Empresas escondem intoxicações de trabalhadores rurais por agrotóxico
Por Bruno Fonseca, Pedro Grigori, Thays Lavor | Agência Pública/Repórter Brasil
“Na última década, 7.163 trabalhadores rurais foram atendidos em hospitais e diagnosticados com intoxicação por agrotóxico dentro do ambiente de trabalho ou em decorrência da atividade profissional. É o que revelam dados da base de dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde, de 2010 a 2019, obtidos via lei de acesso à informação pela Agência Pública e Repórter Brasil. No entanto, mesmo com o diagnóstico médico, apenas 787 trabalhadores tiveram a comunicação de acidente de trabalho (CAT) enviada ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Desses, só 200 receberam auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez. (…)
A reportagem localizou 58 casos nos quais o agricultor intoxicado por agrotóxico morreu, mas o INSS não recebeu nenhuma notificação. E apenas um a cada 35 trabalhadores recebeu auxílio-doença do governo.
O médico, a empresa ou o trabalhador podem fazer a comunicação de acidente de trabalho ao INSS. Mas isso não está acontecendo. Apenas 11% das intoxicações confirmadas na última década foram informadas ao governo.
O levantamento faz parte de uma série de reportagens iniciada na última semana, que mostra o cenário de intoxicações por agrotóxicos no Brasil. (…)
Os dados também mostraram que são os trabalhadores informais as principais vítimas das intoxicações, 67% dos casos ocorreram com funcionários que não tinham carteira assinada, o que os impede de receber qualquer auxílio do governo.
Família luta há mais de uma década por indenização
Com carteira assinada ou não, muitas vezes os trabalhadores têm receio de denunciar as empresas ou simplesmente comunicar o caso ao INSS. “Mesmo na crise, a agricultura continua a crescer. Mas para os trabalhadores rurais a situação não muda”, conta Carlos Eduardo da Silva, assessor da Confederação Nacional dos Trabalhadores Assalariados Rurais (Contar). “Surgiu no mercado o ‘temporário permanente’. Ele trabalha todos os anos para o mesmo empregador, ou migra para a mesma região. E em casos de intoxicações, tem medo de denunciar ou procurar a Justiça para ter os direitos mínimos, pois sabe que se fizer isso no próximo ano não vai ser contratado para trabalhar”.
Gerlene Silva dos Santos, moradora do interior do Ceará, é a exceção. Ela decidiu ir à Justiça do trabalho após perder o marido para uma doença no fígado causada pela exposição aos agrotóxicos usados no cultivo de abacaxis. Ganhou a disputa nas três instâncias da justiça do trabalho contra uma multinacional norte-americana de alimentos, a Del Monte Fresh Produce. O processo foi encerrado em 2018. Porém, até hoje a viúva ainda não recebeu um centavo da empresa.
O caso ocorreu em Limoeiro do Norte, região de grande produção agrícola do estado. Vanderlei Matos da Silva era contratado e trabalhava no almoxarifado da Del Monte Fresh Produce desde 2006, e morreu em novembro de 2008, após ficar um mês internado no Hospital Universitário de Fortaleza.
Durante três anos, Vanderlei teve contato com 13 tipos de agrotóxicos utilizados em uma plantação de abacaxis. Ele não trabalhava com aplicação dos venenos, mas era o responsável por estocar, pesar e transportar os produtos utilizados na fazenda.
Vanderlei havia se tornado pai há um ano quando começou a apresentar os primeiros sintomas. Gerlene fica abalada ao relembrar o início da doença. “Tinha uns três meses que fizemos a festinha de aniversário do nosso filho quando a doença começou. A cor da pele e dos olhos dele começaram a ficar amarelados, a ponta dos dedos dele ficaram feridos, e percebemos que algo estava errado”, diz.
Um mês depois ele morreu por uma doença gerada no fígado. A causa da morte foi registrada pelo médico como “hepatopatia grave de provável etiologia induzida por substâncias tóxicas”. Diferente de grande parte dos casos, ele não apresentou sintomas de intoxicação aguda. A doença que o matou surgiu a partir do contato prolongado com os produtos.
O núcleo Tramas, formado por pesquisadores da Universidade Federal do Ceará que estudam os impactos dos agrotóxicos na região, colheu exames de sangue de funcionários de grandes empresas agrícolas. Do total de pesquisados, 48% apresentaram alterações hepáticas, que indicavam alguma anormalidade para as funções do fígado.
Como o caso dele foi registrado pelos médicos como acidente de trabalho, a viúva recebe indenização do INSS. Quanto à indenização da empresa, o advogado acredita que deve ser paga ainda este ano. “É um processo muito importante porque mostra aos trabalhadores rurais que é possível ir contra essas grandes empresas e vencê-las”, explica o advogado Cláudio Silva.
Em 2014 a Fresh Del Monte Produce tinha receita de mercado de quase US$ 4 bilhões e mais de 45 mil empregados pelo mundo. A reportagem tentou entrar em contato com a empresa, mas não obteve retorno até a publicação.
Os trabalhadores mais intoxicados são justamente os com menos direitos
A reportagem fez um mapeamento do perfil dos intoxicados no ambiente de trabalho a partir dos 7.163 casos confirmados. Cada registro é proveniente de uma ficha com 86 campos preenchidos a mão pelos médicos.
O trabalhador rural que mais sofreu intoxicações por agrotóxicos foi o responsável pela pulverização dos venenos, com quase metade das notificações. Os dados não mostram se o agricultor aplicava os produtos manualmente, por trator ou avião. Mas é possível saber que 53% das intoxicações ocorreram por via respiratória, e 29% via cutânea (pela pele). O problema ocorreu em lavouras de café, fumo, soja, milho e cana de açúcar. (…)”
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Fonte: Agência Pública
Data original da publicação: 21/09/2020