A desigualdade se aprofunda: artigo de Frei Betto
Por Frei Betto | IHU Unisinos
“Mas qual bilionário pensa senão em si mesmo e em seus herdeiros? No máximo dão migalhas a alguma obra filantrópica. Sabem que o bolso é a parte mais sensível do corpo humano. No entanto, ignoram que caixão não tem gavetas…”, escreve Frei Betto, escritor, autor do romance sobre a Amazônia, “Tom vermelho do verde” (Rocco), entre outros livros.
Eis o artigo.
O Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) acaba de divulgar relatório no qual assinala que nos últimos anos a renda dos brasileiros que ocupam o topo da pirâmide social cresceu três vezes mais que a renda do restante da população.
O seleto grupo de 0,01% da população (15 mil pessoas), que agrupa os mais ricos do país, viu sua riqueza aumentar de R$ 371 bilhões em 2017 para R$ 830 bilhões em 2022.
Já os ganhos da imensa maioria da população adulta (95%) não avançou mais do que 33%.
No Brasil, os 5% mais ricos da população detêm 40% da renda nacional, segundo a FGV baseada em dados da Receita Federal. E pagam menos impostos que a classe média! Nos últimos cinco anos, os brasileiros tiveram aumento médio de 33% em sua renda. Já para os 5% mais ricos o aumento foi de 51%; para 1% foi de 67%; 0,1%, 87%; e 0,01% (15 mil pessoas) 96%!
Detalhe: no Brasil a renda do capital é menos tributada que a do trabalho, e os mais ricos estão isentos de recolher impostos sobre lucros e dividendos – o que a reforma tributária do governo Lula almeja mudar. Quem ganha mais deve pagar mais.
Quem está entre o 0,1% mais rico? Todos que têm renda mensal acima de R$ 140 mil. Entre o 1% quem tem renda mensal acima de R$ 30 mil. E se situam entre os 5% mais ricos os que têm renda mensal acima de R$ 10 mil.
Diante desse quadro injusto, o governo Lula propõe, na reforma tributária, revogar a isenção sobre dividendos. Até março o Congresso deve receber a proposta, conforme previsto pela emenda constitucional da reforma tributária recentemente promulgada. Mas é possível que, com este Congresso predominantemente conservador, a discussão sobre a reforma se estenda até 2025.
Enquanto isso, o brasileiro se endivida cada vez mais. Já faz três anos que os saques em cadernetas de poupança superam os depósitos. O Banco Central reconhece que as pessoas sacam o dinheiro não para fazer aplicações mais rentáveis, e sim “para gastos mais correntes” (Relatório de Estabilidade Financeira, 2024). Em 2023, os saques foram de R$ 87,819 bilhões e no ano anterior R$ 103,237 bilhões.
Segundo o IBGE, da população brasileira 67,8 milhões são pobres e 12,7 se encontram na extrema pobreza. É como se toda a população da capital paulista sobrevivesse na miséria. A pobreza afeta mais crianças e jovens. De acordo com o IBGE, 49,1% da população entre 0 e 14 anos eram consideradas pobre em 2022. Dessa faixa etária, 10% estavam na extrema pobreza.
O Brasil tinha, em 2022, 10,9 milhões de jovens entre 15 e 29 anos que não estudavam nem trabalhavam, os chamados “nem-nem”. Como fazem para comprar um calçado, entrar no estádio de futebol, tomar um suco?
Na abertura do Fórum Econômico Mundial, em Davos, este ano, a Oxfam declarou que, nos primeiros anos da atual década, se ampliou a desigualdade social no mundo. Os bilionários do planeta estão 3,3 trilhões de dólares mais ricos que em 2020. O patrimônio deles triplicou.
Embora o hemisfério Norte (EUA e Europa) abrigue apenas 21% da população mundial, lá se encontram 74% dos bilionários com 69% da riqueza global.
O mais rico do mundo, Elon Musk, dono do X (ex-Twitter) e da Tesla, fábrica de carros elétricos, teve seu patrimônio aumentado em 737%. Enquanto isso, os 60% mais pobres, que tinham 2,26% da riqueza global, agora têm 2,23%. Pandemia, guerras, crise climática e aumento do custo de vida são os principais fatores da ampliação da desigualdade entre ricos e pobres.
Hoje, metade da riqueza do mundo está em mãos de 1% da população. No Brasil, o 1% mais rico da população concentra 60% da riqueza nacional. A desigualdade se reflete também nas relações de gêneros e étnicas. As mulheres, que são 49% dos habitantes do planeta, detêm, em média, apenas 38,5% da riqueza global. O restante fica com os homens. No Brasil, a renda das famílias brancas supera em 70% a das famílias negras, devido à diferença de acesso à educação e ao emprego.
Segundo a Oxfam, as fortunas bilionárias crescem, a cada dia, 2,7 bilhões de dólares. E 1,7 bilhão de trabalhadores vivem em países onde seus salários estão abaixo do índice de inflação. Em 30 anos, é a primeira vez que aumenta a polaridade entre a riqueza extrema e a pobreza extrema. Enquanto as empresas de energia e de alimentos foram as mais lucrativas, 800 milhões de pessoas vão dormir, todas as noites, com fome.
Uma das causas de tamanha desigualdade é que os ricos praticamente não pagam impostos, em especial sobre patrimônio e heranças. De cada dólar da receita tributária, apenas 4 centavos são de imposto. Nos países que não aplicam imposto sobre herança, 5 trilhões de dólares são repassados aos herdeiros – quantia que supera a soma do PIB de todos os países da África.
Há que taxar os mais ricos: 2% sobre a fortuna dos milionários; 3% sobre quem possui mais de 50 milhões de dólares; e 5% sobre os bilionários, sugere a Oxfam. Isso faria os governos arrecadarem 1,7 bilhão de dólares anualmente e retirar 2 bilhões de pessoas da pobreza.
Mas qual bilionário pensa senão em si mesmo e em seus herdeiros? No máximo dão migalhas a alguma obra filantrópica. Sabem que o bolso é a parte mais sensível do corpo humano. No entanto, ignoram que caixão não tem gavetas…
No ritmo atual, o mundo levará 230 anos para erradicar a pobreza. E em apenas 10 anos teremos o primeiro trilionário. Sim, uma pessoa com fortuna de 1 trilhão de dólares! Se os cinco homens mais ricos do mundo somassem suas fortunas e cada um gastasse 1 milhão de dólares por dia, levariam 476 anos para ficar com o bolso a zero, afirma a Oxfam.
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Por Frei Betto | IHU Unisinos
Data original de publicação: 23/01/2024