Carta de Uberlândia
Associação Brasileira de Estudos do Trabalho – ABET, reunida virtualmente em Uberlândia, durante o XVII Encontro, reafirma seus compromissos com a defesa da Democracia e do Trabalho Digno e Decente
Nós, pesquisadoras e pesquisadores do mundo do trabalho, diante de um quadro de devastação do trabalho e de ataques à ciência e à democracia em nosso país, vimos a público:
REAFIRMAR o nosso compromisso com a construção de padrões de trabalho digno e decente definidos pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), com os direitos de cidadania garantidos pela Constituição de 1988, com o estado social, a soberania popular e o desenvolvimento nacionais, e com a democracia e a educação em todos os níveis;
REPUDIAR os processos de desmonte do estado social e a quebra da soberania nacional, ferindo a Constituição e as normas convencionais, com ameaças à democracia e aos direitos de cidadania;
DENUNCIAR a Emenda Constitucional 95, que congelou os investimentos com saúde, educação e infraestrutura por vinte anos, impondo ao país um ajuste fiscal sem precedentes no mundo, as reformas trabalhista, previdenciária e seus desdobramentos posteriores, bem como a reforma administrativa em processo de tramitação, cujas consequências, especialmente em um cenário de pandemia Covid-19 e de urgência de proteção à vida e à sobrevivência dos/as brasileiros/as, não serão outras que não as já visíveis elevação do contingente de desempregados e subempregados, a precarização do trabalho, a ampliação da informalidade, da pobreza e da vulnerabilidade social, a degradação dos serviços públicos e do tecido social, jogando o país novamente no mapa da pobreza e em grave recessão econômica e crise alimentar e social;
ADVERTIR que o cenário social, econômico e politico brasileiro tornou-se ainda mais dramático com a crise sanitária. Neste contexto recessivo e de sobreposições de crises, regrediram as condições de vida e trabalho na cidade e no campo, de homens, mulheres e pessoas trans, pardos, pretos e indígenas, particularmente;
RESSALTAR que a pandemia de covid-19 escancara as perversidades do sistema capitalista. É necessário salientar que a condição periférica nos submete a maior violência institucional, tornando a população mais vulnerável à contaminação e à morte por covid-19, sobretudo diante do comportamento negacionista, negligente e oportunista do Governo Brasileiro. Este contexto expõe o caráter descartável do trabalho e da vida dos trabalhadores/as que se expuseram e se expõem todos os dias para preservar vidas.
RECHAÇAR as alterações radicais no sistema público de regulação social do trabalho, materializadas, sobretudo, na legalização irrestrita da terceirização, na reforma trabalhista de 2017, na lei da Liberdade Econômica e nas MPs 837, 905, 927, 936, 1045, 1046, com impactos extremamente negativos para as classes trabalhadoras, tais como: redução de direitos; prevalência do negociado sobre o legislado; aumento e intensificação da jornada; arrocho salarial; fragilização da organização sindical; redução substantiva do papel da Justiça do Trabalho e a imposição de ônus inaceitáveis ao acesso dos trabalhadores à Justiça, com quebra do princípio da gratuidade, tudo sem contemplar o diálogo social e se valendo do precário e pouco democrático instrumento das medidas provisórias. Após quatro anos de implementação da reforma trabalhista, nossas pesquisas evidenciam que não houve avanço nas condições de trabalho e emprego no país, mas sim aprofundamento da precarização;
REJEITAR o ataque às instituições públicas do trabalho, às restrições ao acesso à justiça e ao sistema de fiscalização do trabalho, sobretudo via revisão de Normas Regulamentadoras;
DEFENDER um sistema público de proteção social ao trabalho que inclua os desprotegidos sociais; que seja geral e universal, fundamentado nos princípios da isonomia e da irrenunciabilidade dos direitos e que, respeitando as especificidades de cada uma das formas de alocação da força de trabalho, as integre em direitos e garantias.
ADVERTIR que as promessas difundidas pelo discurso do empreendedorismo e da suposta autonomia do trabalho nas plataformas digitais, como modelo de substituição ao emprego formal, resultam em elevadíssimo custo social, visto que ocultam as relações de exploração e subordinação do trabalho; mascaram as relações de emprego e responsabilidades patronais, deixando no mundo do trabalho o rastro de jornadas extenuantes, acidentes de trabalho e doenças ocupacionais, com sacrifício da juventude trabalhadora e oneração da sociedade;
ALERTAR para o caráter regressivo e inadmissível das propostas de revisão do conceito de trabalho análogo ao escravo e de alteração das normas relativas ao trabalho infantil;
RECHAÇAR a Reforma da Previdência Social, que teve como consequência a sua privatização, o impedimento, na prática, do acesso dos segurados à aposentadoria e a quebra da solidariedade e do compromisso intergeracional, alicerces constitucionais da Seguridade Social;
DEFENDER o SUS e uma política sanitária baseada nos alicerces da ciência, em campanhas de vacinação ampla e universal, sem discriminações;
OPOR-SE aos ataques desferidos às universidades públicas e à ciência, com cortes de recursos, de bolsas e de editais de fomento à pesquisa. Também se revigora nossa oposição às propostas privatistas e precarizantes do trabalho apresentadas no programa Future-se/MEC;
EXIGIR uma política de valorização real do salário mínimo, associada à implementação efetiva e atrelada à centralidade do trabalho, de programas de renda básica universal;
ORIENTAR-NOS para a defesa do regime democrático, bem como para a defesa da igualdade e da reparação das discriminações históricas de nossa sociedade, com atenção especial ao racismo e às discriminações de gênero;
LUTAR de forma prioritária pela universalização de direitos, pela redução da jornada de trabalho sem redução de salário e pela reinvenção do sindicalismo brasileiro, com reafirmação do compromisso com a liberdade sindical e com a amplitude constitucional do direito de greve;
Finalmente, a ABET, ciente do seu compromisso com adefesa de condições dignas de trabalho e de vida, soma-se a todas as instituições e movimentos contra estes ataques que trazem insegurança e incerteza quanto às perspectivas de futuro do Brasil.
Associação
Brasileira de Estudos do Trabalho – ABET
17º Encontro Nacional
Uberlândia – Minas Gerais
10 de setembro de 2021