Por Site Mundo Negro
Levantamento da Jusbrasil analisou 4.838 decisões judiciais e mostra que 30% dos casos de racismo acontecem dentro das empresas.
O ambiente de trabalho é o principal palco de denúncias de racismo e injúria racial no Brasil. Um levantamento inédito da plataforma Jusbrasil, que analisou 4.838 decisões judiciais publicadas entre janeiro e outubro de 2025, mostra que 30% dos casos (1.407 decisões) tiveram origem dentro das empresas. Em 1.113 dessas ocorrências havia vínculo direto entre empregadores e empregados — número inferior apenas aos episódios envolvendo pessoas desconhecidas (1.291).
Para a professora Laura Diamantino Tostes, coordenadora da Oficina de Estudos de Direito do Trabalho da Faculdade Milton Campos, integrante do Ecossistema Ânima, os dados escancaram a face mais persistente do racismo no país.
“O racismo não se limita a atos explícitos. Ele é um sistema de opressão estrutural que organiza privilégios e desigualdades, inclusive definindo quem ocupa quais postos, quem é promovido e quem permanece invisível”, afirma.
A especialista destaca ainda que, em novembro, o Supremo Tribunal Federal formou maioria para reconhecer que o Brasil vive um estado de coisas inconstitucional no que diz respeito ao enfrentamento do racismo. Na prática, isso significa que o Estado falha ao implementar políticas públicas capazes de combater violações de direitos da população negra.
Racismo recreativo, barreiras invisíveis e sinais de alerta
Segundo Tostes, muitas manifestações presentes no dia a dia corporativo, ainda tratadas como “brincadeiras”, na verdade são discriminatórias e racistas. “Há um fenômeno muito comum, chamado de racismo recreativo, conceito desenvolvido pelo jurista Adilson Moreira que inclui piadas e apelidos pejorativos destinados às pessoas negras”, explica. São práticas que, apesar de mascaradas de humor, configuram injúria racial e podem levar à responsabilização penal e trabalhista.
Além das agressões diretas, há sinais institucionais que, conforme aponta a especialista, indicam ambientes racistas. O primeiro deles é a ausência de diversidade.
“Se a maior parte da população brasileira é negra, por que tantas empresas têm quadros quase integralmente brancos? Isso revela um padrão de exclusão”, destaca Laura.
Exigência de currículo com foto, disparidade salarial entre negros e brancos e falta de promoção para trabalhadores negros também são exemplos recorrentes de condutas racistas.
Injúria racial e racismo: o que diz a lei?
Laura explica que, após a Lei 14.532/2023, a injúria racial foi equiparada ao crime de racismo. “Hoje a pena [para injúria racial] é de dois a cinco anos de reclusão, além de multa”, detalha.
Justamente por isso, a omissão das empresas pode gerar responsabilização. Quando a vítima não encontra apoio interno, deve procurar canais externos como Ministério do Trabalho, Ministério Público do Trabalho ou uma delegacia para registrar boletim de ocorrência. Também é possível ingressar com ação trabalhista pedindo indenização por danos morais.
Para que o combate ao racismo deixe de ser apenas discurso, a professora defende investimentos em governança e integridade. Isso inclui canais de denúncia efetivos e anônimos, capazes de proteger quem relata violações. “O trabalhador não pode sentir medo de levar a denúncia. A empresa precisa garantir segurança e acolhimento”, diz.
Laura também ressalta que compliance não pode ser decorativo. “Não basta parecer antirracista; é preciso ser. Isso exige liderança engajada, códigos de conduta claros, investigações internas rigorosas e tolerância zero a condutas discriminatórias”, afirma.
Uma das ferramentas mais eficazes, segundo ela, é o accountability social, por meio do qual a empresa divulga relatórios públicos de integridade, diversidade e igualdade. “Quando ela abre esses dados, metas e avanços, torna seu compromisso mensurável e transparente para a sociedade”, conclui.
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Data original de publicação: 09 de dezembro de 2025
ABET Associação Brasileira de Estudos do Trabalho