Entidade que reúne Uber e iFood distorce dados sobre renda em app, diz UFRJ
Por Carlos Juliano Barros | Uol Economia
Motoristas ganhando até R$ 4.756 e entregadores recebendo até R$ 3.039 para uma jornada de 40 horas semanais — já descontando os custos.
Essas estimativas sobre as remunerações das duas principais categorias de trabalhadores de aplicativo ganharam destaque no noticiário do dia 12 de abril.
Naquela data, foram publicados os resultados de um estudo encomendado pela Amobitec (Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia) — entidade que reúne os principais apps em operação no país, como 99, iFood e Uber — ao Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), organização especializada em pesquisas e políticas públicas.
“Os ganhos observados para as duas categorias são superiores ao salário mínimo e à remuneração média do mercado para pessoas com a mesma escolaridade”, dizia o release disparado pela assessoria de imprensa da Amobitec.
Porém, na semana passada, em meio à greve de motoristas reivindicando aumento no valor das corridas, pesquisadores da pós-graduação em Direito da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) produziram uma nota técnica apontando “graves inconsistências metodológicas” no estudo financiado pela Amobitec.
A análise feita pelo grupo Trab21 (Direito do Trabalho no Século XXI), obtida com exclusividade por esta coluna, coloca em xeque os dados sobre rendimentos divulgados pela entidade que representa os aplicativos.
“Uma análise da própria pesquisa demonstra que, na média, motoristas recebem entre R$ 1.056 e R$ 1.672 por mês, após custos, enquanto entregadores recebem entre R$ 480 e R$ 816”, afirma o documento.
O que explica essa diferença?
No texto de divulgação do estudo, a Amobitec afirma que “a renda líquida dos motoristas, já considerando os custos, para 40 horas semanais pode variar entre R$ 2.925 e R$ 4.756 por mês; para entregadores, entre R$ 1.980 e R$ 3.039”.
No entanto, segundo a nota do Trab21, há um erro nessa informação: os dados não dizem respeito a uma jornada de 40 horas semanais, mas sim a uma soma de 40 horas efetivamente gastas em corridas.
A questão é que, para alcançar 40 horas em corridas, os trabalhadores precisam ficar logados no aplicativo por muito mais tempo — é o chamado “tempo à disposição”. Isso se deve, dentre outros fatores, aos intervalos não remunerados entre o fim de uma viagem e o início de outra.
De acordo com os pesquisadores, da forma como foi divulgada pela Amobitec, a informação induz à interpretação equivocada de que motoristas — passando 8 horas por dia na rua, cinco dias da semana — podem ganhar quase R$ 5 mil líquidos.
“Como a base de cálculo da remuneração na pesquisa é o tempo em efetivo atendimento aos clientes, na prática, a remuneração média é bem menor do que foi divulgada, chegando inclusive a ficar abaixo do salário mínimo”, ressalva a nota técnica.
O que dizem os autores do estudo?
As plataformas associadas à Amobitec repassaram aos pesquisadores do Cebrap dados sobre a média de horas semanais gastas em corridas — de 22 a 31 para motoristas e de 13 a 17 para entregadores. Além disso, foram entrevistados 3 mil trabalhadores em todo o país.
Em outras palavras, os pesquisadores do Cebrap não tiveram acesso aos sistemas internos dos aplicativos. Isso permitiria, por exemplo, calcular com precisão o tempo total que os trabalhadores ficam logados à disposição das plataformas, para além das corridas.
“A gente identificou que existia uma oscilação na jornada de trabalho das pessoas, em função de diversos aspectos da vida pessoal e do próprio trabalho. Era difícil fazer uma estimativa a partir dos dados que a gente tinha. Então, a gente preferiu trabalhar com cenários”, explica Victor Callil, pesquisador do Cebrap.
Assim, o estudo projetou uma escala de rendimentos com base em diferentes intervalos entre as corridas. Porém, na avaliação do Trab21, um dos problemas da pesquisa é a divulgação de dados para uma jornada de trabalho sem intervalos. Segundo o estudo, um motorista só alcançaria R$ 4.756 mensais se estivesse o tempo todo conduzindo um passageiro.
“Existe uma impossibilidade lógica de um trabalhador ficar cem por cento de seu tempo em corrida, dado o tempo necessário ao encerramento de uma corrida e o deslocamento até o próximo passageiro, ou o próximo restaurante. Assim, toda estimativa de remuneração com 100% do tempo em atendimento aos clientes é falsa, apesar de ter sido divulgada”, critica a nota técnica do Trab21.
Callil diz que o estudo do Cebrap não é uma da “defesa” do trabalho em aplicativos e que o objetivo é “promover discussão”. Ele afirma ainda que a pesquisa também traz dados preocupantes, como o que aponta que, a cada quatro entregadores, um já sofreu acidente no trânsito. “Não há nenhuma política pública para isso”, diz o pesquisador.
Ele também afirma ter “segurança sobre o desenho metodológico” da pesquisa e questiona o cálculo feito pelo Trab21 para afirmar que a remuneração de motoristas e entregadores pode ficar abaixo do salário mínimo.
“O exercício que eles fizeram não cabe ser feito dessa forma. A estimativa do tempo médio em corrida é uma média geral — e a gente tem vários tipos de jornada”, afirma.
O que diz a associação dos aplicativos?
Por meio de nota, a Amobitec afirma que houve “incompreensão” do Trab21 sobre a metodologia do estudo. “Para sustentar a afirmação de que a pesquisa revelaria remuneração abaixo do salário mínimo, foi multiplicado um valor de horas médias para se chegar em um cálculo mensal, o que é um equívoco estatístico”, diz o texto.
Ainda segundo a Amobitec, “o estudo do Cebrap revela que, mesmo nos cenários de maior ociosidade, o ganho de motoristas por hora é de pelo menos R$ 12, e o de entregadores de R$ 10, ambos valores superiores ao salário mínimo horário (R$ 7,27/hora, considerando valores de férias e 13º)”.
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Fonte: Uol Economia
Data original de publicação: 22/05/2023