Excluídos do ensino remoto, crianças e adolescentes de todas as regiões brasileiras foram empurrados para o trabalho

Imagem: Unsplash

Por Joana Suarez, Luiza Muzzi e equipe LC | Repórter Brasil

“O ano é 2020: três irmãos de 12, 13 e 14 anos pediam dinheiro nos arredores de um shopping em São Luís, no Maranhão. No Sul do Brasil, em Barra do Ribeiro (RS), um menino de 14 anos aumentou a jornada na roça do pai e dos vizinhos. Em um engenho de cana no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, um garoto de 13 anos teve a mão amputada ao sofrer um acidente operando máquina. Também na zona rural, agora do Centro-Oeste, 14 adolescentes estavam sendo escravizados no campo. Na outra ponta do país, ao Norte, uma criança de 10 anos limpava a casa dos patrões da mãe, faxineira no Amapá.

Quando os portões das escolas se fecharam, em março de 2020, para proteger a população do coronavírus, as portas da miséria, da vulnerabilidade e de outras violências se escancararam para crianças e adolescentes por todo o Brasil. Excluídos do ensino remoto, muitos foram empurrados para o perigoso mundo do trabalho infantil.

Em todas as regiões brasileiras, o projeto Lição de Casa – que faz uma cobertura independente dos impactos da pandemia na educação brasileira – encontrou pelo menos 70 meninos e meninas de 10 estados e do Distrito Federal que foram vítimas de exploração do trabalho infantil no primeiro ano da pandemia da Covid-19 Durante três meses, a reportagem entrevistou, além das vítimas do trabalho precoce, cerca de 20 profissionais de seis estados, entre professores, pesquisadores, conselheiros tutelares, auditores fiscais do trabalho e procuradores do Ministério Público do Trabalho, além de representantes de entidades ligadas à infância e adolescência, como o Fórum Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil, a Unicef e a Organização Internacional do Trabalho. Veja aqui o resultado completo da investigação.

Os especialistas são unânimes em dizer que o trabalho infantil foi ampliado durante a crise sanitária e econômica causada pela pandemia. O fechamento das escolas, por conta do isolamento social, agrava o quadro. 

No primeiro semestre de 2020, o Disque 100 (Direitos Humanos) recebeu, em média, 10 denúncias por dia referentes à exploração da mão de obra infantil. O dado inédito, obtido pela reportagem via Lei de Acesso à Informação, aponta que em todo o país foram 1.859 registros em seis meses. Apesar de aparentar uma pequena queda comparado a 2019 – quando foram registradas 11 denúncias diárias –, o número do ano passado é considerado alto pelos especialistas, justamente por estar subnotificado em uma época atípica de isolamento social. 

Dos episódios encontrados pela reportagem, muitas das crianças estavam trabalhando em busca de comida, por conta do agravamento da crise econômica. Maia*, de 13 anos, passou por cima do sofrimento com a morte da avó, que pegou covid, em meio aos sanduíches que fazia e entregava nas ruas de Recife. A renda da casa caiu muito sem a aposentadoria da avó e após o desemprego da mãe diarista. A menina praticamente trocou a noite pelo dia, e os estudos, a essa altura, se reduziram a ajudas virtuais de colegas para que ela passasse de ano. 

Sem a escola, sobrou para Vinícius* e Ricardo*, irmãos de 10 anos, vender os salgados, feitos pela mãe, na praça central da cidade de São Borja. A família de oito filhos vive em um assentamento no Rio Grande do Sul. A calçada de um supermercado em Belo Horizonte substituiu a sala de aula nas manhãs e tardes de Kevin*, de 7 anos. Lá, ele recebia uns trocados carregando sacolas com as compras e comidas dos clientes. 

“Precisamos agir rápido. Antes já havia um ‘gap’ enorme entre os alunos da escola privada e os da pública. Com a pandemia, essa distância vai aumentar ainda mais”, destaca Maria Cláudia Falcão, coordenadora do Programa de Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho do Escritório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil. 

Essa lacuna se aprofunda ainda mais com o abandono escolar inflamado pela crise sanitária e econômica. Pesquisa do Datafolha mostrou que pelo menos 10,6% dos estudantes das classes D e E abandonaram as escolas na pandemia. Já a Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio (Pnad Contínua) do IBGE de 2019 revela que, dos 1,8 milhão de crianças e adolescentes, com idades entre 5 e 17 anos em situação de trabalho precoce, 66% eram pretos ou pardos. Os dados referentes a 2020 ainda não foram divulgados pelo IBGE, mas especialistas acreditam que os números não reflitam a realidade por conta principalmente da subnotificação.

“A sociedade brasileira é muito conivente com o trabalho infantil . De todas as violações de direitos, essa é a mais aceita”, afirmou Tânia Dornellas, assessora do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI). 

DISTANTE DO OLHAR PROTETOR DOS EDUCADORES

A ausência de estatísticas sobre o ano passado, a subnotificação e a falta de ações governamentais tornam-se ainda mais graves somadas ao afastamento dos alunos do olhar atento de um professor. Eram os educadores que acolhiam quando a casa e a rua oprimiam. A distância e as telas intermediando o contato tornaram-se barreiras para essa relação de afeto e cuidado.  

O professor Gilberto Bazilewicz conseguia, olhando as mãos calejadas dos seus alunos, perceber aqueles que estavam trabalhando pesado nas lavouras em Barra do Ribeiro, município rural que fica a 56 km de Porto Alegre. Ele aprendeu a reconhecer o que viveu na própria infância. Gilberto abandonou a escola aos 14 anos pela lida no campo. Desde os 10 morava em uma fazenda onde recebia abrigo, comida e dinheiro em troca de mão-de-obra. 

Quando os meninos estavam na escola, havia ao menos um turno dedicado ao aprendizado. Os educadores sentem o quanto foi perdido por conta do fechamento das escolas durante a pandemia, e ainda não sabem se será possível recuperar. “Alguns [estudantes] já me disseram que conseguiram trabalho na pandemia, não vão voltar para a escola”, contou Gilberto.

Entre as crianças que a reportagem encontrou, várias foram forçadas ao trabalho por conta dessa maior vulnerabilidade fora da escola. Manuela*, de 12 anos, filha de catadores no Rio Grande do Sul, estava entregando as atividades em branco e os professores souberam que ela catava latinhas nas ruas para não ficar sozinha em casa. 

Em Macapá, a pequena Catarina* tinha compromissos incompatíveis com seus 11 anos de vida. Vendia doces, cuidava da irmã mais nova e trabalhava em um espetinho à noite. Nem se ela quisesse ou os professores ajudassem, seria possível, com essa rotina, assistir aulas de manhã pela tela quebrada do celular. “Mamãe não podia trabalhar, aí eu resolvi começar a vender bolo e cupcake aqui na ponte”, contou a criança de cabelos cacheados,, que conseguiu juntar R$ 150 em um mês para as compras de casa. O dinheiro foi boa parte do sustento da família quando a mãe pegou covid trabalhando de faxineira informal. 

A reportagem procurou o Ministério da Educação para saber quais foram as ações nacionais para combater a evasão escolar. A pasta destacou duas medidas: um webinário em parceria com o Unicef para promover a busca ativa dos alunos, e um plano emergencial de contribuição financeira com as escolas para elas se reestruturarem para o retorno presencial. A pasta, no entanto, não informou os valores investidos no plano emergencial. (…)”

Clique aqui e leia a reportagem completa

Fonte: Repórter Brasil

Data original da publicação: 22/03/2021

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