Atividades de cuidado. A uberização do trabalho pelo processo de plataformização. Entrevista especial com Ana Claudia Moreira Cardoso
João Vitor Santos | Instituto Humanistas Unisinos
Segundo a pesquisadora, como motoristas e entregadores, os trabalhadores do cuidado exercem suas funções a baixas remunerações e sem nenhuma proteção. E pior: profissionais ainda sofrem com duríssima discriminação
Não é de hoje que se discute que o trabalho via plataformas está muito mais para precarização de atividades laborais do que para liberdade profissional e empreendedorismo. Fato é que essas lógicas têm se estendido para as mais diferentes atividades profissionais. “O que percebemos é que não há um movimento único e por isso é importante analisarmos todos os setores. Em cada setor, essas plataformas entram de uma forma diferente e tem consequências diferentes”, aponta Ana Claudia Moreira Cardoso, socióloga que tem se dedicado a pesquisas sobre o tema. Para ela, é tudo parte de um processo de externalização, onde as empresas externalizam custos e mantêm o controle sob o trabalho das pessoas.
Como marca Ana Claudia, em entrevista concedida ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU via videochamada de WhatsApp, embora seja um movimento amplo e que deve ser olhado em totalidade, as consequências sobre os profissionais são muito diferentes. No caso dos profissionais das atividades de cuidado (que compreendem desde profissionais como babás, cuidadores de idosos e doentes até arrumadeiras, porteiros, motoristas, faxineiros e jardineiros), há uma marca discriminatória muito grande. “Não é à toa que as plataformas de cuidado, apesar de terem mais trabalhadores, têm uma visibilidade menor do que plataformas de entrega e de transporte, que é onde a gente tem o trabalho na rua e feito por homens. É o público, o visível. No caso das plataformas de cuidado, é um trabalho, como sempre, realizado dentro do domicílio e por mulheres”, explica Ana Claudia.
Além disso, essas plataformas que recrutam esses profissionais têm outras particularidades. Elas, por exemplo, expõem as fotos dos profissionais. Para Ana Claudia, isso, de imediato, num país como o Brasil, faz com que sejam recrutadas pessoas dentro de um perfil, ou seja, brancas, magras, jovens etc. E veja que nos transportes por aplicativo se consegue ver a foto do motorista somente depois que ele aceita a corrida. Isso tudo além das discriminações que as mulheres sofrem em geral em qualquer atividade por aplicativos. “As mulheres falam que elas recebem menos corridas e corridas menos interessantes. E é isso mesmo, os algoritmos vão mandar demanda para aquelas pessoas que estão mais tempo disponíveis. E não é o caso das mulheres, pois além do trabalho chamado de ‘produtível’, elas são responsáveis pelo trabalho reprodutivo”, completa.
Ainda há toda a questão de desproteção em casos de acidentes e problemas com o cliente contratante da profissional do cuidado, pois a plataforma se exime de qualquer problema. Sem falar na perda da humanidade na relação entre quem contrata e quem realiza a atividade de cuidado. “Acabou. Esquece. Se vai pelo preço mais barato ou, entrando na nossa questão de discriminação, vai buscar aquele modelinho padrão. É tudo uma ilusão”, dispara a pesquisadora. Temos assim um quadro que é a discriminação na precarização. “Quando escrevemos sobre o tema, tentamos trazer a questão de tal forma que o cliente perceba o que está acontecendo. Ele não só está ajudando a precarizar o trabalho do outro, como amanhã seu próprio trabalho pode ser plataformizado, assim como também não está entendendo que é ele que está assumindo os riscos”, completa.
Ana Claudia (Foto: Arquivo pesssoal)
Ana Claudia Moreira Cardoso é pesquisadora da Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF e do GT (Grupo de Trabalho) Trabalho Digital da Rede de Estudos e Monitoramento da Reforma Trabalhista – REMIR. Possui doutorado em Sociologia pela Universidade de São Paulo – USP e pela Universidade Paris 8 e mestrado em Ciência Política pela USP. Realizou pós-doutorado em Sociologia na Universidade de Brasília – UnB e no Centre de recherches sociologiques et politiques de Paris.
Ana Claudia coordena a elaboração de artigos a respeito do processo de plataformização do trabalho nos mais diferentes setores da economia, que são escritos por pesquisadores(as) e dirigentes sindicais, em parceria com a Faculdade do Dieese e a Remir. Toda quinta-feira, no site Outras Palavras, um setor é analisado. O artigo sobre a uberização no trabalho de cuidados, que é a base desta entrevista e republicado pelo IHU, foi escrito juntamente com Maria Julia Tavares Pereira.
Clique aqui e leia a entrevista completa
Fonte: Instituto Humanistas Unisinos
Data original de publicação: 12/01/2022