Trabalho infantil perpetua ciclo de pobreza para crianças negras, dizem pesquisadores

Desde o início da série, em 2016, crianças e adolescentes pretos ou pardos representam mais de dois terços dos jovens no trabalho infantil

Foto: Reprodução

Por LAURA INTRIERI

Negros são maioria, ganham menos e ocupam as posições mais perigosas no trabalho infantil, apesar da redução do percentual de jovens sob esse tipo de condição no Brasil.

Pretos e pardos, que são 59,3% da população de 5 a 17 anos, correspondem a 65,2% do 1,6 milhão de trabalhadores infantis na mesma faixa etária, mostram dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgados na sexta-feira (18). Eles também são maioria (67,5%) entre os identificados em atividades consideradas perigosas pela Lista TIP, que reúne os piores e mais perigosos postos de trabalho.

Os resultados ainda são desanimadores sob essa perspectiva, mesmo após melhora em comparação com a série histórica, de acordo com especialistas ouvidos pela reportagem.

Desde o início da série, em 2016, crianças e adolescentes pretos ou pardos representam mais de dois terços dos jovens no trabalho infantil. O menor valor é o de 2018, quando a proporção atingiu 64,9%. O IBGE interrompeu a coleta dessas estatísticas em 2020 e 2021 devido à pandemia.

A prevalência mostra padrão contínuo de exploração a minorias raciais, de acordo com Michelly Antunes, líder de Programas e Projetos Sociais na Fundação Abrinq.

“Ao submeter crianças negras a condições de exploração severas, com menores salários e mais riscos, o mercado de trabalho perpetua um ciclo de exclusão que compromete o desenvolvimento dessas populações, limitando suas oportunidades de ascensão social”, diz.

Para pretos ou pardos no trabalho infantil, o rendimento médio em 2023 era de R$ 707, 81% do que recebiam os jovens brancos na mesma situação. Na faixa etária de 5 a 13 anos, o valor cai para 69%.

Para Antunes, além da diferença salarial, a divisão racial do trabalho reserva aos pretos e pardos, delegados às atividades mais prejudiciais, menores chances de desenvolvimento, “com menos proteção e menores perspectivas”.

Mulheres também são as mais afetadas pelo trabalho infantil. O rendimento médio dos trabalhadores infantis do sexo masculino era de R$ 815, enquanto as do sexo feminino recebiam R$ 695. Além disso, 56,9% das meninas de 5 a 17 anos desempenham trabalho doméstico, frente a 48,5% dos meninos.

“Vemos essas meninas futuramente como mulheres negras em posições de maior precarização no mundo do trabalho. Isso repercute na renda familiar futura, o que pode levar à reprodução do ciclo de trabalho infantil aos filhos dessas mulheres”, diz Daniel Bento Teixeira, diretor-executivo do Ceert (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades).

Um em cada cinco crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil trabalhavam 40 horas ou mais por semana, e o IBGE ressalta impactos na educação. Enquanto 97,5% da população de 5 a 17 anos de idade eram estudantes, a taxa cai para 88,4% entre os trabalhadores infantis.

Estudos também mostram aumento de violência na vida de pessoas que saem da escola, o que potencializa exposições já sofridas pela população negra, de acordo com Teixeira.

“Já temos um cenário de mortes violentas que movimentos sociais chamam de genocídio da juventude negra. A evasão escolar aumenta essa exposição, que vai levar ao encarceramento em massa, aos homicídios.”

A maior exposição ao trabalho infantil é um dos primeiros “pedágios” pagos por negros no desenvolvimento econômico e social ao longo vida, segundo Michael França, pesquisador do Insper e colunista da Folha.

“Devido a essas barreiras e custos, muitos ficam pelo caminho. Um indivíduo negro, sabendo que será discriminado no mercado de trabalho mesmo tendo o mesmo nível de educação que uma pessoa branca, pode questionar se vale a pena estudar”, diz.

O pesquisador destaca que, embora a taxa de fecundidade no Brasil esteja em declínio geral, o impacto da gravidez na adolescência é mais prevalente em áreas de baixa renda, onde causa efeito cascata: compromete a educação dos jovens pais, reduz a renda familiar e, consequentemente, aumenta a probabilidade de trabalho infantil.

A perpetuação do ciclo é alimentada pela falta de acesso à informação sobre saúde reprodutiva e métodos contraceptivos nas comunidades mais pobres, segundo França.

“Um filho na adolescência causa uma evasão escolar da mulher muito acentuada, muitas vezes causa evasão escolar do pai também, quando ele assume a criança. Você tem ali uma família de renda muito baixa que às vezes vai ter o segundo e o terceiro filho logo em seguida, e os filhos, consequentemente, muitas vezes têm que começar a trabalhar cedo para ajudar no orçamento familiar.”

O percentual de crianças de 5 a 17 anos em situação de trabalho infantil recuou de 4,9% para 4,2% em 2023. O valor é o menor desde o início da série, em 2016, quando registrou 5,2%. Até então, o patamar mais baixo era de 4,5%, atingido em 2019.

A queda da proporção geral de crianças sob a condição se deve a melhorias econômicas e ações como o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), segundo Laura Müller Machado, professora do Insper e ex-secretária de Desenvolvimento Social do Estado de São Paulo.

As medidas de controle e mitigação ao trabalho infantil, entretanto, ainda carecem de fortalecimento, de acordo com a pesquisadora.

“Os dados ainda surpreendem porque não conseguimos até agora zerar essa violação tão grave de direitos”, diz.

Fonte: Jornal de Brasília

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