Estrangulando trabalhadores e mercados da cultura: entrevista com Rebecca Giblin
Por Digilabour
Em algum momento, disseram que a competição era central para o capitalismo, mas o que estamos vendo são monopsônios. Este é o argumento de Recca Giblin e Cory Doctorow no livro Chokepoint Capitalism: how Big Tech and Big Content Captured Creative Labor Markets and How’ll Win Then Back. Em tradução literal, é um capitalismo de “pontos de estrangulamento”, sufocando a concorrência.
A obra aborda especialmente como esses pontos de concorrência tem afetado os mercados e os trabalhadores na área da cultura – ou os chamados “criativos”, focando em empresas como Spotify, Amazon e Youtube. Além disso, oferece possíveis soluções para a área, reconhecendo os limites de cada uma, desde leis antitrustes até plataformas cooperativas.
Rebecca Giblin, uma das autoras e professora de Direito na Universidade de Melbourne, concedeu entrevista a Rafael Grohmann sobre o livro, abordando o conceito de pontos de estrangulamento, o mercado da música, o papel das plataformas e as possibilidades e dificuldades na construção de alternativas genuínas.
DIGILABOUR: Quais as diferenças entre o capitalismo de “pontos de estrangulamento” e outras terminologias em relação ao capitalismo, como capitalismo de vigilância e capitalismo de plataforma? O que há de específico ou novidade aqui?
REBECCA GIBLIN: O que realmente estamos tentando compreender é esse fenômeno em que, embora seja capitalismo, a questão da competição é central. O que vimos nos últimos 40 anos foram declínios nisso, e até mesmo uma lei antitruste vinda dos Estados Unidos que meio que presume que os monopólios são eficientes e benéficos, e que menos concorrência pode ser uma coisa boa. Nós vimos Warren Buffett [um dos principais investidores do mercado financeiro nos Estados Unidos] saindo salivando sobre empresas que têm o que ele chama de “amplos fossos sustentáveis”. E o que ele quer dizer com isso é que elas são capazes de impedir que os concorrentes entrem e reduzam seus lucros. Nós vimos Peter Thiel [investidor de capital de risco] dizendo coisas como “competição é para perdedores”. Essa é a ortodoxia agora ensinada nas escolas de negócios! O que todos eles estão tentando fazer é criar esses pontos de estrangulamento. Então, em vez de ter um fluxo livre entre compradores e vendedores ou entre públicos e criadores, o que eles estão fazendo é tentar criar esses mercados em forma de ampulheta que têm públicos ou compradores em uma extremidade e criadores ou vendedores na outra. Em seguida, eles se agacham de forma predatória no pescoço, onde são capazes de extrair mais do que sua parcela justa de valor. Então, o que queremos é mostrar que isso não é capitalismo. Essa é uma prática predatória cada vez mais comum em praticamente todos os mercados, mas particularmente óbvia nos mercados de trabalho criativos. E eles estão sendo usados para abalar todo mundo.
DIGILABOUR: No livro, vocês discordam que as chamadas plataformas sejam o problema. Por que?
GIBLIN: Em primeiro lugar, há muitas coisas diferentes que são chamadas de plataformas, e também falamos sobre isso no livro. Entendemos que não faz sentido culpar as plataformas porque existem tantos tipos diferentes com tantos recursos diferentes, e todo mundo está falando sobre algo diferente. Se você está falando sobre as principais plataformas de tecnologia como YouTube e Amazon, esses são alguns dos principais culpados na criação de pontos de estrangulamento que eles estão usando para abalar todo mundo, mas também gravadoras, agências de talentos de Hollywood, grandes rádios nos Estados Unidos, que usam seus lucros de monopólio para apoiar esforços de lobby que derrotaram literalmente dezenas de projetos de lei que teriam sido usados para pagar artistas pelo uso de suas músicas no rádio. Os Estados Unidos fazem isso. Apenas um pequeno punhado de países como Irã, Ruanda e Coréia do Norte que não fazem isso. Portanto, é uma maneira muito estreita de ver as coisas dizer que são as plataformas que são o problema e também uma maneira muito ampla de ver isso porque as plataformas abrangem todos os tipos de coisas diferentes. O que queremos atingir é a conduta predatória, a conduta anticompetitiva que está sendo usada para extrair mais do que uma parte justa. E certamente, como explicamos no livro, achamos que essas grandes plataformas de tecnologia são certamente as maiores culpadas no momento.
DIGILABOUR: O que mais te surpreendeu durante o processo de pesquisa para o livro?
GIBLIN: Acho que o que nos surpreendeu é que sabíamos que as coisas estavam ruins, mas não sabíamos o quanto. Na verdade, o que estamos ouvindo de um monte de leitores agora que saiu o livro é que, após lerem a primeira parte do livro – em que propusemos a persuadir os leitores de que são os pontos de estrangulamento que são o problema e demonstrar como eles foram construídas em todas essas diferentes indústrias culturais – elas estão incrivelmente cheias de raiva, porque elas não estavam apenas surpresas em relação ao tamanho das coisas, mas com o abalo sistemático que está acontecendo em todas as indústrias criativas. Em qualquer lugar que alguém tenha poder suficiente para abalar os trabalhadores criativos, eles estão fazendo isso, e acho que provavelmente, provavelmente uma das maiores surpresas foi a variedade de setores em que as empresas estão usando exatamente o mesmo manual. Podemos olhar para a Amazon e seu diagrama, descrito como um ciclo virtuoso. Eu acho que esta é uma maneira muito boa de entender o que está acontecendo, mas também a surpresa de estar em todos os lugares. Eles falam sobre ter uma estrutura de custo mais baixa, o que leva a preços mais baixos e melhora a experiência do cliente e gera tráfego, atrai mais vendedores, aumenta a seleção, mas também contribui para essa estrutura de custo mais baixa. É delicioso. Quem pode reclamar disso? É tão eficiente e maravilhoso. Mas estávamos analisando todos esses setores diferentes e analisamos livros, e-books, audiolivros, gravação de música, composição de músicas, streaming de música, venda de ingressos de música, promoção de música e muitos outros. O que vimos é que todos eles estavam usando o mesmo manual, mas não era isso que estava acontecendo. O que realmente estava acontecendo é que não era um ciclo virtuoso, mas anticompetitivo, onde o que todos estão se preparando para fazer é, antes de mais nada, ter tudo quanto é tipo de usuários, o máximo que puderem. Devido à natureza do poder de monopsônio, é um pouco diferente do monopólio, e pode se tornar problemático em concentrações de mercado muito mais baixas. Portanto, 8% ou 10% do mercado já podem dar ao comprador muita capacidade de controlar os termos. Uma vez que eles tenham alguns usuários logados, eles usam isso para bloquear seus fornecedores e, em seguida, usar os lucros disso ou as receitas geradas ou o acesso aos mercados de capitais que eles obtiveram com a perspectiva de poder ter todos presos e, assim, eliminar a concorrência. Uma vez que esse ciclo continua girando, a situação é que eles estão forçando seus trabalhadores e fornecedores a aceitar preços injustamente baixos. A surpresa foi a universalidade do manual, mas talvez não devesse ter sido surpreendente porque, como falei no início, é exatamente isso que está sendo ensinado nas escolas de negócios.
Clique aqui e acesse a entrevista completa
Fonte: Digilabour
Data original de publicação: 22/12/2023