Mulheres, nordestinos e população de baixa escolaridade são a cara do desalento do Brasil
No ano passado, 4,7 milhões de pessoas desistiram de procurar emprego no país.
Por Luiz Guilherme Gerbelli e Pedro Alves
Os desalentados – aqueles que desistiram de procurar emprego – já estão em todos os estratos da sociedade brasileira. Mas uma análise detalhada dos números mostra que um grupo de pessoas tem sido mais afetado pela crise do mercado de trabalho. Se o perfil desse contingente pudesse ser traçado, ele seria o de uma mulher nordestina de baixa escolaridade.
O perfil do desalentado foi traçado pela consultoria Plano CDE, com base nos últimos dados divulgados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) contínua. No ano passado, a quantidade de pessoas que desistiu de procurar emprego chegou a 4,7 milhões – o equivalente à população da Costa Rica.
Existem várias causas que podem levar um trabalhador para o quadro de desalento. Esse fenômeno pode ocorrer porque a pessoa desiste de procurar emprego por falta de oportunidade ou pelo fato de não se sentir estimulada a entrar no mercado em períodos de crise. Também há fatores não ligados diretamente ao desempenho da atividade econômica: muitas mulheres deixam de buscar trabalho quando não há vagas em creches ou escolas para os filhos.
Não à toa, do total de desalentados do país, 54,31% são do sexo feminino, enquanto os homens respondem por 45,69%. “Na maioria dos casos, a mulher acaba ficando presa às atividades domésticas”, diz o diretor-executivo da consultoria Plano CDE, Maurício Prado.
Há seis anos morando em São Paulo, Maria do Carmo, de 29 anos, tem quatro filhos – três estão na escola, mas a menina de cinco anos ainda não. Natural de Sergipe, ela deve tentar uma vaga na rede pública em abril. Até lá, desistiu de buscar emprego para cuidar da filha. “Só consigo sobreviver porque recebo Bolsa Família e pela ajuda de outras pessoas. Dá para fazer pouca coisa (com o dinheiro), mas já é alguma coisa”, diz Maria, moradora de Paraisópolis, zona sul da capital paulista.
Sem perspectiva no curto prazo, Maria diz que espera voltar a limpar casas de famílias. Foi esse o primeiro emprego dela em São Paulo. “Quando trabalhava em casa de famílias, conseguia ganhar até um salário mínimo.”
No recorte por anos de estudo, o desalento está concentrado entre aqueles os trabalhadores com ensino fundamental incompleto. Esse grupo de brasileiros é responsável por 40,6% do total de desalentados no país. As menores taxas são observadas na população que, pelo menos, chegou ao ensino superior. “O desalento alto é problemático em vários sentidos”, afirma o diretor da FGV Social, Marcelo Neri, responsável pelo estudo. “A pobreza, por exemplo, é duplamente afetada pelo quadro desalento”, diz.
Nordeste é o mais afetado
Os números detalhados do perfil de quem não trabalha ou procura emprego deixam evidente como, além de grupos específicos, algumas regiões do país são mais afetadas do que as outras. O Nordeste, por exemplo, é responsável por 60% do desalento brasileiro, embora nem 30% da população brasileira more na região.
“O Nordeste é uma região com menos oportunidades. Basicamente em algumas áreas não há perspectiva de ter um emprego” diz Prado, da Plano CDE.
Moradora de Ibura, zona sul do Recife, Fernanda Rocha da Costa, de 25 anos, decidiu trocar a busca por um emprego pelos estudos depois de ver a sua carreira frustada. Bacharela em história, ela nunca conseguiu atuar em sua área de formação, por causa da falta de oportunidades. Com a demissão, em 2017, decidiu mudar radicalmente seus planos de carreira.
“Comecei a trabalhar cedo, numa empresa de fardamentos, e parei para fazer a faculdade. Cheguei a fazer pesquisa na universidade e, quando concluí, fui parar numa empresa de telemarketing, de onde fui demitida”, afirma Fernanda. “Tentei muito voltar ao mercado, mas como não apareceram oportunidades, um ano depois, conversei com meus pais e eles apoiaram minha decisão de estudar para fazer um concurso público.”
Iniciando a carreira no mercado de trabalho, o desemprego foi mais rápido que a possibilidade de Fernanda de criar recursos para se sustentar no período em que passa se dedicando apenas aos estudos.
“Era tudo muito frustrante, porque eu me cadastrava em sites, ia a entrevistas, mas nada aparecia. O campo de trabalho para uma bacharela em história é basicamente pesquisa e isso era ainda mais complicado. Em maio de 2018 conversei com meus pais e eles toparam me ajudar. Não sei até quando vou ficar assim, vai depender muito do andar das coisas. Seja financeiramente, em casa, ou mesmo da situação do país”, diz.
Um estudo conduzido pelo Banco Mundial no ano passado com jovens pernambucanos identificou três razões que ajudam a explicar porque o desalento é tão alto no Nordeste. Pelo levantamento, as pessoas deixam de procurar emprego por falta de aspiração, inabilidade de transformar a vontade de voltar ao mercado de trabalho em ações práticas, e dificuldade para lidar com barreiras externas, como falta de transporte público seguro para se locomover.
“O desalento é um capital humano que não está sendo utilizado. É um experiência e escolaridade que podem ser empregados no mercado, mas ficam de foram, sendo passiveis de depreciação”, afirma o professor do Insper e especialista em mercado de trabalho, Sergio Firpo.
Em busca de estabilidade
A história de Jonas é marcada em diversas frentes pela frustração com o trabalho. Sua mãe desenvolveu um quadro de Alzheimer, agravado por uma depressão por não conseguir mais emprego depois de ser demitida. Segundo ele, o controle financeiro que ele teve durante toda a vida o permitiu pedir a própria demissão.
“Trabalho há mais de 20 anos e de carteira assinada devo ter uns seis. Com a possível reforma da previdência, o trabalho privado nunca me permitiria ter qualidade de vida. Ou eu estudava ou trabalhava, e ninguém sabe o dia de amanhã. Hoje, me sustento com o que guardei durante esse tempo trabalhando. Não tenho cartão de crédito e só gasto as contas de luz, água e um preparatório para concursos”, diz.
Jonas decidiu deixar o emprego em 2017 e passou um ano tentando voltar ao trabalho. Ele chegou a distribuir currículos e a ser entrevistado por algumas empresas. “Não era possível conciliar nenhum emprego com meus estudos, porque eu queria algo no horário comercial, das 7h às 17h, por exemplo. Meu plano é fazer concursos de tribunais, para que, no futuro, eu tenha estabilidade”, diz.
Fonte: G1
Por Luiz Guilherme Gerbelli e Pedro Alves
Data original de publicação: 19-02-2019