissionais que compõem os(as) trabalhadores(as) da música e suas e suas realidades de trabalho.
-Musicistas de rua e/ou ambulantes.
-Musicistas como trabalhadores(as) multitarefa.
-A Covid-19 e suas consequências sobre os(as) trabalhadores(as) da música;
-Musicistas e consciência de classe.
-Musicistas, gênero, raça, classe, faixa etária e trabalho.
-Moralidade no trabalho musical: musicistas como trabalhadores(as) versus desvalorização, invisibilidade, hobby ou vagabundagem.
-Música, musicistas, trabalho material e imaterial.
-Musicistas e os sentidos do trabalho musical/trabalho com música.
Link para submissões: http://revistas.udesc.br/index.php/orfeu/information/authors
Fonte: Orfeu
Data da publicação original: 2023-04-14