Como a indústria fitness se uberiza

Foto: ThisIsEngineering/ Pexels

Por Valmir Arruda de Sousa Neto e Edson Marcelo Húngaro | Outras Palavras

Este artigo integra as discussões sobre o espraiamento do processo de digitalização da economia, sobretudo no que se refere às empresas-plataforma de trabalho, no Brasil. São publicadas semanalmente em Outras Palavras e fazem parte de duas edições da Revista da Faculdade do Dieese de Ciências do Trabalho. A publicação é fruto de parceria com a Rede de Estudos e Monitoramento da Reforma Trabalhista (REMIR) e a Associação Brasileira de Estudos do Trabalho (ABET). Leia outros textos desta série sobre as várias faces da precarização do trabalho.

> Título original: Plataformas de trabalho no setor fitness: qual o futuro deste serviço?

O trabalho uberizado, que significa o suprassumo da exploração da força de trabalho através do uso de plataformas digitais, assume, na contemporaneidade, lugar de destaque nas relações sociais de trabalho. Esta forma de trabalho significa um enorme retrocesso pois o trabalhador, que recebe apenas por atividade realizada, tem que disponibilizar boa parte do seu dia para o labor, mesmo sem garantias que irá ter qualquer retorno financeiro ao final da sua jornada.

Neste texto, nos propomos a analisar a oferta de serviço da chamada “indústria fitness” – que engloba professores e professoras de Educação Física que atuam como Personal Trainer, em assessorias esportivas e nas demais atividades que compõem esse estrato do mundo do trabalho – que passa a ser efetivada em plataformas digitais e em plataformas digitais de trabalho -, buscando compreender sua forma de funcionamento e o potencial financeiro desse mercado.

O crescimento do setor fitness no Brasil é apontado pela Revista da Associação Brasileira de Academias – ACAD, em sua matéria de capa intitulada “Mercado mundial do fitness: principais players e mudanças no top ten”1. De acordo com a matéria, a indústria mundial do fitness havia alcançado, no ano de 2017, a marca de 174 milhões de clientes espalhados por 201 mil academias pelo mundo, resultando num faturamento estimado de 87,2 bilhões de dólares. Apesar de serem números bem expressivos, a International Health, Racquet & Sportsclub Association – IHRSA, estipulou uma meta de 230 milhões de clientes/alunos até o ano de 2030, representando um crescimento de 32% em pouco mais de uma década, apostando no mercado brasileiro como um potencial captador desse público.

No que se refere à organização e gestão laboral, para os trabalhadores e trabalhadoras da indústria fitness o modelo de produção toyotista foi disseminado em sua plenitude, desde ideias de flexibilização produtiva à categorização do aluno como cliente e do professor como colaborador. No contexto atual, a indústria fitness se torna um “laboratório” para as experiências do empreendedorismo, como pode ser observado desde o início dos anos 2020. O blog da Fundação Instituto de Administração2, por exemplo, traz em destaque aplicativos, aulas online, coaching de saúde e consultoria online, além de ressaltar a autonomia dos clientes e a necessidade de flexibilidade dos serviços prestados pelos profissionais da área.

No contexto mais recente da moderna economia capitalista, a indústria fitness, como parte integrante da grande “indústria de serviços”, passa a adotar o novo modelo de negócio que ganha espaço no mundo globalizado: a plataformização do trabalho.

Neste texto, destacamos as plataformas que são mais recorrentes nos sites de busca e que apresentam características diferentes de funcionamento, apesar de alimentarem a mesma racionalidade neoliberal, frisando que são apenas “mediadoras” entre o/a prestador/a do serviço e o/a cliente. Num primeiro momento, as diferenças entres essas plataformas não ficam tão evidentes, mas, ao nos debruçarmos sobre o funcionamento de cada uma delas conseguimos enxergar suas peculiaridades no que diz respeito às formas de extração de mais valia de trabalhadores e trabalhadoras do fitness.

No que se refere à relação das plataformas de treinamento com seus clientes, é interessante ressaltar, ainda, que seus modelos de treinamento se utilizam da gamificação, isto é, de mecânicas e características de videogames para engajar e motivar comportamentos em torno do ideário de superação. Afinal, na ausência de profissionais que estejam presencialmente motivando os usuários, as plataformas precisam encontrar outras formas para mantê-los envolvidos; tanto a partir da gamificação como do discurso da responsabilização e das vantagens da flexibilidade possibilitada pelos treinos online.

Voltando à questão do trabalho, no caso das plataformas onde há o trabalho realizado pelos professores e professoras da indústria fitness, observamos que é comum a busca pela captura da subjetividade destes sujeitos através do falso discurso do empreendedorismo e de que não haverá mais possibilidades de trabalho para aqueles profissionais que ficarem fora do mundo digital. Sem dúvida não se trata aqui de uma negação dos avanços tecnológicos, mas sim de uma problematização desses avanços quando voltados, apenas, para a ampliação da exploração do trabalho humano.

Assim, não bastasse o enfrentamento das condições de trabalho impostas pela política neoliberal, que destrói conquistas trabalhistas e fragiliza os instrumentos de luta da classe trabalhadora, o professor e a professora da indústria fitness também estão diante do desafio de lidar com os avanços tecnológicos que, contraditoriamente, não significam melhoria nas suas condições de trabalho. Ao contrário, a forma como a tecnologia tem sido utilizada pelas empresas do setor aponta para uma violenta transformação no campo de trabalho da Educação Física, com o aumento da informalidade e uma reformulação na formação e habilitação para o trabalho desses sujeitos. A indústria do fitness segue a lógica geral que assola o mundo do trabalho e brutaliza os seres humanos a partir da superexploração do trabalho, sinalizando um futuro nada promissor e que, por sua vez, demanda a atuação do setor público na regulação deste processo, bem como a participação dos profissionais da área na reorganização do trabalho.


1 Edição n°82, de agosto de 2018.

2 Disponível em https://fia.com.br/blog/mercado-fitness/ acessado em 01/08/2021.

Clique aqui e leia o artigo completo

Fonte: Outras Palavras

Data original de publicação: 05/05/2022

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