Como as eleições podem impactar nas relações de trabalho?
Por Érica Martins | Conjur
Data original de publicação: 19/08/2024
Os rumos do embate político influenciam diretamente a vida dos cidadãos, de modo que o processo de escolha dos candidatos, futuros representantes do povo, possui reflexos imediatos na vida de todos, pois deles depende a aplicação de um plano de governo baseado em suas percepções sobre qual o melhor caminho a seguir nas questões econômicas, sociais e até mesmo culturais.
O processo eleitoral no Brasil envolve não apenas o direito ao voto, mas permeia várias outras relações, inclusive aspectos importantes das relações de trabalho, especialmente quando os empregados se candidatam a cargos eletivos, são eleitos ou são convocados para atuarem no dia da eleição e, ainda, a própria prestação dos serviços no dia da votação.
O presente artigo pretende esclarecer essas situações sob o enfoque da legislação brasileira e dos entendimentos dos tribunais, fornecendo uma contribuição ao esclarecimento dos direitos e deveres de empregados empregadores.
Quando o empregado opta por candidatar-se a um cargo eletivo, buscando participar das transformações sociais pela política, a legislação brasileira oferece a possibilidade de licença não remunerada para que ele possa dedicar-se à campanha.
O artigo 25 da Lei 7.664/88 traz a possibilidade do afastamento de servidores públicos para concorrerem a cargos eletivos durante o lapso entre o registro de sua candidatura na Justiça Eleitoral e o dia seguinte à eleição, mediante simples comunicado de afastamento, para promoção de sua campanha eleitoral. Este direito estende-se, por analogia, a trabalhadores da iniciativa privada, ficando os empregadores desobrigados ao pagamento da remuneração relativa ao período.
A licença não remunerada não é obrigatória e o contrato de trabalho é suspenso durante o período de afastamento. O empregado não receberá salários, benefícios ou recolhimento do FGTS durante esse período. O afastamento deve ser solicitado antes do registro oficial da candidatura; já a duração da licença não é estipulada pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), ficando a critério das partes envolvidas.
Em caso de sucesso no pleito eleitoral, sendo o empregado eleito para um cargo político, como vereador, deputado, senador ou prefeito, a Constituição, em seu artigo 38, bem como o artigo 472 da CLT preveem o afastamento do cargo efetivo durante o mandato, com a suspensão do contrato de trabalho.
Importante esclarecer que, se o cargo para o qual o empregado foi eleito é o de vereadores, havendo compatibilidade de horários entre o mandato e o trabalho, o empregado pode continuar exercendo suas funções na empresa, nos termos do artigo 38, III da CF/88.
Caso não haja essa compatibilidade, o contrato de trabalho é suspenso e o empregado não possui direito à remuneração pela empresa durante o mandato, mas continua a receber a remuneração do cargo público. Já no caso de outros cargos eletivos, como deputado, senador e prefeito, que exigem dedicação exclusiva, a suspensão do contrato é obrigatória e o empregado se afasta do trabalho.
Não há estabilidade após o mandato
Não há previsão de estabilidade no emprego após o término do mandato, exceto pelo direito de retornar ao cargo que ocupava anteriormente, conforme garantido pelo artigo 38, II, da Constituição. Isso significa que, embora o vínculo empregatício seja mantido, o empregador pode dispensar o empregado sem justa causa após o retorno, observando as verbas rescisórias devidas.
Uma outra perspectiva de impacto das eleições na relação de emprego é a convocação de empregados para atuarem como mesários. Regulada pela Lei nº 4.737/1965 (Código Eleitoral), a norma estabelece que os cidadãos convocados pela Justiça Eleitoral para atuar no dia da eleição têm direito a dois dias de folga remunerada para cada dia de trabalho, incluindo os dias de treinamento, conforme disposto no artigo 98 da referida lei.
Essas folgas devem ser concedidas em dias posteriores ao serviço eleitoral, e o empregado deve apresentar o comprovante emitido pela Justiça Eleitoral para garantia do direito. A Justiça Eleitoral, por meio das resoluções do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), reforça que a recusa injustificada em atuar como mesário pode resultar em multa, conforme previsto no artigo 124 do Código Eleitoral.
Além disso, para os trabalhadores em geral, o dia da eleição gera um efeito especial, mesmo para os que não são candidatos ou mesários, mas são eleitores, pois o dia da votação é considerado feriado nacional, conforme o artigo 380 do Código Eleitoral.
Isso significa que, em regra, os empregados têm direito a uma folga remunerada nesse dia, como acontece em outros feriados. Entretanto, em setores onde a atividade não pode ser interrompida, como saúde, segurança e transportes, o trabalho pode ser necessário e, nesses casos, a empresa deve garantir que os empregados tenham tempo suficiente para votar, sem prejuízo da remuneração.
Se o empregado necessitar trabalhar no dia da eleição, a ele é garantido o direito a receber o pagamento de horas extras, conforme previsto no artigo 59 da CLT, ou se lhe faculta negociar uma folga compensatória em outra data a depender da existência de implementação de banco de horas na empresa, de forma tácita se a folga ocorrer no mesmo mês, por acordo individual, para compensação em até seis meses, ou por acordo coletivo, para compensação em até um ano.
Observa-se, portanto, que as eleições no Brasil afetam diretamente as relações de trabalho, e a legislação busca equilibrar o direito ao exercício da cidadania com a preservação dos direitos dos trabalhadores e das obrigações dos empregadores, garantindo uma ampla participação no processo democrático.
Empregadores e empregados devem ter ciência dessas disposições legais para assegurarem que seus direitos sejam respeitados e para evitarem conflitos que possam surgir durante o período eleitoral. A transparência e o diálogo são essenciais para a manutenção de um ambiente de trabalho justo e harmonioso durante eventos de possíveis tensões políticas tanto quanto significativos como ocorrido com o período eleitoral.
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