Aplicativos de transporte: ‘de repente, Califórnia’

Imagem: Reprodução

Por João Renda Leal Fernandes |JOTA

“Embora os sistemas trabalhistas dos EUA e Brasil se encontrem estruturados sob bases consideravelmente diversas, nos EUA o reconhecimento quanto à existência de um vínculo de emprego é capaz de gerar não apenas acesso a diferentes meios de proteção social (notadamente, programas de seguro-desemprego e cobertura previdenciária), mas também múltiplos efeitos de ordem trabalhista.

Vejamos como exemplo o caso da Califórnia, estado mais populoso e com o PIB (de longe) mais elevado dos EUA, muito superior ao do Brasil. Se a Califórnia sozinha fosse um país, teria o 5º maior PIB do mundo, atrás apenas dos EUA como um todo, China, Japão e Alemanha. O estado é também berço de múltiplas empresas de tecnologia, e curiosamente o local onde foram criadas e estão sediadas as duas maiores empresas de transportes por aplicativos do mundo: Uber e Lyft.

Foi justamente a Suprema Corte da Califórnia que, ao decidir no ano passado uma ação coletiva, confirmou a decisão de uma Corte Estadual de Apelações e estendeu a condição de “empregados” a motoristas que prestavam serviços por intermédio de um aplicativo de entrega de encomendas.

Devido ao nome da empresa envolvida, o caso ficou conhecido como ‘Dynamex’ e a decisão proferida (de forma unânime pelos 7 Juízes da mais alta Corte do estado) fez uso de um teste de três fatores que acabou ficando conhecido como ‘ABC Test’, cuja aplicação é capaz de definir se determinado trabalhador pode ser enquadrado como autônomo (independent contractor) ou se deve necessariamente ser enquadrado como empregado (employee) para os fins de aplicação do direito estadual.

Os principais argumentos dos advogados de defesa, tanto no Brasil quanto nos EUA, baseiam-se nas teses de que as plataformas digitais seriam empresas de tecnologia, que conectam pessoas com interesses convergentes (não constituindo propriamente empresas de transporte) e que os motoristas teriam ampla liberdade na forma como os serviços são prestados (inexistente, portanto, qualquer tipo de direção, controle ou subordinação).

Ao aplicar o teste ao caso Dynamex, o tribunal rechaçou esses argumentos lançados pela defesa e reconheceu que a relação em análise possui todos os elementos típicos de um vínculo de emprego.

Não se tratou de decisão isolada ou pontual, mas sim de acórdão unânime proferido pela Suprema Corte de um estado com quase 40 milhões de habitantes e que se destaca como o de maior protagonismo econômico em toda a federação.

Deve-se recordar também que, no sistema jurídico americano, julgados emanados de cortes superiores (estaduais ou federais) são considerados fontes primárias do Direito e a própria tradição da common law já faz com que os juízes de instâncias inferiores considerem tais julgados (em casos com semelhantes substratos de fato e de direito) como precedentes vinculantes.

Meses mais tarde, o Poder Legislativo da Califórnia decidiu positivar o ABC test através de um ato normativo escrito. Para isso, editou uma lei (conhecida como Assembly Bill Nº 5 ou apenas AB-5) aprovada em suas duas casas legislativas e recentemente sancionada pelo Governador do estado.

Embora Uber e Lyft hajam declarado que, à luz de suas próprias interpretações do ABC Test, seguirão considerando os seus motoristas na Califórnia como independent contractors (o que expõe tais empresas a riscos e promete ensejar múltiplos novos litígios), essa lei estadual foi editada com o claro objetivo de reconhecer a efetiva existência do vínculo de emprego e, consequentemente, um considerável feixe de direitos trabalhistas aos motoristas de aplicativos.”

Acesse aqui a opinião na íntegra.

Fonte: JOTA
Data de publicação: 29/10/2019

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