Documentário alerta para as condições precárias de trabalho na fumicultura

Imagem: Unsplash

Por Procuradoria-Geral do Trabalho

“O Ministério Público do Trabalho lançou no fim do mês de outubro o documentário Vidas Tragadas, que trata de uma investigação sobre as condições de trabalho na indústria do fumo no Brasil.

“O documentário decorre de um diagnóstico encomendado pelo MPT. A Papel Social, organização especializada em investigar cadeias produtivas, é responsável pela pesquisa. O trabalho tem o apoio da Associação Paranaense de Vítimas Expostas ao Amianto e aos Agrotóxicos (Aprea) e da ACT Promoção da Saúde.

“O filme contém imagens importantes para que as pessoas conheçam a dura realidade dessa indústria. A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece o tabagismo como uma doença crônica. O que falta na sociedade é entender que o fumo também mata milhões nas plantações de tabaco”, afirma a procuradora regional do Trabalho Margaret Matos de Carvalho. Margaret é integrante do Grupo de Trabalho sobre tabaco do Ministério Público do Trabalho e atua nessa área desde 1998, quando investigou pela primeira vez irregularidades no setor.

A película foi gravada no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e no Paraná, onde foram encontrados casos de trabalho infantil. Há, inclusive, registros de adolescentes aplicando agrotóxicos de chinelos, sem condições mínimas de segurança, correndo o risco de intoxicação. O documentário mostra, ainda, agricultores em jornadas extenuantes, endividados e doentes pela exposição overdose de nicotina. Os estados foram escolhidos porque o Sul concentra quase toda a produção nacional de tabaco.

Trabalho que não dignifica
O Brasil figura entre os principais países plantadores de fumo e lidera o beneficiamento e a exportação do produto. As seis multinacionais que controlam a produção mundial de cigarros têm operações no país e movimentam globalmente a soma de US$ 700 bilhões/ ano. No Brasil, 150 mil famílias de pequenos produtores, em regime de contrato de integração cultivam o tabaco. Essa indústria representa uma tragédia humanitária no Sul do país.

Os trabalhadores do setor sofrem uma espécie de overdose de nicotina, absorvida pela pele na colheita das folhas. O suor, o orvalho e a chuva facilitam o contato da substância com a pele. O mal é conhecido como “doença da folha verde do tabaco” e causa dores de cabeça, tontura, náuseas e cólica. Ele dura alguns dias e pode afetar a mesma pessoa repetidas vezes. Quem desenvolve a doença chega a ter uma quantidade de cotinina (metabólito derivado na nicotina) na urina maior do que quem fuma.

Um estudo recente*, Ocorrência da doença da folha verde do tabaco e fatores associados entre fumicultores no Município de Dom Feliciano, Rio Grande do Sul, Região Sul do Brasil, publicado em agosto de 2020, avaliou a ocorrência da chamada “doença da folha verde” (DFV) em agricultores que produzem tabaco em Dom Feliciano, cidade do Rio Grande do Sul.

Dos 354 produtores de tabaco participaram do estudo, 122 deles (34,5%) tinham a DFV, sendo que a prevalência foi de 37% em homens e 31% em mulheres. Além disso, foi possível perceber uma associação da doença com fatores como exposição ao sol (por períodos de sete a oito horas ou mais de oito horas) e uso de pesticidas.

“O tempo médio de vida no cultivo de fumo é curto, o fumicultor não consegue resistir a tanta exposição a substâncias químicas. A mão de obra adolescente acaba ganhando preferência nas lavouras de tabaco”, diz a procuradora: “Mas, o MPT quer mudar isso, buscando a conscientização de todos os integrantes da cadeira produtiva, para melhorar as condições de trabalho e renda das famílias que vivem da fumicultura. para acabar com o trabalho infantojuvenil.”

A coordenadora nacional da Coordinfância (Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente), Ana Maria Villa Real destaca que o MPT decidiu criar o Grupo de Trabalho de Enfrentamento ao Trabalho Infantil na cadeia produtiva do tabaco porque, apesar de minimizarem o problema, Termos de Ajustamento de Conduta e Ações Civís Públicas, não foram suficientes para solucionar o chaga do trabalho infantil na cadeia de produção do fumo.

Trabalho infantil 

No Brasil, o decreto 6.481/2008 regulamentou os artigos 3º e 4º da Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o que colocou a produção do tabaco na lista das piores formas de trabalho infantil (TIP), portanto, proibidas para menores de 18 anos. Mesmo assim, crianças estão na cultura do fumo.

“As crianças que trabalham nas plantações de fumo têm 17 sintomas todos dias (tontura, fraqueza, náusea, vômito, entre outros). O contato com o tabaco prejudica seu desenvolvimento intelectual. São meninos de 18 anos com a capacidade de 5 anos de idade “, explica Margaret Matos de Carvalho.

A contaminação pelo agrotóxico no plantio de fumo é devastadora: causa redução de QI, autismo e má formação congênita. Em algumas cidades, a evasão escolar é altíssima. No Rio Grande do Sul, por exemplo, 90% dos fumicultores não terminam o ensino fundamental.

Rumo à morte

No começo dos anos 2000, um estudo nos Estados Unidos relacionou o trabalho de migrantes latinos na lavoura de fumo com a depressão. Em 2015, houve uma série de relatos de suicídio de plantadores de fumo do Estado de Andhra Pradesh, no sul da Índia.

No Brasil, a primeira suspeita de relação entre suicídio e plantio de fumo apareceu em 1996, quando um estudo gaúcho indicava como provável causa de suicídios em Venâncio Aires (RS), o elevado uso de agrotóxicos na fumicultura. “É uma depressão química. Não existe medicação que dê jeito, diferente de outros tipos de depressão, que podem ser tratados com remédio e psicoterapia”, explica Margaret de Carvalho.

*Estudo do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva; Fundação Oswaldo Cruz; e Secretaria da Saúde do Estado do Rio Grande do Sul”

Clique aqui e assista ao documentário

Fonte: MPT

Data original da publicação: 27/10/2020

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