Efeitos sociais da suspensão de contratos de trabalho ou redução de salários

Imagem: Pixabay

Por Marcelo Loural|ABET

No dia 22 de março de 2020 foi editada pela Presidência da República a Medida Provisória número 927 (MP 927) que “dispõe sobre as medidas trabalhistas para o enfrentamento do estado de calamidade pública” em virtude da pandemia de covid-19. Considerada a gravidade da situação e seus desdobramentos, é esperada a ação significativa do Estado.

No entanto, a MP 927 vai na direção contrária do que deve ser a atuação estatal neste momento, bem como das medidas adotadas em outros países. A MP em questão permite às empresas a adoção do seguinte grupo de medidas: o teletrabalho;a antecipação de férias individuais;a concessão de férias coletivas;o aproveitamento e a antecipação de feriados;o banco de horas;a suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho;o diferimento do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS; e o direcionamento do trabalhador para qualificação, ponto central desta MP e de sua crítica.

Neste momento de pandemia, espera-se a atuação do Estado em duas frentes:

  1. Enfrentamento da contaminação, para minimizar o número de pessoas infectadas de modo que o sistema de saúde do país consiga tratar adequadamente aqueles que contraírem o vírus.
  2. Medidas para garantir emprego e renda, para que não se tenha um caos social para além das questões de saúde.

A MP 927 atua na segunda frente, em tese como garantia de manutenção do emprego. Para tanto, flexibiliza as relações de trabalho para que as empresas possam manter seu quadro de empregados em um cenário de quarentena. Dentre as medidas de flexibilização permitidas estava o direcionamento do trabalhador para qualificação, que permitiria à empresa suspender o pagamento dos salários do empregado por até quatro meses desde que fornecesse a ele algum curso de qualificação que pudesse ser feito em casa. Tal medida foi severamente criticada e, no dia 23 de março, anunciada sua revogação pela Presidência da República (a MP seria mantida, sem o artigo que versava sobre o direcionamento do trabalhador para qualificação).

Mesmo com a revogação desta medida, é importante destacar que esta, assim como qualquer outra de mesma natureza, seria ineficaz e levaria a uma situação social extremamente delicada. Teríamos os seguintes efeitos:

  1. O mais evidente, dificuldade de satisfação de necessidades básicas de boa parte dos trabalhadores. Considerando que muitas famílias são sustentadas com até dois salários mínimos, poucas teriam poupança suficiente para suportar um mês sem renda, quanto mais quatro meses. A MP originalmente previa ser possível o pagamento de uma quantia por parte do empregador, a ser negociada com o empregado. Contudo, considerando o elevado desemprego e a fragilização das negociações coletivas pós-Reforma Trabalhista, não se deve esperar algo minimamente positivo para os trabalhadores.
  2. Mesmo para as empresas, a redução da massa salarial não é a saída de uma inevitável recessão econômica. Quando as atividades forem retomadas, trabalhadores que tiveram seus salários suspensos ou reduzidos terão, muito provavelmente, um montante significativo de dívidas que precisarão ser quitadas. Assim, a retomada do consumo deverá tardar a chegar, mesmo com o controle da pandemia.
  3. Medidas de suspensão ou redução de salário com queda também da jornada impossibilita a reconversão industrial, que seria a utilização de plantas produtivas existentes para produção de ventiladores mecânicos e outros equipamentos médicos, defendida pela economista Mônica de Bolle. A reconversão industrial já vem sendo adotada na Europa e nos Estados Unidos e permite a manutenção de empregos industriais.

Com a revogação da suspensão dos salários, é provável que seja proposta outra medida de natureza semelhante, como a redução da jornada e de salários em 50%. Apesar da menor intensidade dos impactos, estes continuariam presentes.

Os demais pontos da MP 927, como alterações nas férias individuais, antecipação de feriados, entre outros, embora em menor medida, mexem com direitos do trabalhador e tampouco devem resultar em impactos menores da crise sanitária.

O que deveria fazer, então, o Estado para mitigar a crise social? É indispensável um programa de renda mínima, que abranja os trabalhadores informais, que não dispõe de qualquer tipo de proteção legal. Além disso, em alguns países, como Portugal e Reino Unido, o Estado assumiu parte dos salários dos trabalhadores formais, mantendo o emprego e a renda destes e desonerando, em parte, as empresas. Por fim, a já citada reconversão industrial, com os devidos cuidados com a saúde dos trabalhadores,poderia manter certa atividade e empregos industriais ao mesmo tempo que atua na produção de equipamentos médicos usados no tratamento dos pacientes.

Cabe destacar que o principal a se discutir neste momento não é a realocação de recursos fiscais para financiar tais programas, e sim expansão de meios de pagamento com a emissão de novas dívidas. A dívida pública aumentará, mas é algo necessário em uma situação emergencial como esta.

Fonte: ABET

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