Como conflito do STF com a Justiça do Trabalho coloca CLT em risco
Por Carlos Juliano Barros | Repórter Brasil
Data original de publicação: 16.05.2024
DESDE O ANO PASSADO, ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) vêm derrubando uma série de decisões da Justiça do Trabalho em processos sobre os temas da “uberização” e da “pejotização”. O primeiro diz respeito a pessoas que buscam ocupação em aplicativos e o segundo a profissionais que abrem empresas para prestar serviço.
De forma individual, os ministros têm cassado decisões de magistrados trabalhistas que, em alguns casos, apontam fraudes à CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) nessas modalidades de contratação. Dessa forma, também são anulados o reconhecimento do vínculo empregatício e o pagamento de 13º, férias remuneradas, dentre outros direitos.
Analistas ouvidos pela Repórter Brasil alertam que as medidas do STF podem abrir a porteira para dribles à legislação e esvaziar a competência de magistrados trabalhistas para avaliar, caso a caso, a existência de fraudes.
A crise na relação entre a suprema corte e a Justiça do Trabalho é o tema do terceiro episódio do RB Investiga, programa mensal da Rádio Batente, a central de podcasts da Repórter Brasil.
‘Terceirização e pejotização não são a mesma coisa’
Em linhas gerais, o discurso dos magistrados do STF bate na tecla de que a legislação trabalhista brasileira já não dá conta das transformações do mundo do trabalho, e de que a suprema corte já tem um entendimento consolidado sobre a constitucionalidade de todo tipo de terceirização. Em suas decisões, também têm invocado o princípio da livre iniciativa e defendido a redução dos custos de contratação para os empregadores.
No entanto, na avaliação da presidente da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho, Luciana Conforti, tem havido uma confusão de conceitos: nem todo caso de pejotização, por exemplo, pode ser entendido como uma forma de terceirização.
“A grande questão é que as pejotizações envolvem pessoas físicas que constituem empresas, muitas vezes por exigência dos próprios contratantes, para poder prestar os seus serviços”, explica a juíza.
“E aí tanto poderá haver realmente trabalhadores autônomos, que têm essas empresas para prestar esses serviços a uma ou mais empresas, quanto aqueles que trabalham com exclusividade e também com subordinação, dependência, e com todos os demais requisitos do contrato de trabalho – o que envolve, então, fraude ao contrato de trabalho”, complementa.
Porém, além de validar contratos pejotizados e uberizados (firmados com aplicativos), alguns ministros do STF chegaram a retirá-los da alçada da Justiça do Trabalho e a remetê-los à Justiça Comum, sob a justificativa de que não teriam natureza trabalhista, mas sim civil.
Isso quer dizer que alguns ministros do STF deixaram de considerar os contratos firmados entre um motorista e um aplicativo, ou entre um hospital e um médico pejotizado, como exemplos de uma relação de trabalho, e passaram a considerá-los como uma relação de fornecimento, que deve ser analisada pela Justiça Comum.
Por essa razão, operadores do direito do trabalho temem um possível “esvaziamento” da Justiça do Trabalho. Desde 2004, com a Emenda Constitucional 45, ela teve sua competência ampliada para analisar todos os tipos de relações de trabalho, e não apenas o de vínculo de emprego formal, com carteira assinada.
‘Debate no Supremo não está concluído’
O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, já afirmou que pretende uniformizar o entendimento da corte sobre o assunto, para orientar os juízes de instâncias inferiores.
Até porque já houve diversos casos de juízes de Varas do Trabalho que mandaram para a Justiça Comum processos envolvendo pejotização e uberização, levando em conta algumas decisões de ministros do STF. Mas o debate segue aberto.
“A própria discussão dentro do Supremo Tribunal Federal ainda não está fechada. Os ministros estão indo e voltando nas suas posições”, afirma Rodrigo Carelli, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT).
“Há ministros que estão mantendo e acelerando o ataque ao direito do trabalho e à Justiça do Trabalho, e outros que estão revendo a sua posição, reconhecendo a radicalidade, o extremismo dessa posição”, finaliza.
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