Em decisão inédita, Justiça determina que baiano receba salário do Ifood até sair auxílio-acidente
Por Geovana Oliveira | Metro1
Yuri de Jesus, de 24 anos, foi atingido por uma bala perdida e ficou impossibilitado de trabalhar
Há cinco meses, Yuri de Jesus Monteiro, 24 anos, lida com o trauma de ter sido atingido por um tiro durante o trabalho, perder o movimento de uma das mãos e ainda sofrer uma redução drástica de sua renda mensal, sem qualquer tipo de auxílio. A empresa para a qual trabalhava, o aplicativo Ifood, nega ter obrigações trabalhistas com o entregador.
A juíza do Trabalho Viviane Christine Martins Ferreira, no entanto, pensa diferente. Em decisão publicada nesta terça-feira (12), a magistrada determinou que a empresa deve pagar o valor de um salário para Yuri, até que ele consiga o auxílio-acidente, através dos órgãos previdenciários, ou que recupere sua capacidade de trabalhar.
A antecipação de tutela foi pedida, em caráter de urgência, pelo projeto Caminhos do Trabalho, que entrou com processo na última sexta-feira (8). Uma parceria da Ufba com o Ministério Público do Trabalho da Bahia, o projeto auxilia gratuitamente trabalhadores para dar atendimento médico e assessoria jurídica.
“É uma decisão inédita no Brasil. Eles vão ter que pagar enquanto corre o processo, então se antes eles estavam enrolando, agora o tempo corre contra eles”, afirma o coordenador do projeto na Ufba, Vitor Filgueiras.
Yuri trabalhava fazendo entregas pelo Ifood, quando em 2 novembro do ano passado foi atingido por uma bala perdida. O nervo do seu braço esquerdo foi afetado e ele perdeu a sensibilidade e os movimentos nos dedos. O caso ocorreu por volta das 20h40, após finalizar sua última entrega e seguir para casa.
No percurso, entre a Regional e a Avenida Maria Lúcia, no bairro de São Marcos, em Salvador, enquanto desacelerava para passar em um quebra-molas, foi atingido por uma bala vinda de um carro que disparava para todos os lados. Mesmo ferido, continuou pilotando a moto até a UPA do bairro, onde deu entrada por volta das 21h07. Foi transferido ao HGE, cerca de 22h36. Foi internado no mesmo dia, e recebeu alta no dia 18.
Desde então, sem conseguir trabalhar, não recebeu qualquer assistência da empresa.
“Ele foi largado na rua da amargura pelo Ifood. Não fizeram nada com ele. Pedimos o benefício previdenciário para ele porque tem direito, mas o INSS não marcou até hoje a perícia. Entramos na Justiça do Trabalho, esperamos resposta da Previdência, e chegou nessa situação que não dá mais para esperar”, afirma Filgueiras.
A juíza determinou que deve ser considerada uma remuneração média mensal de R$ 853 para o entregador, montante que ele conseguia arrecadar enquanto trabalhava com o aplicativo.
De acordo com a magistrada, o valor deve ser pago porque “a prestação de serviços à margem das normas de proteção trabalhista, a sonegação de recolhimentos previdenciários, bem como o descumprimento de pagamento de seguro contra acidentes” colocaram o trabalhador em condição de vulnerabilidade, e como ele está incapacitado para o trabalho e sem renda, deve receber o auxílio.
Na decisão, Martins Ferreira cita ainda a “uberização” e o fenômeno da expansão de informalidade em regimes de trabalho como os do Ifood e outras plataformas digitais similares.
“Com efeito, a negativa de direitos fundamentais sociais a trabalhadores(as) em atividade em modelos de negócio das empresas de plataformas digitais chancela, ao que se vê em primeiro exame do processo, modelos contratuais que podem determinar pagamento de salário inferior ao mínimo legal e sem adicionais de periculosidade e insalubridade, desrespeito ao limite de jornada semanal, sem garantia do direito a descanso (semanal e anual), em negligência a normas de saúde, higiene e segurança, obstando, ainda, acesso às medidas de proteção social e desagregando trabalhadores(as) de modo a dificultar o direito à sindicalização, tudo em desalinho à ordem constitucional.”, afirma a juíza.
O Ifood tem cinco dias a partir da decisão para começar a pagar o salário mínimo.
“Tem sido muito difícil esse tempo todo sem conseguir trabalhar, com o braço quebrado, passando por muita dificuldade, pedindo força a Deus. Tenho uma filha e preciso ficar pedindo ajuda a um e a outro para poder sustentar. Com o braço quebrado, eu não tenho movimento do punho para mexer os dedos. Sigo fazendo fisioterapia duas vezes por semana, para poder melhorar a recuperação”, conta o entregador.
Questionado sobre voltar a trabalhar no Ifood após a recuperação, Yuri diz que quer trabalhar em um lugar onde tenha os seus direitos reconhecidos. Só voltaria caso houvesse uma proposta melhor, sem tamanha “vulnerabilidade”.
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Fonte: Metro1
Data original de publicação: 12/04/2022