Supressão de direitos: um grave crime contra os(as) trabalhadores(as) do Brasil

Imagem: Equipe ABET

Por ABET e REMIR

Nós, integrantes da Associação Brasileira de Estudos do Trabalho (ABET) e da Rede de Estudos e Monitoramento Interdisciplinar da Reforma Trabalhista (REMIR), entidades que congregam professores e pesquisadores do trabalho, economistas, sociólogos, cientistas sociais, cientistas políticos, juristas, entre outros, além de representantes de instituições públicas do trabalho, como o MPT, recebemos com indignação a nova iniciativa do Governo Federal (Medida Provisória 927/2020) pelo seu caráter profundamente antissocial. Mesmo com eventuais recuos, como a retirada do artigo 18, que suspendia os contratos sem a exigência de nenhuma contrapartida financeira para os(as) trabalhadores(as) ou forma de compensação por parte do poder público (como seguro desemprego ou renda básica), a MP deixa os trabalhadores ainda mais desprotegidos perante a pandemia causada pela Covid-19 que, no caso do Brasil, incide sobre um contexto de crise econômica e política prolongadas. A MP demonstra que o governo está indo na contramão do que é necessário para enfrentar o momento dramático que estamos vivendo. O que vemos mundo afora, a partir da experiência de governos de variados matizes políticos, inclusive aqueles de corte liberal, é um esforço concertado para primeiro preservar as pessoas, o que inclui uma garantia mínima de renda e bem estar, para que a crise sanitária não produza uma crise humanitária de amplas proporções.

A MP 927/2020 acentua a lógica das últimas mudanças na regulação do trabalho verificadas no Brasil, retirando direitos e diminuindo a proteção social sob o argumento de que, assegurando maior liberdade aos empregadores, estes poderiam salvar empregos. Essa tese, que não apresentou resultados empíricos nem em períodos de normalidade econômica, não o fará em um momento de crise que, devido a suas múltiplas dimensões, pode ser maior do que a de 1929. Embora a natureza daquela crise seja diferente da atual, a experiência de 1929 nos traz várias lições. A superação da crise de 1929 somente foi possível a partir da forte intervenção do Estado, criando as condições para que os cidadãos pudessem obter renda. O New Deal americano, por exemplo, inclusive estimulou os sindicatos e as negociações coletivas como forma de garantir renda e de retomar a atividade econômica.

Em comparação com outros países, as medidas brasileiras são tímidas e insuficientes. Em vez da injeção de recursos em torno de 10% do PIB, como no exterior, todos os investimentos anunciados até o momento não alcançam nem 1,5% do PIB. A crise exige também uma articulação política muito maior, que tenha como diretriz salvar vidas, ameaçadas tanto em virtude da pandemia quanto da piora que as medidas sanitárias adotadas pelo governo, embora absolutamente necessárias, provocarão em uma economia já debilitada.

O governo insiste que a solução para a crise passa pela retirada de direitos e diminuição da proteção social, o que levará muitos(as) trabalhadores(as) à pobreza e à fome. Chama atenção também a perseguição sistemática aos sindicatos e à sua capacidade de atuação e defesa dos(as) trabalhadores(as). Além disso, as medidas propostas esvaziam as negociações coletivas, com claro viés antidemocrático.

Todos sabemos que o Brasil já tem um mercado de trabalho muito desfavorável, com muitas pessoas sem renda, nem proteção social. Segundo os dados do IBGE, em dezembro de 2019, o total dos(as) ocupados(as) desprotegidos (as) estava da faixa de 58 milhões de pessoas (11,6 desempregados + 7,7 Força de trabalho potencial, que inclui os desalentados + 38,7 milhões de informais), e 80% dos ocupados ganham menos de 3 salários mínimos.

A promessa de repassar 200 reais aos trabalhadores(as) informais, anunciada pelo governo e ainda não concretizada, é absolutamente insuficiente para garantir a subsistência das famílias, pois não garante sequer a alimentação, muito menos as despesas domésticas, tais como a compra de remédios e o pagamento de tarifas públicas como água e luz, que até o momento seguem sendo cobradas. O valor destinado à proteção social nesse contexto de crise por parte de outros países, inclusive nossos vizinhos, é bem maior tanto para trabalhadores(as) informais quanto para formais.

Consideramos que em momentos de crise aguda é preciso adotar medidas emergenciais para reforçar a tela pública de proteção, com base na solidariedade social e na garantia da preservação da vida das pessoas em toda sua integridade, justamente o contrário do que promovem as políticas econômicas neoliberais.

O momento é de estabelecer garantias do emprego e remuneração para os(as) trabalhadores(as) e limitar a demissão sob o controle do empregador. Se é prerrogativa do governo assegurar as condições para o funcionamento da economia, é preciso, antes de tudo, garantir as condições de vida de seus cidadãos. Isso é ainda mais urgente em países marcados por elevados índices de desigualdade social, como o nosso. É imperativo nesse momento, a adoção de políticas públicas que criem solidariedade e amenizem os efeitos da crise preservando, ao mesmo tempo, os direitos constitucionais básicos.

Com base em pesquisa e estudos sistemáticos sobre trabalho, alertamos as autoridades de todos os poderes da república para a necessidade de implementar imediatamente políticas emergenciais de amparo ao trabalhador e de interromper com urgência medidas executivas e legislativas que atentem contra a vida dos que vivem do trabalho. Conclamamos, sobretudo, o Congresso Nacional a rejeitar, com urgência, o texto integral da Medida Provisória nº 927/2020 pois, pelas razões aqui expostas, sua adoção produzirá efeitos nefastos sobre os(as) trabalhadores(as), a economia e a sociedade.

ABET e REMIR, 25 de março de 2020

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