Entrevista – É preciso repensar o tamanho da Justiça do Trabalho, afirma Gilmar
Por Rayane Fernandes e Tiago Angelo | Conjur
O ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo Tribunal Federal, defende uma ideia controversa: nos próximos dez anos, será necessário discutir o tamanho da Justiça do Trabalho, levando em conta a possibilidade de parte das ações que discutem as novas relações de trabalho passar a ser de atribuição da Justiça comum.
“Tenho a visão de que a Justiça do Trabalho vai continuar sendo importante no Brasil, considerando as nossas assimetrias regionais. Mas talvez ela esteja superdimensionada. Já tivemos debates sobre se acidente de trabalho ficaria na Justiça do Trabalho ou na Justiça comum, por exemplo. É questão de ajuste e em pouco tempo isso se fará”, afirmou o magistrado em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico e ao Anuário da Justiça Brasil 2024, que será lançado em maio no Supremo Tribunal Federal.Leia mais
Essa declaração chega em um momento de crescente tensão entre o Supremo e o Tribunal Superior do Trabalho, por causa de decisões sobre o vínculo empregatício de motoristas e entregadores com plataformas como Uber e IFood. O STF entende que não há vínculo, enquanto a Justiça do Trabalho muitas vezes decide em sentido oposto. Por enquanto, as decisões estão sendo reformadas por meio de reclamações ao Supremo, que já reconheceu a repercussão geral do tema e pode encerrar a discussão de uma vez por todas.
O ministro também comentou as decisões sobre a chamada “pauta de costumes”, que por vezes geram reações do Congresso, o uso de inteligência artificial nos tribunais e os julgamentos virtuais, que, segundo Gilmar, vieram para ficar.
Leia a seguir a entrevista:
ConJur — Qual é o papel da Justiça do Trabalho no contexto de flexibilização das relações de emprego?
Gilmar Mendes — Tenho a impressão de que avançamos muito, graças inclusive à reforma trabalhista do governo Michel Temer. Muitas questões foram legisladas ali, como o trabalho temporário. Havia uma questão que se arrastava muito e gerava muita polêmica — e ainda gera alguma no TST —, que é a questão dos terceirizados e o que era para determinadas empresas atividade-fim e atividade-meio. Isso agora está pacificado graças à jurisprudência do Supremo, mas ainda chegam muitas reclamações com a afirmação de que o TST está descumprindo decisões do Supremo. E agora temos a questão dos aplicativos e dessa flexibilização.
Tenho a visão de que a Justiça do Trabalho vai continuar sendo importante no Brasil, considerando as nossas assimetrias regionais. Mas talvez ela esteja superdimensionada. Temos 24 Tribunais Regionais do Trabalho, temos mais de mil procuradores do Trabalho. Talvez tenha havido um superdimensionamento. Talvez tenhamos de discutir isso no futuro e nos concentrar naquilo que é relevante. A grande pergunta que se fará no futuro é que órgão judicial vai decidir esses conflitos que virão das relações não mais de emprego, mas nas relações de trabalho em geral, como, por exemplo, o que chamam de uberização. Se isso irá para a Justiça do Trabalho ou para a comum. O próprio governo acabou de dar um passo importante ao mandar um projeto de lei ao Congresso, tentando dar alguma regulamentação ao trabalho envolvendo aplicativos.
“A grande pergunta que se fará no futuro é que órgão judicial vai decidir esses conflitos que virão das relações não mais de emprego, mas nas relações de trabalho em geral, como por exemplo o que chamam de uberização. Se isso irá para a Justiça do Trabalho ou para a comum.”
Explosão de processos
Na entrevista, o ministro também falou sobre o grande número de ações em curso no país — mais de 80 milhões em 2023, segundo dados do “Justiça em Números”, do Conselho Nacional de Justiça. Apesar desse número gigantesco, Gilmar mantém o otimismo, pois acredita que o Brasil passará por um processo de desjudicialização, que já está em curso, segundo ele.
“Nós éramos uma sociedade que não litigava muito. E há uma explosão depois de 1988, o que inicialmente fala bem do sistema e da busca de reconhecimento de direitos. Mas passou a ser algo preocupante quando falamos de cerca de cem milhões de processos tramitando. É quase um processo para cada dois habitantes do país.”
“Em questões do consumidor, por exemplo, às vezes o sujeito se sente lesado na compra de produtos ou no atendimento. Será que não seria melhor enfatizar a arbitragem pelo Procon? É uma experiência positiva no Brasil. Nos casos de consumidores insatisfeitos, poderia haver uma composição que não precisasse chegar ao Judiciário”, prossegue o decano do STF.
O ministro também comentou as decisões sobre a chamada “pauta de costumes”, que por vezes geram reações do Congresso, o uso de inteligência artificial nos tribunais e os julgamentos virtuais, que, segundo Gilmar, vieram para ficar.
Leia a seguir a entrevista:
ConJur — Qual é o papel da Justiça do Trabalho no contexto de flexibilização das relações de emprego?
Gilmar Mendes — Tenho a impressão de que avançamos muito, graças inclusive à reforma trabalhista do governo Michel Temer. Muitas questões foram legisladas ali, como o trabalho temporário. Havia uma questão que se arrastava muito e gerava muita polêmica — e ainda gera alguma no TST —, que é a questão dos terceirizados e o que era para determinadas empresas atividade-fim e atividade-meio. Isso agora está pacificado graças à jurisprudência do Supremo, mas ainda chegam muitas reclamações com a afirmação de que o TST está descumprindo decisões do Supremo. E agora temos a questão dos aplicativos e dessa flexibilização.
Tenho a visão de que a Justiça do Trabalho vai continuar sendo importante no Brasil, considerando as nossas assimetrias regionais. Mas talvez ela esteja superdimensionada. Temos 24 Tribunais Regionais do Trabalho, temos mais de mil procuradores do Trabalho. Talvez tenha havido um superdimensionamento. Talvez tenhamos de discutir isso no futuro e nos concentrar naquilo que é relevante. A grande pergunta que se fará no futuro é que órgão judicial vai decidir esses conflitos que virão das relações não mais de emprego, mas nas relações de trabalho em geral, como, por exemplo, o que chamam de uberização. Se isso irá para a Justiça do Trabalho ou para a comum. O próprio governo acabou de dar um passo importante ao mandar um projeto de lei ao Congresso, tentando dar alguma regulamentação ao trabalho envolvendo aplicativos.
Tenho a impressão de que aqui haverá um certo diálogo entre a legislação e o que o Judiciário terá condições de construir. Mas acho que esse é um tema para os próximos dez anos: o que será a Justiça do Trabalho, levando em conta as mudanças daquilo que chamamos de empregos tradicionais. Todos anunciam as mudanças radicais nesse campo, e há atividades que desaparecem. O mundo do trabalho está vivendo uma verdadeira revolução e isso certamente terá efeitos sobre os empregos tradicionais e sobre a própria forma das relações de emprego e de trabalho.
ConJur — A Justiça do Trabalho recebe uma quantidade enorme de processos a cada ano. Como poderia ser feito esse redimensionamento?
Gilmar Mendes — É tudo questão de ajustes. Já tivemos debates sobre se acidente de trabalho ficaria na Justiça do Trabalho ou na Justiça comum. É questão de ajuste e em pouco tempo isso se fará. E em pouco tempo vamos viver, e já estamos vivendo, um momento de desjudicialização. Muitos casos, que antes eram causas, estão sendo resolvidos no âmbito cartorial. Como as separações. E esse é um bom fenômeno, porque as pessoas conseguem resolver por autocomposição uma série de questões que antes eram infindáveis. Podemos ter soluções muito mais simples e bem encaminhadas sem a intervenção desse amplo aparato judicial.
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Por Rayane Fernandes e Tiago Angelo | Conjur
Data original de publicação: 01/04/2024