Como Porto Alegre lida com o clima às vésperas da eleição

FOTO: DIEGO VARA/REUTERS

Por Mariana Vick | Nexo Jornal
Data original de publicação: 15/09/2024

Enchentes tomam conta de debate entre candidatos à prefeitura. Eleitores consideram problema mais grave que saúde e segurança. Sebastião Melo, que concorre à reeleição, está à frente nas pesquisas

As campanhas para as eleições municipais, em geral, não têm dado destaque para a mudança climática, mesmo depois de uma série de desastres ter atingido as cidades brasileiras nos últimos anos. Há um lugar, no entanto, que foge a essa regra: Porto Alegre. O tema ganhou visibilidade na disputa pela prefeitura da capital gaúcha após fortes inundações terem tomado o Rio Grande do Sul em maio.

As cheias foram a maior tragédia climática da história de Porto Alegre. O lago Guaíba, principal da cidade, chegou a 5,33 metros, e o sistema de proteção municipal contra cheias não conseguiu conter a água. Mais de 160 mil pessoas foram atingidas, 14,2 mil foram para abrigos e cinco morreram, em meio a críticas ao modo como a prefeitura lidou com o problema.

Neste texto, parte de uma série sobre o clima e as eleições municipais, o Nexo mostra de que forma o tema aparece nas campanhas em Porto Alegre e o que os candidatos prometem em relação ao clima. 

A tragédia que trouxe o clima para a eleição

A cidade de Porto Alegre registrou um desastre sem precedentes no começo de 2024. O mês de maio foi o mais chuvoso da história da capital gaúcha desde 1910, segundo dados do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia). A chuva atingiu a marca de 539,9 mm — enquanto a média para a cidade é de 300 mm ou 400 mm —, de acordo com medição da estação de referência climatológica da capital, no bairro Jardim Botânico.

A carga de água foi muito grande para o lago Guaíba, que transbordou na capital gaúcha e em outras cidades da região metropolitana, como Eldorado do Sul. O nível do lago ficou 2,33 m acima de sua cota de inundação, de 3 m. O valor bateu o recorde da cheia histórica que atingiu Porto Alegre em 1941, quando o Guaíba subiu a 4,76 m. 

NÍVEL RECORDE

Gráfico de barras mostra quando houve enchentes acima da cota de inundação do lago Guaíba. Maior enchente desde o século 19 foi a de 2024.

A cheia foi associada à mudança climática, que tende a tornar eventos extremos do clima mais intensos e frequentes. Estudo publicado em junho pelo centro de pesquisas World Weather Attribution mostrou que o aquecimento global tornou as chuvas no Rio Grande do Sul duas vezes mais prováveis. O fenômeno climático El Niño, encerrado em meados de 2024, também influenciou o episódio.

A tragédia, no entanto, não teve apenas essas razões. Diversas falhas tornaram o sistema de proteção contra cheias de Porto Alegre — construído após a enchente de 1941 e composto por 68 km de diques, 14 comportas, 23 estações de bombeamento e 2,65 km do chamado Muro da Mauá — ineficaz para impedir o avanço da água. Esse e outros problemas foram atribuídos à gestão do prefeito Sebastião Melo (MDB), que concorre à reeleição.

Quais foram as críticas

BRECHAS NO SISTEMA

Documento divulgado em maio pelo Sindicato dos Engenheiros do Rio Grande do Sul afirmou que a inundação de Porto Alegre foi resultado da pouca manutenção do sistema anticheias. De 2021 a 2023, durante a gestão Melo, o orçamento municipal para o item “Melhorias no sistema contra cheias” foi de R$ 1,7 milhão para zero, segundo reportagem do portal UOL — nà época, a prefeitura disse que fez investimentos em outras áreas ligadas ao combate às enchentes. Em 2015, o Plano Municipal de Saneamento da cidade já mostrava que as bombas de drenagem da água operavam cerca de 70% abaixo do necessário, além de as instalações estarem pouco conservadas.

“O sistema primário deveria conter cheias de até seis metros de elevação do Guaíba, mas a água começou a invadir o centro na cota de 3,5 metros. Tinham brechas gigantes entre os portões e o muro, de 10 cm. Então não tinha como conter a água. E uma vez que a água passou a invadir o centro da capital, o sistema de bombeamento não funcionou”

Tamara Zambiasi, geógrafa e pesquisadora da governança de recursos hídricos brasileiros na Universidade de Cambridge, em entrevista ao Nexo em maio

COMUNICAÇÃO FALHA

A gestão Melo recebeu críticas por ter enviado mensagens atrasadas para quem vivia em áreas sob risco de alagamento. Alertas de risco foram emitidos pela Defesa Civil após o avanço das águas, segundo moradores de bairros como Menino Deus e Cidade Baixa. Também houve a divulgação de informações desencontradas sobre o desastre. 

RESPOSTAS SEM ESTRATÉGIA

Houve críticas ainda à ausência de prevenção e de planejamento da resposta ao desastre. Um exemplo de ação precipitada da gestão municipal ocorreu na criação de um abrigo contra as enchentes na casa de shows Pepsi on Stage, em frente ao Aeroporto Internacional Salgado Filho. O local, já com cerca de 350 pessoas abrigadas, teve de ser evacuado pouco depois, às pressas, por riscos de novas inundações.

De que forma o tema aparece nas campanhas

A campanha para a prefeitura de Porto Alegre tem oito candidatos: o atual prefeito, Sebastião Melo, do MDB; Maria do Rosário, do PT; Juliana Brizola, do PDT; Felipe Camozzato, do Novo; Cesar Pontes, do PCO; Luciano do MLB, do UP; Fabiana Sanguiné, do PSTU; e Carlos Alan, do PRTB. 

Melo está à frente da corrida eleitoral, com 40% das intenções de voto, segundo pesquisa Real Time Big Data realizada com 1.000 eleitores entre os dias 31 de agosto e 2 de setembro. Atrás dele está Maria do Rosário, com 32% no mesmo levantamento, que tem margem de erro de três pontos percentuais. A pesquisa foi registrada no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) com o protocolo RS-02917/2024.

CORRIDA ELEITORAL

Gráfico de barras mostra intenção de votos em candidatos à prefeitura de Porto Alegre. Sebastião Melo está na frente, seguido por Maria do Rosário.

Ambos os candidatos protagonizam a discussão sobre enchentes na campanha eleitoral. Em debates na TV Bandeirantes, em agosto, e na Rádio Acústica FM, em setembro, Melo destacou as ações de sua gestão após o desastre e criticou a postura do governo federal na reconstrução do Rio Grande do Sul, atribuindo a eles a responsabilidade pelo desastre. Já Rosário condenou o trabalho da prefeitura. 

“É um conjunto de obras de R$ 500 milhões [para a reconstrução do sistema anticheias]. Por enquanto, não chegou nenhum centavo do governo federal. Só promessas. […] [O PT] governa o país há 18 anos, e a proteção de cheias, que é responsabilidade do governo federal, passou a ser responsabilidade dos prefeitos”

Sebastião Melo, prefeito de Porto Alegre e candidato à reeleição pelo MDB, em debate na TV Bandeirantes em agosto

“Os ataques que ele [Melo] faz aqui, num momento tão difícil como o que a cidade está vivendo, parece que quer entregar a chave da prefeitura para o presidente Lula governar diretamente, porque tudo é cobrança para lá” 

Maria do Rosário, deputada federal e candidata pelo PT à prefeitura de Porto Alegre, em debate na TV Bandeirantes em agosto

Juliana Brizola, terceira colocada na pesquisa Real Big Data, e Felipe Camozzato, quarto, também têm participado dos debates na rádio e TV. A pedetista está entre as que atribuem a Melo a falta de investimentos no sistema de proteção anticheias. O candidato do Novo, por outro lado, endossa as queixas do prefeito sobre o governo federal — embora, em outros momentos, também critique sua gestão.

Qual a qualidade das discussões

A visibilidade das cheias no debate eleitoral é inédita na história recente de Porto Alegre — que em 2020, quando Melo disputou a prefeitura com Manuela d’Ávila (PCdoB), tratou menos do assunto. O tema ganhou destaque entre os eleitores. Pesquisa Quaest divulgada em agosto sob o protocolo RS-09561/2024 mostra que, para 33% dos entrevistados, as enchentes são o problema mais grave da cidade:

ENCHENTES E ALAGAMENTOS

Gráfico de barras mostra principais preocupações dos eleitores de Porto Alegre, segundo pesquisa Quaest. Enchentes e alagamentos estão em primeiro lugar, seguidas por saúde e segurança.

A discussão eleitoral, no entanto, fica restrita às propostas sobre a recuperação do sistema anticheias, sem tratar de forma mais ampla a mudança climática, segundo Heverton Lacerda, presidente da Agapan (Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural). Para ele, o discurso de Melo foca na resposta a desastres, mas nega a crise do clima. Já Rosário é mais abrangente em seu plano de governo, embora o texto também possa melhorar:

“O candidato que concorre à reeleição tenta se esquivar dos problemas que ocorreram em Porto Alegre. Há uma falta de consciência verdadeira sobre a crise climática. A prefeitura fala, no máximo, de resiliência, mas continua retirando árvores, incentivando construções, dando espaço para a especulação imobiliária. Não há ação para a cidade emitir menos gases de efeito estufa”

Heverton Lacerda, presidente da Agapan (Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural), em entrevista ao Nexo

“O plano de governo de Maria do Rosário se refere mais à crise climática. É muito amplo. De certa forma, é um pouco confuso. Mas se refere bem mais à questão climática. Ela foi uma candidatura que nos procurou, que veio com os movimentos, veio perguntar”

Heverton Lacerda, presidente da Agapan (Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural), em entrevista ao Nexo

As ações de combate à mudança climática costumam ser divididas, no jargão ambiental, em dois tipos: as de mitigação e as de adaptação. A mitigação busca reduzir as emissões de poluentes que causam o aquecimento global, enquanto a adaptação, como o nome já diz, serve para adaptar as cidades ao novo cenário do clima. Lacerda afirma que falta mais debate sobre as primeiras medidas para enfrentar os eventos extremos na capital gaúcha.

Essa avaliação vem não apenas do discurso dos candidatos, mas da leitura dos planos de governo, segundo Lacerda. De todos os oito que concorrem à prefeitura de Porto Alegre, seis tratam das enchentes em seus programas, com visões variadas. O Nexo resumiu o conteúdo dos textos: 

O que há nos planos de governo

SEBASTIÃO MELO

O atual prefeito dá destaque às ações adotadas pela prefeitura após a enchente em maio, como o resgate de moradores em áreas inundadas e liberação de auxílio financeiro para as famílias. Mais de R$ 800 milhões foram destinados em ações como a reconstrução de equipamentos públicos, segundo o texto, que também promete a criação de sistemas de alertas e previsão do tempo. O programa não trata de forma mais abrangente das causas da mudança climática.

MARIA DO ROSÁRIO

A candidata atribui a tragédia de maio a problemas de gestão e ao negacionismo da mudança climática. Defende a modernização do sistema de contenção de enchentes de Porto Alegre e a adoção de técnicas como a das cidades-esponja para torná-la mais adaptada a enchentes. Também fala em ações mais amplas de transição energética e de política habitacional para remover famílias de áreas de risco “de maneira dialogada”.

JULIANA BRIZOLA

A pedetista também defende a modernização do sistema de proteção contra cheias e a criação de um sistema de alertas. Propõe ainda a atualização do plano diretor de drenagem urbana da capital e a elaboração de uma estratégia metropolitana de adaptação (ou seja, com as cidades vizinhas). Um de seus principais projetos é a criação de um fundo emergencial de R$ 50 milhões para socorrer pequenos negócios afetados por enchentes, junto com outras medidas econômicas.

FELIPE CAMOZZATO

O candidato do Novo propõe a privatização do Dmae (Departamento Municipal de Água e Esgotos) de Porto Alegre e o uso da verba arrecadada para reconstruir e modernizar o sistema de diques e bombas de Porto Alegre. Também fala em processar o governo federal para “buscar ressarcimento” pela tragédia de maio. Defende ainda ações como o fortalecimento da Defesa Civil, a capacitação de lideranças locais e a realocação de famílias em áreas de risco, sem propor, no entanto, medidas para reduzir a contribuição da cidade para a mudança climática.

CARLOS ALAN

O candidato do PRTB tem propostas na área ambiental — com foco, por exemplo, em ações de reciclagem, horas urbanas, educação ambiental e prevenção de abandono de animais. Não há, no entanto, nenhum plano para enchentes ou outro tipo de desastre. Sequer há menções a palavras como “enchentes”, “cheias”, “inundações” ou “clima”.

FABIANA SANGUINÉ

A candidata do PSTU afirma que a enchente de maio “não foi desastre, foi negligência”. Faz diversas críticas à gestão de Melo e à condução das atuais obras de reconstrução, com a participação de empresas. Defende a criação de uma companhia de obras públicas municipal para esse trabalho, a elaboração de políticas de prevenção, moradia para os desabrigados e revogação de flexibilizações recentes na legislação ambiental.

LUCIANO DO MLB

O candidato do UP propõe a modernização do sistema de prevenção de enchentes e medidas como a criação de áreas verdes e a preservação de mata ciliar para absorver a água das chuvas. Faz diversas críticas ao que considera o sucateamento dos serviços públicos de Porto Alegre. Diz que “a emergência climática é uma realidade”, embora não se aprofunde em medidas para reduzir as emissões da cidade.

CÉSAR PONTES

O candidato do PCO não faz nenhuma menção a meio ambiente, a enchentes, à mudança climática ou mesmo à cidade de Porto Alegre em seu programa de governo. O texto do partido tem “eixos gerais, válidos para todo o país”, e diz que nas campanhas haverá “reivindicações específicas para cada cidade”. Há uma referência ao site do partido para quem quiser buscar essas informações.

Qual a perspectiva para a votação

A campanha eleitoral completa um mês nesta segunda-feira (16). A votação em primeiro turno para a escolha de prefeitos e vereadores acontece no dia 6 de outubro. Já o segundo turno está marcado para o dia 27 de agosto nos municípios com mais de 200 mil eleitores onde nenhum candidato ao Executivo obtiver metade mais um dos votos. 

Para Silvana Krause, professora no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), a questão climática deve crescer na campanha das próximas semanas, não só por causa das enchentes. “Com as queimadas, esse problema vai ser cada vez mais central para o eleitor”, disse ao Nexo. Porto Alegre tem recebido fumaça e chuva de fuligem por causa dos incêndios que ocorrem no Brasil.

Ainda é difícil saber qual será o efeito desse cenário para a intenção de voto, segundo ela. Melo está na frente na pesquisa Real Big Data divulgada no começo de setembro, mesmo tendo sido responsabilizado em maio pela crise que tomou a capital gaúcha. Para Krause, isso pode estar associado a uma mudança de percepção dos eleitores sobre o desastre.

“Temos percebido que há dois momentos de percepção do eleitor sobre as tragédias climáticas. O primeiro é o do desespero, de procurar culpados. Quem está no holofote — prefeito, governador, presidente — é canalizado como responsável. Já no segundo momento, se pensa: a tragédia aconteceu. O que foi feito? Quem está presente? Os eleitores veem com mais facilidade quem está no poder local”

Silvana Krause, professora no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), ao Nexo

Krause diz que isso acontece apesar de parte da sociedade civil criticar as políticas da gestão Melo no pós-enchentes e vê-las como insuficientes. Fato é, no entanto, que o governo municipal adotou diferentes medidas desde maio, incluindo:

  • ações de limpeza na cidade
  • incentivos econômicos para famílias afetadas
  • flexibilização em programas habitacionais
  • anúncio de um plano de monitoramento de condições climáticas
  • anúncio de obras em diques e estações de bombeamento

É precipitado estimar um resultado a essa altura, segundo Krause. “A rejeição do prefeito também é alta”, disse. Para ela, no entanto, as campanhas adversárias do atual prefeito não parecem estar considerando a possível mudança de percepção do eleitorado em suas estratégias.

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