Entregadores se unem por melhores condições de trabalho nos aplicativos: ‘Entrego comida com fome’, diz ciclista

Imagem: Unsplash

Por Bárbara Muniz Vieira | G1 SP

“Entregadores de serviços de delivery da Grande São Paulo têm se juntado para pedir melhores condições de trabalho aos aplicativos para quem prestam serviço.

As reclamações dos entregadores em geral são três: a queda no valor das taxas de remuneração, que têm caído na medida em que aumenta a quilometragem e o número de entregas pelo valor pago, os bloqueios indevidos e sem justificativas dos profissionais, que podem ficar dias sem trabalhar e sem saber o motivo, e o sistema de pontuação de ranking, que é o que define os dias e a área em que o entregador pode atuar, por exemplo.

(…)

“O pessoal esquece que um motoboy faz de 10 a 20 entregas por dia, então ele tira 20 pessoas por dia das ruas. Mas os aplicativos estão explorando isso pagando menos, bloqueando sem justificativa… Não queremos que acabem os aplicativos e não queremos ser ricos, queremos apenas um valor justo pelo nosso trabalho”, afirma o motoboy Diógenes Silva de Souza, 43 anos.

Os entregadores, porém, reivindicam apenas o direito a ter um vale-refeição, segundo Paulo Roberto da Silva Lima, de 31 anos. Conhecido como Gallo, o motoboy ganhou popularidade ao gravar vídeos expondo as condições de trabalho que viralizaram na internet.

“Já trabalhei com fome várias vezes carregando comida nas costas. As reivindicações dos entregadores antifascistas são ligadas à nossa comida. Não abraçamos outras pautas porque acreditamos que é uma luta por vez e em primeiro lugar é nossa alimentação para dar sequência a outras. Somos antifascistas porque acreditamos que o fascismo é quando um poder maior não deixa os poderes menores interagirem e extingue o diálogo. O fascismo vai de encontro à própria democracia”, afirma Gallo.

O ciclista Tiago Camargo Bonini, de 28 anos, trabalha como entregador há um ano quando perdeu o emprego como mecânico automotivo. Ele sai de Diadema, na Grande São Paulo, e chega a rodar 100 km por dia com a bicicleta para fazer as entregas. Tiago conta que come arroz e feijão de manhã antes de sair de casa e só come de novo à noite, quando chega em casa. “Trabalho com fome entregando comida todos os dias”, afirma.

Outro entregador que prefere não se identificar por medo de retaliações passou a fazer parte do grupo por se identificar com o tema e achar injusta a condição de trabalho.

“Nós trabalhamos na rua e não temos condições de comprar comida todos os dias e nem trazer marmita de casa porque estraga. Queremos o direito de comer. Falam que somos mortos de fome, mas quem trabalha em escritório tem VR, porque não podemos ter também?”, diz o entregador.

Os aplicativos não têm relação de emprego formal com os trabalhadores dessas plataformas. Embora existam processos que busquem estabelecer vínculo empregatício, o atual parecer do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é que não há relação formal entre esses prestadores de serviços e aplicativos como Uber, iFood, Rappi e 99. Neste ano, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) tomou parecer semelhante, levando em conta a ausência de subordinação como argumento.

A falta de vínculo entre os aplicativos e os entregadores torna mais difícil estender a eles direitos comuns a outros trabalhadores. Além de não terem direito a vale-refeição, vale-transporte e férias remuneradas, fica com esses trabalhadores o prejuízo de cancelamento de entregas, por exemplo.

Remuneração pela metade:

“Se eu já saí do restaurante com a comida e o cliente cancela o pedido, eu tenho de arcar com o valor integral do pedido. Então se é um pedido de R$ 100, por exemplo, eu vou ficar devendo aquela valor pro aplicativo. Muitas vezes a gente não ganha nada no dia e ainda fica devendo”, diz Tiago.

O aumento do desemprego em todo o país pode ter contribuído para aumentar a quantidade de profissionais que viram nas entregas uma fonte de renda. Só o iFood tem cerca de 170 mil entregadores em todo o Brasil e viu o número de candidatos a vagas de entregador da plataforma mais que dobrar em março. De acordo com os entregadores, com o aumento da demanda, os aplicativos de entrega passaram a pagar menos pelo serviço e a exigir mais dos profissionais.

“Tem muita gente perdendo o trabalho e comprando uma motinha parcelada com o seguro-desemprego, então aumentou muito a quantidade de motoboys nas ruas. Até por isso os aplicativos estão usando o excesso de mão de obra para abusar nos bloqueios e diminuir a remuneração”, opina Diógenes.

O aumento de motoboys nas ruas também pode ser um dos motivos do aumento de mortes deles no trânsito. Em maio, as mortes de motociclistas na cidade de São Paulo aumentaram 37,9% enquanto que, no estado, foi de 7,2%.

Mas se engana quem pensa que os entregadores estão lucrando mais com o aumento dos pedidos de entrega desde o início do isolamento social. De acordo com Diógenes, a remuneração caiu pela metade.

“Por exemplo, antes eram R$10 para andar 5 ou 6 km, agora é R$ 5. Eu não aceito, mas tem outro cara que vai lá e aceita, sempre vai ter alguém para aceitar. Não se ganha o que ganhava 2 anos atrás, quando você trabalhava oito horas por dia para ganhar R$100 por dia. Hoje em dia você tem de trabalhar 14, 15 horas por dia para tirar isso”, relata ele.

Contato com Covid-19:

Outra reclamação dos entregadores ouvidos pela reportagem é o bloqueio deles do sistema de entregas dos aplicativos e a falta de diálogo com essas empresas.

Um motoboy que prefere não se identificar conta que foi bloqueado pela Rappi por se negar a fazer uma entrega diretamente a uma pessoa com Covid-19.

“Quando cheguei no lugar de entrega fui avisado pelo porteiro que me aconselhou a não subir por esse motivo. Avisei o cliente que iria entregar na portaria, mas ele achou ruim porque queria que eu subisse. Falei que não iria subir e entreguei na portaria, mas fui bloqueado logo depois pelo aplicativo. Tentei falar com eles, mas não me responderam”, afirma.

De acordo com a Rappi, os bloqueios na plataforma “são restritos ao não cumprimento dos Termos & Condições” e a empresa diz que comprou álcool em gel e máscaras para os entregadores parceiros e que vem “intensivamente distribuindo.”

Sobre a entrega para clientes com Covid-19, a Rappi diz que desenvolveu e colocou em prática a “entrega sem contato”, sistema em que os entregadores deixam o pedido na porta do cliente e se afastam para evitar a proximidade. Além disso, a empresa disse estar incentivando o pagamento via aplicativo para evitar o contato com cédulas de dinheiro. (…)

“Eles não querem ter vínculo com a gente, mas querem nos obrigar a ter vínculo com ele, nos encurralam. Às vezes a entrega é muito longe para ganhar muito pouco, mas se não fizer, fica sem trabalhar o resto do dia. Não é um castigo formal, não mostra na tela que você foi bloqueado porque recusou, a gente chama de bloqueio branco”, explica Tiago.

Alguns dos entregadores também desconfiam que foram bloqueados por participar da manifestação no domingo (14). Eles protestaram contra as condições de trabalho e pediram melhorias.

“Querem nos vender a ideia de que somos autônomos, mas eles que falam onde e quando você tem de trabalhar. Eles nem te falam o motivo, falam que você está bloqueado e pronto”, afirma Diógenes. (…)

/Confira a reportagem completa

Fonte: G1

Data original da publicação: 21/06/2020

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