O PARANÁ COMO LABORATÓRIO: ESCOLAS PÚBLICAS, GESTÃO PRIVADA

Imagem: UOL Educação | Reprodução

Por Raquel Cristina Silva das Neves

Após uma polêmica sessão realizada em caráter de urgência no dia 4 de junho, a Assembleia Legislativa do Paraná (ALEP) aprovou, por maioria, um modelo que rompe com a ordem constitucional de ensino público. O Paraná tornou-se o primeiro estado da federação a adotar a gestão privada em escolas públicas de educação básica, abrangendo pelo menos duzentos estabelecimentos da rede estadual.
A Lei nº 22.006, sancionada no mesmo dia pelo governador Carlos Massa Ratinho Junior, institui o Programa Parceiro da Escola, autorizando a Secretaria do Estado da Educação (SEED) a celebrar contratos com pessoas jurídicas de direito privado especializadas na gestão educacional. Essas empresas serão responsáveis por implementar ações e estratégias que contribuam para a melhoria do processo de ensino e aprendizagem dos alunos, bem como para a eficiência na gestão das unidades escolares (art. 2º).
Diversas camadas de análise emergem dessa nova autoproclamada “parceria”. Podem-se questionar as razões de sua urgência, a ausência de dados quantitativos e qualitativos que justifiquem a maior eficiência da gestão privada, e a constitucionalidade da terceirização da contratação de professores, já que a Lei 22.006 prevê a contratação de docentes pela iniciativa privada (art. 4º, inciso V). Há ainda ambiguidade na legislação, que ora se refere ao aspecto meramente administrativo, ora invade questões pedagógicas, as quais o governo afirma manter na esfera pública.
As controvérsias são muitas, cada uma podendo resultar em uma análise mais aprofundada. Entretanto, o eixo que parece nortear todo esse processo aponta para o Paraná como um laboratório de um amplo processo de privatização do ensino no Brasil.
A proliferação da iniciativa privada no setor da educação tece sua rede desde a democratização do acesso, até então privilegiado e elitista, ao ensino superior, como promessa de superação da pobreza. A Constituição de 1988 reforça a educação como direito fundamental, procurando universalizar não só a educação básica, mas também os níveis médios e superiores. A educação superior, por exemplo, tinha acesso restrito devido ao número limitado de instituições públicas e vagas, preenchidas por um processo seletivo extremamente rigoroso. Frente às dificuldades do Estado em ampliar o acesso ao ensino superior, a solução foi financiar o ingresso de estudantes menos favorecidos em instituições privadas.
Uma expansão da educação superior, nos moldes financeiros e empresariais, foi implementada por meio de autorização normativa e financiamento público indireto, através de programas como o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES) e o Programa Universidade para Todos (PROUNI). A adoção do ensino à distância (EaD) também se alinhou a essa associação de interesses público-privada, permitindo que mais estudantes tivessem acesso à formação superior, enquanto a iniciativa privada reduzia custos, pois um único professor poderia atender milhares de estudantes nessa modalidade.
Na educação básica, aulas remotas foram implementadas devido ao isolamento social imposto pela COVID-19. Em 2022, o Governo do Paraná aproveitou a aceitação dessas aulas e, mesmo após o período de emergência sanitária, manteve o ensino fundamental mediado por tecnologias, criando um modelo plataformizado de ensino baseado no sistema Educatron. Segundo a APP Sindicato do Paraná, essas ferramentas foram compradas de empresas privadas (o próprio governo admite ter gasto 122 milhões nessas aquisições) e estão sendo impostas aos professores da rede estadual de ensino, determinando conteúdos e cobrando metas de resultado Ideb – índice de desenvolvimento na educação básica, colocando o aprendizado dos estudantes em segundo plano (App Sindicato, 2024).
Não por acaso, o secretário da educação responsável por esse modelo plataformizado no Paraná era Renato Feder, atual secretário da educação do Estado de São Paulo, onde busca implementar medidas semelhantes. Materiais pedagógicos que não servem apenas de apoio ao processo de ensino-aprendizagem, mas que determinam conteúdos e são geridos por plataformas privadas que controlam o desempenho dos professores, foram o primeiro passo para a privatização da gestão das escolas.
Agora, a última questão é: quais serão as empresas que se habilitarão para o credenciamento conforme a Lei nº 22.006? A lei prevê que sejam empresas especializadas no ramo educacional. O histórico do EaD mostra quem são essas empresas no Brasil: grandes conglomerados como o Grupo Króton/Cogna, que operam com grandes valores de capital.
O Paraná, com sua recente legislação que abre caminho para a gestão privada em escolas públicas, parece estar se posicionando como um laboratório para a privatização da educação no Brasil. A história mostra que o estado frequentemente lidera em reformas educacionais, e esta última medida segue essa tradição. Comparando com experiências internacionais, vemos que tais ‘experimentos’ podem ter repercussões negativas significativas. Os documentos do governo paranaense e declarações de políticos sugerem um plano deliberado para testar novas formas de gestão educacional no Paraná, com resultados preliminares já emergindo. A expressiva reação da comunidade educacional indica uma consciência crescente de que o Paraná está sendo usado como um campo de testes. As implicações futuras desse projeto são imensas, e o Brasil deve observar atentamente, pois o que acontece no Paraná pode prenunciar mudanças em todo o país.

Fonte: Thaís de Souza Lapa | Presidenta da ABET (2024-2025)

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