‘Economizar’ no Bolsa Família é uma opção governamental de ampliar a exclusão de pessoas do programa

Imagem: Pixabay

Segundo a ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, mais de 1,5 milhão de famílias deixaram de receber o benefício”

Por Patricia Fachin e Ricardo Machado | Instituto Humanitas Unisinos

“O recuo na cobertura do Bolsa Família nos municípios mais pobres do país e o aumento das filas de espera para receber o benefício fazem parte de uma decisão política do governo Bolsonaro para “economizar”, diz Tereza Campello à IHU On-Line. “Não se trata apenas do aumento do número de famílias na fila; o governo está diminuindo o programa para economizar. Economizar no Bolsa Família é uma opção. Por isso a opção não é diminuir a fila, mas ampliá-la, excluindo pessoas diariamente do programa”, adverte. Segundo ela, a atual fila de espera é “sensível” porque as famílias que estão aguardando para receber o benefício já estão habilitadas. “Estamos falando de pessoas que entraram com a solicitação, seus dados já foram verificados e checados, e agora elas têm que receber, porque o benefício já foi reconhecido. Ou seja, a pessoa já atende aos critérios para recebê-lo”, explica.

A ex-ministra do governo Dilma afirma que o “orçamento da União não é menor agora” em relação ao que foi no passado e lembra que o custo do programa, 0,5% do PIB, “é marginal, residual perto do que o governo gasta em outras áreas”. Na avaliação dela, o aumento das filas não tem relação com a situação fiscal do Estado, mas com uma mudança de modelo em relação aos investimentos. “Trata-se de uma visão de que pobre é gasto”, menciona.

Na entrevista a seguir, concedida via WhatsApp à IHU On-LineTereza apresenta alguns dos resultados do Bolsa Família, como a redução da mortalidade infantil, do déficit de altura em mais de 50% das crianças atendidas e da tuberculose. “O programa tem um impacto na melhora da saúde das crianças beneficiadas e, consequentemente, na economia que faremos a longo prazo nesta área. Quanto custa não fazer isso?” E acrescenta: “Em 20 anos, se perde uma geração no Brasil”.”

Confira abaixo os principais trechos da entrevista

IHU On-Line – Qual sua percepção sobre a situação da fome e da miséria no Brasil de 2016 para cá, depois de ter trabalhado no enfrentamento dessas questões no Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome no período de 2011 a 2016 e na coordenação do Plano Brasil Sem Miséria? Há um retrocesso nessas questões? Se sim, quais são as causas?

Tereza Campello – Não só existe um retrocesso claro, como isso já está documentado pelo próprio Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. O Brasil virou uma referência em políticas de combate à pobreza não por questões ideológicas, mas graças a um combate efetivo e a resultados efetivos. Em 2003, o Brasil tinha em torno de 42 milhões de pessoas vivendo em situação de pobreza, segundo dados da Organização das Nações Unidas – ONU e esse número caiu para 14 milhões no final do governo da presidente Dilma. Esses dados já foram revertidos e a última informação que temos, de 2018, mostra que a pobreza já voltou a um patamar de 22 milhões se pessoas. Em três anos, o processo foi revertido, a pobreza aumentou muito e a extrema pobreza já voltou aos patamares de 2006.

É importante destacar por que conseguimos reduzir a pobreza. A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura – FAO diz que o sucesso das políticas no Brasil aconteceu porque as pessoas começaram a ter acesso à comida. O país não tinha falta de comida, ao contrário, mas a população não tinha acesso à alimentação porque não tinha renda. Portanto a melhora dos indicadores da fome tem muito a ver com a melhora dos indicadores da pobreza.

Por que a pobreza caiu no Brasil? As pessoas pensam que isso tem a ver com o Bolsa Família, mas o programa é apenas um pedaço disso – o menor pedaço. O grande responsável pela redução da pobreza foi o aumento do salário mínimo. Ao longo de 13 anos, o salário mínimo aumentou e isso permitiu que a população tivesse uma melhora no poder de compra. Também foram gerados 20 milhões de empregos formais e houve maior acesso da população à aposentadoria. Todas essas questões, junto com o desenvolvimento da agricultura, explicam como o Brasil, em tão pouco tempo, conseguiu sair do Mapa da Fome e reduzir a pobreza nesses patamares.

IHU On-Line – Que diferenças percebe no modo como o governo Bolsonaro tem tratado os programas sociais e as políticas públicas em seu governo em comparação com o período em que a senhora esteve no Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome no governo Dilma? As mudanças são circunstanciais do momento político e econômico ou ideológicas?

Tereza Campello – Não são circunstanciais porque nenhuma das mudanças em curso é conjuntural: a PEC do Teto dos Gastos Públicos é uma medida constitucional que nunca foi feita e que mexe em questões orçamentárias dentro da Constituição Federal. Essa PEC vai durar por 20 anos, congelando os gastos do governo em saúde, educação, assistência social, saneamento básico, energia, água; em 20 anos, se perde uma geração no Brasil. Não estamos falando de mudanças conjunturais por causa de um ajuste de câmbio ou uma crise. Se observarmos as mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, que tiveram e estão tendo um impacto na precarização do trabalho no Brasil e na desorganização do mercado de trabalho, levando à redução dos empregos e à instabilidade do trabalhador, veremos que se trata de uma reforma que é para sempre. Não são questões pontuais de caráter orçamentário ou de ajuste. Isso também ocorre com a reforma previdenciária, que muda o perfil da previdência.

Clique aqui e confira a entrevista completa

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos
Data original de publicação: 09/03/2020

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