Divisão sexual do trabalho: Mais de 11 milhões de mulheres deixam o mercado de trabalho no Brasil
Por Cássia Almeida | O Globo
Pesquisa inédita do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made), da USP, sobre o custo da maternidade no Brasil mostra que 6,8 milhões de mulheres negras e 4,3 milhões de brancas ficaram fora da força de trabalho em 2022 para cuidar dos filhos e da casa, apesar de desejarem estar no mercado. Se essas 11,1 milhões de mulheres conseguissem permanecer, a força de trabalho cresceria em torno de 10%, em um país que está envelhecendo rapidamente, e cuja população deve parar de crescer no fim dessa década.
O impacto na produtividade do país é claro, dizem especialistas. Em qualquer recorte de escolaridade, a mulher tem mais instrução que o homem. Tem mais anos de estudo, é maioria nas universidades desde os anos 1990 e também entre os formados, mas, mesmo assim, ganha em média 78% do que recebe o homem. Segundo o estudo do Made, a taxa de participação (parcela da população em idade de trabalhar que está na força de trabalho) das mulheres casadas com filhos de até 2 anos é de 49,3%, a menor participação na comparação com outros arranjos familiares. A do homem na mesma situação familiar varia de 93,9% se a mulher não trabalhar fora, a 97,2% quando ela está no mercado.
Nara Rosane Florencio Campos trabalhava como vigilante quando engravidou das gêmeas Laura e Maria Luísa. Ficou quatro meses na empresa ao fim da licença-maternidade, mas a filha mais velha começou a trabalhar e ela não tinha mais com quem deixar as pequenas, hoje com 3 anos:
— Ganhava R$ 1.570, como ia conseguir pagar alguém para ficar com duas crianças e de confiança? Tive que parar.
O trabalho da filha e seus serviços ocasionais sustentam a casa. Rosane cursa Pedagogia a distância (a irmã paga a mensalidade) para conseguir vaga em uma creche e poder levar as crianças para o trabalho. Atualmente as meninas estão em uma creche pública, mas ela precisa buscá-las às 15h.
Investimento alto
Segundo Amanda Resende, uma das autoras do estudo do Made, o acesso das mulheres a mais emprego e renda tem impacto claro no Produto Interno Bruto (PIB). Ela diz que a pesquisa mostra que as mulheres mães, principalmente as negras, estão mais sujeitas à pobreza de tempo e renda. As que não têm condições de terceirizar o serviço estão fora do mercado ou sujeitas a empregos mal remunerados e informais, por precisarem conciliar essas funções.
— Temos que desenvolver mais políticas de cuidado que reduzam o trabalho feminino não remunerado, com a super-responsabilização das mulheres, e que esse trabalho seja mais bem distribuído entre Estado, famílias e empresas — diz Amanda.
Ela acrescenta que as dimensões de gênero e raça estão completamente articuladas,
Janaína Feijó, economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), diz que esses dados mostram a ineficiência da economia, ao desperdiçar mão de obra qualificada. As mulheres têm mais anos de estudo do que os homens, são maioria nas universidades e entre os que concluem o ensino superior. Ela cita um estudo feito nos Estados Unidos, que calculou que 20% da expansão do PIB de 1970 a 2010 vieram da entrada da mulher no mercado de trabalho:
— É um problema clássico de ineficiência. Precisamos tirar o máximo dos recursos que temos. O país está deixando de contar com essa mão de obra qualificada.
Impacto na transição demográfica
Essa exclusão intensifica os efeitos da rápida transição demográfica que o país está vivendo, com crescimento cada vez mais lento da população em idade de trabalhar e o envelhecimento acelerado, alerta Janaína:
— Igualdade de gênero pode gerar ganhos para a economia, com mais produtividade. A alocação melhor dessa mão de obra potencializa o crescimento e a produtividade, que têm patinado nas últimas décadas.
Na área de pesquisa, essa perda de produtividade é ainda maior. São pesquisadoras que dedicaram anos de trabalho e investimento em qualificação, com bolsas do Estado, e foram obrigadas a abandonar a pesquisa, diz Fernanda Staniscuaski. Ela é coordenadora do Parent in Science, movimento criado para discutir a maternidade e a paternidade dentro da ciência no Brasil:
— Estudo feito nos Estados Unidos constatou que 43% das cientistas que haviam acabado de ter filho estavam em trabalho temporário ou abandonaram o mercado. Entre os pais, a parcela era de 23%. É impacto enorme. Houve um investimento gigantesco não só pessoal, mas também do Estado, em formar essas mães que acabam abandonando por causa de um sistema inflexível que a gente tem.
Bolsas exclusivas
Com edital inédito entre as agências de fomento, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) vai destinar auxílio para projetos de pesquisa de mães cientistas com filhos até 12 anos. Não há limite de idade no caso de filhos com deficiência. O edital é um parceria entre o Instituto Serrapilheira e o Parent in Science. O auxílio é de R$ 120 mil.
Segundo a Faperj, a “iniciativa, inspirada em experiências internacionais, visa diminuir o esperado impacto da maternidade sobre as atividades acadêmicas da professora/pesquisadora, conforme dados publicados pelo movimento Parent in Science e ampla literatura científica”.
— Abriram as portas da academia para a diversidade sem mudar o sistema. As mulheres não se encaixam. Edital voltada para mães com verba para manutenção do trabalho é uma demanda desde sempre — afirma Fernanda.
Marina Franciulli, head de Diversidade e Inclusão da B2Mamy, plataforma de aceleração de startups e coworking dedicada a mães empreendedoras, quase abandonou o mercado de trabalho após experiências negativas depois de voltar da licença-maternidade:
— A maternidade é uma enorme transição, uma mudança gigantesca, e não há suporte ou política pública ou privada para as mães, especialmente nos primeiros anos das crianças.
E as soluções são conhecidas. Mais creches em tempo integral, licença parental e maior apoio dentro das empresas para as mães.
— Cada mãe que retorna precisa de apoio para continuar. A empresa que não tiver esse olhar mais sistemático vai perder essa profissional — diz Carine Roos, CEO da Newa, consultoria de diversidade.
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Por Cássia Almeida | O Globo
Data original de publicação: 31/05/2024