Onde, com que frequência e em quais setores os trabalhadores e trabalhadoras param? – greves em perspectiva internacional comparada

Imagem: Wikipédia

Por Patrícia Vieira Trópia (UFU)

A produção de dados sobre greves (e outras formas de protesto) é fundamental para estudiosos e militantes do movimento sindical e operário avaliarem as conjunturas políticas, a conflitualidade trabalhista e a luta política de classes. Dados sobre greves são sempre resultado de um trabalho atento, sistemático e metodologicamente complexo. Alguns países possuem levantamentos longitudinais, mas a maioria carece de fontes confiáveis e dados consistentes. Mundo afora, o Estado é o responsável pela produção de dados sobre greves, diferentemente do caso brasileiro. No Brasil a principal entidade responsável pelo levantamento de greves é o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE). Muitos de nós, pesquisadores da ABET e da ANPOCS, nos baseamos nos dados do DIEESE para desenvolver nossas análises. Desde o final dos anos de 1970, o DIEESE é responsável pelo Sistema de Acompanhamento de Greves (SAG/DIEESE), base de dados a partir da qual algumas gerações de estudiosos têm procurado analisar greves específicas, setoriais e gerais ou ainda compreender e parametrizar ciclos de greves. Eis que chega ao nosso conhecimento um Relatório internacional sobre greves, em que o DIEESE é uma das fontes de dados e participa com a análise das greves deflagradas no Brasil em 2022.

Resultante de uma bem-vinda e original iniciativa de um grupo de pesquisadores e militantes internacionais, o International Strike Report (2022) analisa as greves e agitação trabalhista deflagradas por trabalhadores e trabalhadoras de seis países no ano de 2022.

Considerando as limitações das fontes oficiais e a necessidade de produção de dados confiáveis, acadêmicos e ativistas se reuniram para realizar um exame crítico das fontes, metodologias e dados produzidos em cada país, o que demandou, em alguns casos, novos levantamentos e metodologias.

O relatório contém dados de greves no Brasil, Chile, China, Itália, Turquia e Estados Unidos. O objetivo da publicação é avançar o conhecimento sobre as greves em nível internacional e, quiçá, superar as limitações das fontes de dados oficiais em alguns países. Deste modo, embora represente uma pequena fração dos trabalhadores em todo o mundo, o relatório é uma importante contribuição para os estudos comparativos sobre greves.

Alpkan Birelma, Eli Friedman, Johnnie Kallas e Deepa Kylasam Iyer elaboraram a Introdução do Relatório, em que apresentam um balanço comparativo destacando as barreiras que dificultam o conhecimento amplo da conflitualidade trabalhista nos seis países examinados.

No Brasil, não há dados estatais (“oficiais”) sobre greves, cabendo ao DIEESE, entidade financiada e mantida pelo movimento sindical brasileiro, a tarefa de levantar e publicar relatórios contendo informações sobre as greves deflagradas no país. Outras formas de protesto de trabalhadores não são, todavia, contabilizadas pelo DIESSE. Como a greve não é a única forma de mensurar a conflitualidade trabalhista (SOUZA, TRÓPIA, 2022), resta aos pesquisadores complementar os levantamentos com outras fontes (DataLuta, por exemplo, ou dados divulgados por Jornais de grande circulação no país). No Chile, a Diretoria de Trabalho produz dados oficiais que captam, não obstante, apenas greves legais (ou seja, greves que ocorrem durante o processo de negociação coletiva). Os dados do Chile são resultado do trabalho realizado pelo Observatório de Greves Trabalhistas, entidade que reúne informações das greves oficiais e não oficiais, cujas informações são coletados em 18 jornais nacionais. Na China também não há dados oficiais sobre greves, de tal modo que o levantamento realizado em 2022 tem como fonte as informações do China Labour Bolletin, sediada em Hong Kong. Na Itália, o Instituto Nacional Italiano de Estatística não coleta estatísticas de conflitos trabalhistas desde abril de 2010. Os dados oficiais sobre greves são parcialmente levantados pela Comissão de Garantia de Greve que, entretanto, identifica apenas as greves que afetam serviços essenciais. Na Turquia, o Ministério do Trabalho fornece dados apenas sobre greves legais que são aquelas deflagradas durante negociação coletiva. Nos Estados Unidos, o Bureau of Labor Statistics registra apenas as greves que envolvem 1.000 ou mais trabalhadores, que duram uma jornada ou mais e que ocorrem durante a semana, critérios que eliminam a grande maioria das ações de greve.

O estudo compara as greves nesses seis países, ainda que existam diferenças metodológicas em cada um. A única variável comum aos levantamentos é o número de greves e os setores grevistas.

O Brasil é o país com o maior número de greves (1.068) em 2022, seguido pelo Estados Unidos (426), Turquia (197), Chile (177), China (155) e Itália (148). Excluído o caso da China, os Estados Unidos tiveram a maior média de dias parados (13,7), seguido do Chile (10,4), Brasil (6,7), Turquia (5) e Itália (4,1).

Considerando o total de greves nos seis países, a educação é o setor com o maior número de greves, representando 23% do total. O setor de transporte e armazenamento representa 19% do total de greves e a indústria, 13%.

O perfil grevista predominante em cada país varia muito. No Brasil, a educação corresponde a 34% do total das greves. A educação também é o setor predominante no Chile. Na China e na Itália, todavia, o setor mais grevista é o de transportes, representando respectivamente 73% e 37% do total das greves. Na Turquia, o setor da indústria representa 65% do total das greves e nos Estados Unidos o setor de alimentação corresponde a 31%.

Um dado relevante é o percentual de greves organizadas por sindicatos. Exceto no caso da Turquia e da China (país onde nenhuma das 155 greves foi deflagrada por sindicatos), mais de 70% das greves nos EUA, Itália, Brasil e Chile tiveram o envolvimento direto dos sindicatos. No Brasil em particular, o levantamento identificou que 89% das greves foram deflagradas pelo movimento sindical.

No que diz respeito ao direito de greve, na Itália, 97% das greves foram legais; no Brasil, este percentual foi de 95%, enquanto na Turquia apenas 9% das greves foram legais e na China todas foram consideradas ilegais. Ao menos 50% do total das greves no Chile, Brasil e Itália foram deflagradas por trabalhadores do setor público.

Na sequência, o relatório publica textos autorais sobre cada um dos seis países. Rodrigo Linhares (DIEESE) faz um balanço das greves no Brasil, majoritárias entre trabalhadores da educação pública e motivadas, sobretudo, pela reivindicação de pagamento do piso nacional do magistério. Um caso ganha destaque no texto de Linhares: a greve dos metroviários de Belo Horizonte contra a privatização do Metrô, conduzida pelo Sindimetro-MG, que motivou uma interessante entrevista com a presidente do Sindimetro-MG. Pablo Pérez-Ahumada analisou as greves no Chile a partir das fontes acima citadas e entrevistou Ivonne Ravello – dirigente do Sindicato dos serviços privados de saúde. Aidan Chau analisou as greves na China, evidenciando os efeitos da conjuntura econômica marcada pelo crescimento econômico mais lento e aumento do desemprego. A falência de empresas em função da crise imobiliária incrementou protestos contra o não pagamento de salários. Por sua vez, o setor de logística (entregas rápidas e carona on-line), que crescera excepcionalmente durante a pandemia às custas dos trabalhadores, tem registrado um número crescente de greves. No setor público, ganham destaque os protestos da categoria médica. O artigo publica trechos de entrevistas sobre os antecedentes e o contexto dos violentos protestos e da repressão policial que marcaram a greve de trabalhadores da Foxconn (indústria que produz o Iphone na China) por melhores condições de trabalho e contra as regras de confinamento dos infectados nos dormitórios da empresa. Katia Pilati, Vincenzo Maccarrone e Sabrina Perra analisam as paralisações e greves gerais na Itália a partir de um levantamento próprio, PEA (protest event analysis), cujas fontes são informações e dados publicados pela mídia. Os autores realizaram uma entrevista com um trabalhador envolvido nas greves contra o fechamento da empresa Saga Coffe, produtora de máquinas de café expresso e situada na região de Giorno. Desde os primeiros ruídos em torno do fechamento da empresa, os trabalhadores se uniram e iniciaram um bloqueio para impedir a retirada de equipamentos e pressionar por um acordo que durou 100 dias, entre o final de 2021 e início de 2022. Alpkan Birelma analisa as greves na Turquia, que ocorreram durante o governo Erdoğan. Chama atenção o crescimento do número de greves consideradas ilegais nos últimos anos. Entre 2015 e 2022, o governo proibiu 230 greves legais que abrangem mais de 170.000 trabalhadores – o que representa 94% das greves desse período. A atual legislação é bastante restritiva em relação ao direito de greve, que exclui por exemplo servidores públicos. Os dados sobre greves foram então levantados a partir de uma metodologia própria de consulta em quatro etapas: consultas a sites de informações trabalhistas de esquerda, a jornais, aos sites de (ou mesmo contato direto com) sindicatos e informações no google. O levantamento identificou um aumento do número de greves em 2022, em grande medida causado pela conjuntura hiperinflacionária que levou à corrosão do poder de compra dos salários. São greves predominantemente operárias, entre as quais despontam as greves de trabalhadores da indústria têxtil. Foi feita uma entrevista com Süleyman, militante de um sindicato independente recentemente criado e trabalhador da fábrica de tecidos Şireci Tekstil, em Antep. Foram deflagradas duas paralisações em 2022 na Sireci Tekstil por aumento de salário e pagamento de subsídios pelo Ramadan ou Eid al-Adha (feriados religiosos). No início de 2023 Süleyman foi demitido por sua posição política socialista e uma das fábricas acabou sendo fechada. Deepa Kylasam Iyer, Johnnie Kallas e Kathryn Ritchie analisam as greves nos Estados Unidos. Um grupo de pesquisadores da Universidade de Cornell criou o Labor Action Tracker (LAT) em 2021 para montar um banco de dados abrangente de atividades grevistas nos EUA, buscando documentar greves de todos os tamanhos e superar as limitações dos dados existentes. O Labor Action Tracker identificou 433 paralisações de trabalho (426 greves e sete lockouts) envolvendo aproximadamente 224.000 trabalhadores. Este número representa um aumento de 55%, em relação a 2021. Houve também um aumento de 60% no número de grevistas. A grande maioria das paralisações no setor de hospedagem e serviços de alimentação foi liderada por trabalhadores da Starbucks que se organizaram com a campanha Starbucks Workers United. Mas é a educação o setor que concentra o maior número de greves. Deepa Kylasam Iyer entrevistou Sarah Mason sobre a greve na Universidade da California, a maior greve daquele ano nos Estados Unidos. Funcionários da universidade e estudantes de pós-graduação entraram em greve contra os baixos salários e às más condições de trabalho.

As greves representam tão somente um fragmento da conflitualidade trabalhista que pode também assumir a forma de atos, passeatas, motins, bloqueios, piquetes, ocupações, lock outs etc. A conflitualidade trabalhista é, por sua vez, uma das formas assumidas pelos protestos sociais (SOUZA e TRÓPIA, 2022).

O estudo constata as dificuldades, sobretudo políticas, de se conhecer de forma detalhada as formas de protesto das classes trabalhadoras, mas evidencia a centralidade do trabalho e da conflitualidade trabalhista no rastro das políticas de austeridade, cujos efeitos perversos sobre os trabalhadores se ampliam no contexto da (e pós) COVID-19. Tais políticas afetam de diferentes formas os trabalhadores e trabalhadoras: com a redução de salário, perda salarial em função de contextos inflacionários, privatização, precárias condições de trabalho que, na conjuntura analisada, aumentaram os riscos de contaminação, entre outras.

Regimes e conjunturas políticas de cada país jogam um peso decisivo no mapa sindical apresentado pelo International Strike Report (2022). Práticas antissindicais recorrentes, restrições ao direito de greve e de organização sindical evidenciam que a plena liberdade de organização, tal como expressa na Convenção 87 da OIT, é uma conquista distante para milhões de trabalhadores e trabalhadoras.

Finalmente o estudo mostra a importância do sindicalismo como forma de luta, de organização e de conquista.

Para acessar o relatório na íntegra: https://ler.illinois.edu/wp-content/uploads/2024/05/International-Strike-Report-20240430-final-1.pdf

Referência:
SOUZA, Davisson Charles Cangussu de; TRÓPIA, Patrícia Vieira. O Sistema de Acompanhamento de Greves do DIEESE: alcances e limites de um levantamento audacioso. In: Mônica Paranhos, Maria Cristina Rodrigues, Elina Pessanha (Orgs.). Dieese: instituição da classe trabalhadora. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2022, p. 131-145.


Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Translate »