A austeridade é uma escolha cruel e desnecessária

Fonte da imagem: BBC | Reuters

Por Jeremy Corbyn | Esquerda.net
Data original de publicação: 21/09/2024

Todos os dias, os meus eleitores fazem escolhas difíceis. Escolhas difíceis como decidir se querem aquecer as suas casas ou pôr comida na mesa. Escolhas difíceis como contrair um empréstimo para pagar a renda deste mês. Escolhas difíceis como vender a sua casa para pagar a assistência social da sua família.

As pessoas estão a fazer escolhas difíceis porque os governos fizeram as escolhas erradas. Avisámos que a austeridade dos Conservadores iria enfraquecer a nossa economia e dizimar os nossos serviços públicos. Fomos ignorados e os mais pobres da sociedade pagaram o preço. A austeridade não é apenas um chavão. É a realidade atual e brutal para milhões de pessoas que foram empurradas para a miséria. É o rosto do desespero e da ansiedade dos que foram forçados a entrar numa espiral de dívidas. É uma noite de frio intenso para o número recorde de pessoas que dormem na rua. É o cemitério dos que ficaram sem apoio vital: mais de trezentas mil mortes em excesso foram atribuídas às políticas de austeridade.

Falamos frequentemente de austeridade em termos de cortes na despesa pública, mas isso é apenas uma das faces da moeda. Ao privar os serviços públicos de recursos, o Governo fabricou uma desculpa conveniente para a sua privatização. Vimos isso de forma mais aguda com o Serviço Nacional de Saúde (NHS): um serviço público subfinanciado não faz apenas cair a taxa de satisfação, mas a própria crença no princípio dos cuidados de saúde públicos. A austeridade nunca teve a ver com poupar dinheiro (a dívida do Reino Unido aumentou todos os anos durante o governo dos Conservadores). Tratava-se de transferir dinheiro dos mais pobres para os mais ricos. Entre 2010 e 2018, a riqueza agregada no Reino Unido cresceu 5,68 mil milhões de libras. Noventa e quatro por cento foram para os 50% mais ricos das famílias; 6% foram para os 50% mais pobres. Enquanto a pobreza infantil se encaminhava para os seus níveis mais elevados desde 2007, os bilionários britânicos mais do que duplicaram a sua riqueza.

Foi uma decisão política desinvestir, desmantelar e vender em leilão os nossos serviços públicos. E será uma decisão política repetir esta experiência económica falhada. “Vai ser doloroso”, disse o primeiro-ministro Keir Starmer à nação, na semana passada, preparando o público para as ‘escolhas difíceis’ que se avizinham. Terá ele obtido autorização dos Conservadores para reutilizar os seus slogans com marca registada? Outros ministros foram mais longe, indicando que não têm outra alternativa senão empobrecer as crianças e os reformados. Manter as crianças na pobreza é inevitável, aparentemente, se quisermos restaurar as finanças públicas. A supressão do subsídio de combustível para o inverno é uma necessidade, disseram-nos descaradamente, se quisermos impedir uma derrocada da libra.

É espantoso ouvir os ministros do governo tentarem tapar os olhos às pessoas. O Governo sabe que tem uma série de opções à sua disposição. Podia introduzir impostos sobre a riqueza para angariar mais de 10 mil milhões de libras. Podia deixar de desperdiçar dinheiro público em contratos privados. Podia lançar uma redistribuição fundamental da energia, tornando a água e a eletricidade inteiramente propriedade pública. Em vez disso, optou por retirar recursos às pessoas a quem foi prometido que as coisas iriam mudar. Há muito dinheiro, só que está nas mãos erradas – e não nos deixaremos enganar pelas tentativas dos ministros de fingir arrependimento por decisões cruéis que sabem que não têm de tomar.

Até porque, para alguns ministros, não há necessidade de lamentar nada. Não, a supressão do subsídio de combustível de inverno é alegadamente a opção progressista, uma vez que retira o apoio a quem não precisa dele para direcionar a ajuda para quem mais precisa. A realidade é bem diferente. A condição de recursos não garante que o apoio vá para onde é mais necessário. Apenas 63% dos pensionistas que reúnem as condições para receber o Crédito de Pensão o solicitam. Se esta for a porta de entrada para os pagamentos de combustível de inverno, quase um milhão de pensionistas mais pobres ficarão de fora. O Institute for Fiscal Studies calculou que custaria ao governo mais de £2 mil milhões para garantir uma taxa de adesão de 100%, mais do que os £1,4 mil milhões que o governo pouparia ao fazer este corte.

Para além disso, há um preço muito mais elevado a pagar. É a destruição de um princípio fundamental: o universalismo. Um sistema universal de proteção social reduz o estigma associado àqueles que dele dependem e elimina as barreiras para aqueles que têm dificuldade em candidatar-se (ambas são razões pelas quais a aceitação dos pagamentos sujeitos a condição de recursos é tão baixa). O que é que se segue para a condição de recursos? A pensão do Estado? O NHS?

Se o governo realmente se preocupasse com a desigualdade de riqueza, não atacaria o princípio do universalismo. Aumentaria os impostos sobre os mais ricos da nossa sociedade. Desta forma, garantimos que todos têm o apoio de que necessitam e que aqueles com mais recursos pagam a sua quota-parte.

A política é uma questão de escolhas. O Partido Trabalhista foi criado para aliviar as condições dos mais desfavorecidos; aqueles que optam por empurrar crianças e pensionistas para a pobreza devem perguntar-se a si próprios: Foi para isso que os meus eleitores me elegeram? Orgulho-me de trabalhar ao lado de outros deputados no Parlamento que foram eleitos para defender um mundo mais igualitário. Acreditamos que a austeridade é a escolha errada – e a nossa porta está sempre aberta para aqueles que querem escolher de forma diferente.

O princípio do universalismo é o princípio de uma sociedade que cuida de todos. Este é um princípio pelo qual vale a pena lutar.


Jeremy Corbyn é deputado independente na Câmara dos Comuns e ex-líder dos Trabalhistas britânicos. Artigo publicado em Jacobin a 15 setembro 2024. Traduzido por Luís Branco para o Esquerda.net.

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