Crítica marxista ao conceito de trabalho decente

Por Jorge Luiz Souto Maior
Data original de publicação: 23/07/2024

“…o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes de transformá-la em realidade.” (Karl Marx)

Trabalho decente, segundo a OIT seria o ponto de convergência de quatro objetivos estratégicos da organização:

  1. o respeito aos direitos no trabalho, especialmente aqueles definidos como fundamentais (liberdade sindical, direito de negociação coletiva, eliminação de todas as formas de discriminação em matéria de emprego e ocupação e erradicação de todas as formas de trabalho forçado e trabalho infantil);
  2. a promoção do emprego produtivo e de qualidade;
  3. a ampliação da proteção social;
  4. e o fortalecimento do diálogo social.

O conceito em questão teria surgido na 87ª reunião da Organização Internacional do Trabalho, OIT, ocorrida, em Genebra, no ano de 1999, por sugestão do então diretor-geral Juan Somavia, o primeiro diretor proveniente do hemisfério sul.

Muito se tem falado a respeito, em uma perspectiva positiva, mas há uma evidente redução de potência nas políticas institucionais de proteção do(a) trabalhador(a) no modelo de sociedade capitalista, conforme se vinha preconizando até então.

Senão, vejamos.
Primeiro, é essencial lembrar que quando se fala em trabalho, no contexto do processo de produção capitalista, está se falando, propriamente, de força de trabalho, ou seja, do trabalho transformado em mercadoria, que é vendida como forma de sobrevivência daqueles que historicamente foram alijados da propriedade dos meios de produção.

O trabalho, essencialmente, como explicam José Paulo Netto e Marcelo Braz, é o que “torna possível a produção de qualquer bem, criando os valores que constituem a riqueza social” e pelo trabalho que o ser humano realiza suas necessidades e até mesmo se percebe em sua subjetivamente.

Ou, como diria Karl Marx, “o trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano com sua própria ação impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza. Defronta-se com a natureza como uma de suas forças. Põe em movimento as forças naturais de seu corpo, braços e pernas, cabeça e mãos, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana. Atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria natureza.”

O trabalho transformado em força de trabalho, no entanto, não completa este ciclo, desenvolvendo um mecanismo de perda da subjetividade, pois o ser humano não se identifica mais com o resultado do seu trabalho. O que se projeta com a venda da força de trabalho é meramente a aquisição de outra mercadoria, o dinheiro, pela qual se adquirem outras mercadorias.

E em uma sociedade moldada por este modo de produção as relações humanas acabam sendo intermediadas pelas mercadorias, o que Marx denominou de “fetichismo da mercadoria”.

Portanto, quando se fala em trabalho no modo de produção capitalista, está se referendo a trabalho-força de trabalho, trabalho objetivado e trabalho alienado, tudo dentro de um contexto de relações sociais impulsionadas por mercadorias e de consequente reificação da própria condição humana.

Assim, qualquer iniciativa institucional, dentro desse sistema, que vise a valorizar o trabalho e a proteger o trabalhador, por mais promissora que pretenda ser, não passará disso, ou seja, de conferir maior preço à mercadoria trabalho e de minimizar os danos à condição humana do(a) trabalhador(a).

De todo modo, há de se reconhecer que existem diversos graus de perda da subjetividade e de reificação, de modo que não são irrelevantes as medidas de contenção e de promoção, construídas no bojo das tensões sociais, para regular a relação trabalho e capital.

Não se trata de um jogo de tudo (o socialismo) ou nada (o capitalismo). E também não seria o nada o impulso para uma construção automaticamente do tudo, sendo este. Até porque, se assim fosse, e se no capitalismo a classe trabalhadora, objetivada, alienada e fetichizada, estivesse diante do nada, o tudo já estaria construído. Há um processo histórico, produzido pela ação humana, que precisa ser considerado e conscientemente construído, para que não se chegue à barbárie.

Mas também é urgente perceber que a ânsia ilimitada de lucros e de superação e até eliminação da concorrência que fundam o sistema capitalista conduz a uma lógica destrutiva de tudo e de todos. Trata-se de um sistema que agride o meio ambiente; alimenta ódios; produz miséria, sofrimento e conflitos de toda espécie e, ao mesmo tempo, destrói todas as formas (políticas, econômicas e jurídicas) que se concebem para a sua autopreservação.

O advento e o conteúdo de trabalho decente é um exemplo de como o capitalismo não consegue levar adiante suas promessas de autossustentação.

A leitura atenta da Constituição da OIT, trazido no bojo do Tratado de Versalhes, em 1919, deixava clara a preocupação em torno da construção de uma nova sociedade baseada na justiça social.

Justiça social seria representada por uma maior e melhor distribuição da riqueza produzida, acompanhada de medidas de inserção política, econômica e democrática da classe trabalhadora no projeto de sociedade capitalista, de modo a promover uma diminuição das diferenças sociais e econômicas entre as classes do trabalho e do capital e a minimização do sofrimento da classe trabalhadora.

É neste sentido que se fixou no preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, que todos os seres humanos são integrados à “família humana”, partindo do pressuposto do “reconhecimento da dignidade” de todas e todos, indistintamente.

No mesmo documento, inclusive, fixou-se o princípio de que “o trabalho não deve ser considerado como simples mercadoria ou artigo de comércio, mas como colaboração livre e eficaz na produção das riquezas” (art. 427, da Constituição da OIT).

A partir daí foram vários os documentos jurídico-políticos, em âmbito internacional e nacional, reafirmando o compromisso em torno da elevação da condição social e econômica, além da integração política, da classe trabalhadora, como fator de reconhecimento de sua dignidade humana e de efetivação da justiça social.

Na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem de 1948 restou consignado que “Toda pessoa tem direito ao trabalho em condições dignas e o de seguir livremente sua vocação, na medida em que for permitido pelas oportunidades de emprego existentes” e que “Toda pessoa que trabalha tem o direito de receber uma remuneração que, em relação à sua capacidade de trabalho e habilidade, garanta-lhe um nível de vida conveniente para si mesma e para sua família” (art. XIV).

Na Carta Americana de Garantias Sociais (1948), consignou-se o compromisso dos Estados Americanos em efetivar as normas que protejam de forma progressiva os trabalhadores. Consignou-se, ainda, o preceito da “unidade humana”, a essencialidade da realização dos postulados da justiça social, a partir do princípio principal de que: “El trabajo es una función social, goza de la protección especial del Estado y no debe considerarse como artículo de comercio (art. 2, “a”).

A Declaração e Programa de Ação, fruto da Conferência Mundial dos Direitos Humanos, realizada em junho de 1993 na cidade de Viena, em seu item 15, visando a dar efetividade plena a todos os compromissos anteriormente assumidos para a construção da justiça social, fixou o preceito de que “o respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais, sem distinções de qualquer espécie, é uma norma fundamental do direito internacional na área dos direitos humanos”.

Conforme se constada dos “considerandos” da Declaração de Viena, de 1993, repetindo diretriz já traçada na Carta das Nações Unidas, os Estados devem implementar políticas necessárias para “preservar as gerações futuras do flagelo da guerra, de estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações emanadas de tratados e outras fontes do direito internacional possam ser mantidos, de promover o progresso social e o melhor padrão de vida dentro de um conceito mais amplo de liberdade, de praticar a tolerância e a boa vizinhança e de empregar mecanismos internacionais para promover avanços econômicos e sociais em benefício de todos os povos”.

A mesma Declaração destaca que “todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados”, estabelecendo que “a comunidade internacional deve tratar os direitos humanos de forma global, justa e equitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase. Embora particularidades nacionais e regionais devam ser levadas em consideração, assim como diversos contextos históricos, culturais e religiosos, é dever dos Estados promover e proteger todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, sejam quais forem seus sistemas políticos, econômicos e culturais.”

A Constituição Federal brasileira, promulgada em 1988, como resultado da luta política dos trabalhadores contra o regime ditatorial e o rebaixamento econômico e jurídico do qual foi vítima nos anos 60 e 70, elevou os direitos trabalhistas ao patamar de Direitos Fundamentais (Título II) e firmou, de modo expresso e inequívoco, o compromisso da construção de uma sociedade “livre, justa e solidária”, além de “garantir o desenvolvimento nacional”, “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” e “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, tendo como fundamento “a dignidade da pessoa humana” e “os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”, além de subordinar a ordem econômica à “valorização do trabalho”, de modo a “assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”.

Assim, dentro de um cenário de dominação dos ideários neoliberais, impregnados ainda com maior vigor nos países periféricos (colonizados), e que propugnava a quebra dos pactos em torno da distribuição equitativa da riqueza socialmente produzida, resultando no império da destruição da proteção jurídica trabalhista, disfarçada no discurso da “flexibilização”, quando  a OIT, ao final da década de 90, vira a chave do trabalho digno e da promoção da justiça social, para a noção de “trabalho decente”, o que se tem, concretamente, é uma adaptação aos novos tempos, buscando-se, unicamente, impedir que a precarização generalizada das condições de trabalho pudesse ir ao ponto da retomada do trabalho em condições análogas à escravidão, o que, de fato, acaba se verificando na periferia do capital e em benefício óbvio das grandes potências econômicas mundiais.

Não há muito, pois, o que se comemorar com a política do “trabalho decente”, vez que se trata de uma grande derrota histórica para a classe trabalhadora e a fragilização política da própria Organização Internacional do Trabalho, até porque, considerado este contexto, os próprios preceitos firmados em torno do “trabalho decente”, além de bastante menos ambiciosos que aqueles construídos dentro do compromisso da justiça social e da dignidade humana, são carregados de inefetividade.

São declarações desprovidas de força compromissória, não passando, pois de expressões retóricas, sem efeitos normativos ou mesmo peso político.

Vejamos, inclusive, o teor de alguns documentos firmados pela OIT a respeito, que bem demonstram a fragilidade de propósitos da agenda, sobretudo no aspecto do enfrentamento do poder econômico.

I- Trabalho decente nas Américas: uma agenda hemisférica, 2006-2015 (OIT)

A OIT assume, abertamente, que para os países periféricos a única agenda possível é a do trabalho decente, que, no fundo, não é nada além de que uma tentativa retórica de minimizar os efeitos da precarização do trabalho, a qual, inclusive, sequer é vista como um alvo a ser combatido.

Nos termos do documento em questão, estabelece-se que os “Principais desafios enfrentados na região para a geração de trabalho decente” (item 2) são:

“2.1 Assegurar que o crescimento econômico promova o trabalho decente
2.2 Assegurar a aplicação efetiva dos princípios e direitos fundamentais no trabalho
2.3 Gerar maior confiança na democracia e no diálogo social
2.4 Ampliar e fortalecer os esquemas de prevenção e de proteção social dos trabalhadores
2.5 Ampliar a inclusão social e no mercado de trabalho para reduzir a desigualdade.”

Perceba-se que a agenda deixa de lado o papel essencial do Estado e retoma a ideia de que os direitos sociais, para que sejam garantidos, dependem do “crescimento econômico”, debruçando, de forma retrógrada, sobre os direitos sociais a carga de serem normas de caráter programático.

Além disso, submete a efetividade da agenda ao “diálogo social”, de modo a pressupor uma aceitação do poder econômico.

Como dito no item 4 do documento:

“4. Agenda Hemisférica para geração de trabalho decente 4.1 Políticas gerais para a realização dos objetivos centrais da estratégia de geração de trabalho decente 4.1.1. Crescimento econômico promotor do emprego 4.1.2. Respeito efetivo aos princípios e direitos fundamentais no trabalho 4.1.3. Maior eficiência e abrangência da proteção social 4.1.4. Diálogo social efetivo.”

Esta perspectiva encontra-se expressa no item 154:

“Uma experiência recente, e particularmente importante, é o ‘diálogo com os setores produtivos’, que vem sendo implementado no México. O Presidente da República criou, em fevereiro de 2001, o Conselho para o Diálogo com os Setores Produtivos, do qual participam órgãos do setor público, organismos sindicais e patronais, assim como instituições acadêmicas e o setor agropecuário. Devido à importância e ao êxito dessa modalidade de diálogo social, as autoridades e organismos estatais, aproveitando os avanços tecnológicos e a rede de secretariado técnico em todo o país, constituíram os Conselhos Estaduais para o Diálogo, que, além de conhecer e participar da agenda nacional e das políticas de desenvolvimento, planeja sua agenda conforme as necessidades de desenvolvimento de cada uma de suas entidades. Animados pelo sucesso dessa iniciativa, os setores representados no Conselho para o Diálogo com os Setores Produtivos assinaram, em 30 de agosto de 2004, o ‘Compromisso pela Competitividade para o Emprego e a Justiça Social’, convalidando o Conselho como instância de vinculação permanente entre os diferentes atores sociais, visando a busca de consensos sobre a competitividade, a formação e capacitação profissional, a estabilidade no emprego e a justiça social, tanto no âmbito nacional como no regional e estadual. O Conselho tem como meta otimizar os recursos para proporcionar vantagens competitivas e revalorizar a dignidade da pessoa e de seu trabalho como requisito indispensável para estabelecer relações de trabalho harmônicas e sustentáveis a longo prazo.”

II- Agenda Nacional de Trabalho Decente – Brasil – 2006

Em 2003, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, firmou com a OIT, ainda na gestão de Juan Somavia, o “Memorando de Entendimento”, que previa a formação de um “Programa Especial de Cooperação Técnica para a Promoção de uma Agenda Nacional de Trabalho Decente”, mas que também dependeria da realização de “consulta às organizações de empregadores e de trabalhadores”.

Em maio de 2006, foi, então, elaborada a Agenda Nacional de Trabalho Decente, durante a XVI Reunião Regional Latino-Americana da OIT, realizada em Brasília.

A Agenda previa:

– Gerar trabalho decente, para combater a pobreza e as desigualdades Sociais
– Gerar mais e melhores empregos, com igualdade de oportunidades e de tratamento
– Erradicar o trabalho escravo e eliminar o trabalho infantil, em especial em suas piores formas
– Fortalecer os atores tripartites e o diálogo social como um instrumento de governabilidade democrática.

III- Declaração e o Plano de Ação de Mar del Plata – 2005

No âmbito da Cúpula das Américas, 34 países, por intermédio de seus chefes de Estado e de governo, de todo o hemisfério americano assinaram o documento em questão, pelo qual reafirmam:

“(…) nosso compromisso de combater a pobreza, a desigualdade, a fome e a exclusão social para melhorar as condições de vida de nossos povos e fortalecer a governabilidade democrática nas Américas. Conferimos ao direito ao trabalho, tal como está estipulado nos instrumentos de direitos humanos, um lugar central na agenda hemisférica, reconhecendo assim o papel essencial da criação de trabalho decente para a realização desses objetivos.” (Parágrafo 1º da Declaração de Mar del Plata)

A Declaração reconhece ainda:

“(…) o valor do trabalho como atividade que estrutura e dignifica a vida de nossos povos, como um instrumento eficaz de interação social e um meio para a participação nas realizações da sociedade, objetivo primordial de nossa ação governamental para as Américas” (Parágrafo 76).

Nesta Declaração, os países comprometem-se a:

“(…) implementar políticas ativas que gerem trabalho decente e criem condições de emprego de qualidade, que dotem as políticas econômicas e a globalização de um forte conteúdo ético e humano, que coloquem a pessoa no centro do trabalho, da empresa e da economia. Promoveremos o trabalho decente, ou seja, os direitos fundamentais no trabalho, o emprego, a proteção social e o diálogo social.” (Parágrafo 21)

E solicitam à OIT que trate:

“(…) em sua Décima Sexta Reunião Regional a realizar-se em 2006, o que foi o tema central da XIV CIMT: ‘As pessoas e seu trabalho no centro da globalização’, com ênfase particular no trabalho decente, e considere ações governamentais e tripartites para fazer cumprir a Declaração e o Plano de Ação de Mar del Plata.” (Parágrafo 73)

O documento prevê atuações para gerar mais e melhores empregos, com igualdade de oportunidades e de tratamento, apontando como “resultados esperados”:

a) Política Nacional de Emprego elaborada e implementada em um processo de diálogo com os interlocutores sociais.
b) Metas de criação de emprego produtivo e de qualidade incorporadas nas estratégias nacionais de desenvolvimento econômico e social (incluídas as estratégias de redução da pobreza e da desigualdade social) e nas políticas setoriais (industrial, agrícola, agrária, de promoção do turismo e de promoção da economia criativa).

Para se alcançar esses objetivos o documento considera importante;

• Fomento do investimento público e privado em projetos e setores produtivos com maior capacidade de geração de emprego;
• Promoção do desenvolvimento local, das redes ou cadeias produtivas e dos arranjos produtivos locais, com foco no fortalecimento das micros e pequenas empresas e de programas de economia solidária e cooperativas.
• Ampliação do acesso das micros e pequenas empresas, das cooperativas e dos empreendimentos da economia solidária e da agricultura familiar ao crédito e demais recursos produtivos. Políticas Públicas de Emprego, Administração e Inspeção do Trabalho
• Fortalecimento do sistema público de emprego, trabalho e renda, como agente de integração das políticas ativas e passivas de mercado de trabalho (seguro-desemprego, orientação profissional, intermediação de mão-de-obra, qualificação e certificação profissional, produção e gestão de informação sobre o mercado de trabalho e fomento ao empreendedorismo).
• Fortalecimento de políticas e programas de promoção do emprego de jovens, em consonância com as recomendações da Rede de Emprego de Jovens (Youth Employment Network – YEN), bem como com a Resolução adotada pela Conferência Internacional do Trabalho sobre Emprego de Jovens (junho de 2005).
• Fortalecimento da inspeção e da administração do trabalho. Políticas de Salário e Renda • Recuperação e valorização do salário-mínimo como instrumento de política salarial e de melhoria da distribuição de renda.
• Aperfeiçoamento dos programas de transferência de renda condicionada e sua articulação com as políticas de geração de emprego, trabalho e renda e de desenvolvimento econômico local.

No aspecto da Promoção da Igualdade de Oportunidades e de Tratamento e Combate à Discriminação, o documento prevê:

• Desenvolvimento de ações de promoção da igualdade de gênero e raça no mercado de trabalho, focalizadas especialmente nos seguintes aspectos: – eliminação das barreiras de entrada das mulheres, especialmente das mais pobres, no mercado de trabalho; – diminuição das taxas de desemprego e aumento das taxas de ocupação; – diminuição das desigualdades de rendimento entre homens e mulheres, brancos(as) e negros(as); – diminuição da informalidade e aumento da proteção social.
• Implementação de programas e ações de combate à discriminação no trabalho, com atenção especial para mulheres, população negra, jovens, idosos, pessoas vivendo com HIV/Aids e pessoas com deficiência. Efetiva aplicação das seguintes convenções da OIT: Convenção nº 100, de 1951, sobre igualdade de remuneração para trabalho de igual valor; Convenção nº 103, de 1952, sobre proteção à maternidade; Convenção nº 111, de 1958, sobre discriminação em matéria de emprego e ocupação; promoção da ratificação da Convenção nº 156, de 1981, sobre trabalhadores com responsabilidades familiares.
Almeja-se, ainda, um planejamento em torno da Extensão da Proteção Social. A respeito o que se vislumbrou foi:
• Desenvolvimento de mecanismos de extensão progressiva da proteção social para os trabalhadores e trabalhadoras da economia informal.
• Melhoria das condições de trabalho, renda e proteção social de trabalhadoras e trabalhadores domésticos, assegurando-lhes todos os direitos trabalhistas previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
• Melhoria das condições de trabalho dos trabalhadores migrantes.
• Promoção da ratificação da Convenção da OIT nº 102, de 1952, sobre seguridade social (normas mínimas).
No aspecto pertinente às condições de trabalho propriamente ditas, o planejamento foi no sentido da:
• Implementação de uma Política Nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador, em consonância com as normas internacionais do trabalho sobre a matéria.
• Identificação de mecanismos e desenvolvimento de ações voltadas à garantia de um ambiente de trabalho seguro e saudável.

IV- Plano Nacional de Emprego e Trabalho Decente – 2010

Em 2010, foi elaborado o Plano Nacional de Emprego e Trabalho Decente, visto como “uma referência fundamental para a continuidade de debate sobre os desafios de fazer avançar as políticas públicas de emprego e proteção social”.

O seu objetivo seria o do “fortalecimento da capacidade do Estado brasileiro para avançar no enfrentamento dos principais problemas estruturais da sociedade e do mercado de trabalho, entre os quais se destacam: a pobreza e a desigualdade social; o desemprego e a informalidade; a extensão da cobertura da proteção social; a parcela de trabalhadores e trabalhadoras sujeitos a baixos níveis de rendimentos e produtividade; os elevados índices de rotatividade no emprego; as desigualdades de gênero e raça/etnia; as condições de segurança e saúde nos locais de trabalho, sobretudo na zona rural”.

V- Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável no Brasil – ONU – 2015

Em setembro de 2015, durante a Cúpula das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, adotou-se uma agenda mundial, composta por 17 objetivos e 169 metas, que deveriam ser atingidos até 2030.

A agenda representava um “apelo global à ação para acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima e garantir que as pessoas, em todos os lugares, possam desfrutar de paz e de prosperidade”.

Para o Brasil, destaca-se o objetivo 8, cujos itens buscam “promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todas e todos”.

Mas vale perceber que a preocupação principal é a da manutenção da produtividade, inclusive com suporte do Estado, para atender os interesses das empresas multinacionais em atuação exploratória no país.

Vejamos, pois, o que se consignou nos itens respectivos:

8.1 Sustentar o crescimento econômico per capita de acordo com as circunstâncias nacionais e, em particular, um crescimento anual de pelo menos 7% do produto interno bruto [PIB] nos países menos desenvolvidos
8.2 Atingir níveis mais elevados de produtividade das economias por meio da diversificação, modernização tecnológica e inovação, inclusive por meio de um foco em setores de alto valor agregado e dos setores intensivos em mão de obra
8.3 Promover políticas orientadas para o desenvolvimento que apoiem as atividades produtivas, geração de emprego decente, empreendedorismo, criatividade e inovação, e incentivar a formalização e o crescimento das micro, pequenas e médias empresas, inclusive por meio do acesso a serviços financeiros
8.4 Melhorar progressivamente, até 2030, a eficiência dos recursos globais no consumo e na produção, e empenhar-se para dissociar o crescimento econômico da degradação ambiental, de acordo com o Plano Decenal de Programas sobre Produção e Consumo Sustentáveis, com os países desenvolvidos assumindo a liderança
8.5 Até 2030, alcançar o emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todas as mulheres e homens, inclusive para os jovens e as pessoas com deficiência, e remuneração igual para trabalho de igual valor
8.6 Até 2020, reduzir substancialmente a proporção de jovens sem emprego, educação ou formação
8.7 Tomar medidas imediatas e eficazes para erradicar o trabalho forçado, acabar com a escravidão moderna e o tráfico de pessoas, e assegurar a proibição e eliminação das piores formas de trabalho infantil, incluindo recrutamento e utilização de crianças-soldado, e até 2025 acabar com o trabalho infantil em todas as suas formas
8.8 Proteger os direitos trabalhistas e promover ambientes de trabalho seguros e protegidos para todos os trabalhadores, incluindo os trabalhadores migrantes, em particular as mulheres migrantes, e pessoas em empregos precários
8.9 Até 2030, elaborar e implementar políticas para promover o turismo sustentável, que gera empregos e promove a cultura e os produtos locais
8.10 Fortalecer a capacidade das instituições financeiras nacionais para incentivar a expansão do acesso aos serviços bancários, de seguros e financeiros para todos
8.a Aumentar o apoio da Iniciativa de Ajuda para o Comércio [Aid for Trade] para os países em desenvolvimento, particularmente os países menos desenvolvidos, inclusive por meio do Quadro Integrado Reforçado para a Assistência Técnica Relacionada com o Comércio para os países menos desenvolvidos
8.b Até 2020, desenvolver e operacionalizar uma estratégia global para o emprego dos jovens e implementar o Pacto Mundial para o Emprego da Organização Internacional do Trabalho [OIT].”

Não há dúvida, pois, que nada se vislumbrou em torno da ampliação de direitos e da proteção e ascensão social da classe trabalhadora.

VI- Conclusão

Todos esses documentos comprovam que o conceito de trabalho decente integra uma agenda para difusão da concepção de que a única projeção que resta à classe trabalhadora na sociedade capitalista, notadamente nos países periféricos e dependentes, é do contentamento (que se apresenta como uma vitória) com uma exploração que não se identifique como trabalho forçado ou trabalho escravizado.

Além disso, mesmo os compromissos adotados para que não se chegue a este patamar não são minimante sérios, tanto que, no Brasil, o que se tem como resultado de todos esses compromissos assumidos foi, em 2017, a aprovação da “reforma” trabalhista, que vai na direção contrária de tudo que se preconizou nos documentos em questão.

A lógica da “reforma” não foi a da ampliação de direitos e da melhoria das condições de trabalho e da expansão da proteção social, como anunciado nos programas. O raciocínio que conduziu a “reforma” e que, sem contestação, tem imperado na realidade jurídica nacional, foi o de que quem tem direitos é “privilegiado” e que são estes “privilegiados”, sobretudo quando defendem os seus direitos e projetam ampliações, os culpados pela condição de condição de miserabilidade e de estado de necessidade de tantas outras pessoas.

A solução buscada, então, foi a de rebaixar direitos de quem tinha direitos, para que outros, sem direitos, seguindo uma linha já rebaixada do padrão de proteção social, pudessem ser integrados ao processo produtivo. Uma espécie fajuta de distribuição de “riqueza” no seio da própria classe trabalhadora, para a qual a classe capitalista não foi chamada e se manteve apenas como beneficiária do aumento da força de trabalho e com custo ainda mais reduzido.

Isto não é uma avaliação pessoal. Foi o que se consignou, expressamente, na justificativa do relator do projeto de lei da “reforma”:

“Assim, convivemos com dois tipos de trabalhadores: os que têm tudo – emprego, salário, direitos trabalhistas e previdenciários – e os que nada têm – os informais e os desempregados. A reforma, portanto, tem que almejar igualmente a dignidade daquele que não tem acesso aos direitos trabalhistas. E essa constatação apenas reforça a nossa convicção de que é necessária uma modificação da legislação trabalhista para que haja a ampliação do mercado de trabalho, ou seja, as modificações que forem aprovadas deverão ter por objetivo não apenas garantir melhores condições de trabalho para quem ocupa um emprego hoje, mas criar oportunidades para os que estão fora do mercado.” (“COMISSÃO ESPECIAL DESTINADA A PROFERIR PARECER AO PROJETO DE LEI Nº 6.787, DE 2016, DO PODER EXECUTIVO, QUE “ALTERA O DECRETO-LEI Nº 5.452, DE 1º DE MAIO DE 1943 – CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO, E A LEI Nº 6.019, DE 3 DE JANEIRO DE 1974, PARA DISPOR SOBRE ELEIÇÕES DE REPRESENTANTES DOS TRABALHADORES NO LOCAL DE TRABALHO E SOBRE TRABALHO TEMPORÁRIO, E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS”)

Concretamente, os efeitos de todos esses “compromissos” firmados em torno da agenda do “trabalho decente” são: o aumento das horas extras; o aumento da informalidade; a redução da renda da classe trabalhadora; a diminuição da sindicalização; a proeminência de obstáculos de acesso á justiça; a proliferação da terceirização e de outras formas precárias de contratação; o aumento dos acidentes e do sofrimento nas relação de emprego; a explosão de casos de assédio moral e sexual; o aumento da prepotência e da delinquência patronal etc.

Este é o resultado efetivo da falseada agenda do trabalho decente, que não merece, por isso, nenhum tipo de afago. Urge, pois, lutar contra ela e contra as demais formas que têm servido para conferir ao capital um certo ar de “humanismo” e “altruísmo”, enquanto os capitalistas, sobretudo as grandes empresas atuando nos países de capitalismo dependente, aumentam suas taxas de lucro à custa de uma precarização do trabalho legitimada pelo discurso e pelas práticas fugidias do “trabalho decente”.

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