Igualdade de gênero no mercado de trabalho poderia trazer benefícios à economia
Número de mulheres no mercado de trabalho tem crescido na última década.
Por Leonardo Oberherr
Estamos longe de obtermos a tão sonhada igualdade de oportunidades e remuneração entre homens e mulheres no mercado de trabalho. Embora esteja previsto na Lei 1.723/1952 que “sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor prestado ao mesmo empregador, na mesma localidade, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, nacionalidade ou idade”, a realidade é totalmente diferente.
De acordo com dados da pesquisa realizada pelo CEMPRE (Cadastro Central de Empresas) do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas), em 2019, as mulheres recebiam em média, mensalmente, 17,5% a menos que os homens, de modo geral. O salário médio dos homens, naquele ano, foi de R$3.188,03, enquanto o das mulheres, R$2.713,92. Já em relação aos postos de trabalho, os homens ocuparam 55,2% dos trabalhos assalariados, enquanto as mulheres, 44,8%.
Os números apenas colaboram para exemplificar a atenuante disparidade entre ser homem e ser mulher para o mercado de trabalho. Porém, ainda de acordo com a pesquisa CEMPRE, essa diferença tem diminuído, mesmo que de forma lenta. Em 2018, o número de postos de trabalho assalariados ocupados por homens era de 55,4%, enquanto as mulheres ocupavam 44,6%.
A discrepância no mercado não se dá apenas pelo fato de gênero, e sim de outras situações que agravam ainda mais o problema. Se compararmos a outros fatores, como a etnia, a disparidade é ainda maior. De acordo com a pesquisa Diferenciais Salariais por Raça e Gênero para Formados em Escolas Públicas ou Privadas publicada em 2020, um homem branco com ensino superior concluído em uma instituição federal pública recebe, em média, R$7.892,00, enquanto uma mulher negra, formada no mesmo tipo de universidade, recebe R$3.047,00.
Anita Kon, professora da Pontifícia Universidade Católica — PUC, São Paulo/SP destaca em seu artigo A Economia Política do Gênero: Determinantes da Divisão do Trabalho que investir numa pluralidade de características representativas traz diferentes benefícios na produção, acarretando em mais qualidade e assertividade nos processos, transformando tudo em algo mais lucrativo. “É necessário esclarecer que nas análises econômicas sobre a questão de gênero na atualidade, as diferenças entre homens e mulheres não se restringem às questões biológicas relacionadas ao sexo do indivíduo (homem ou mulher), mas constituem em uma série de atributos psicológicos, sociais e/ou culturais (gênero feminino ou masculino)”, pontua.
Os impactos da equidade na economia brasileira
De acordo com a professora do Departamento de Economia da Universidade Federal de Santa Catarina, Brena Paula Magno Fernandez, um dos primeiros efeitos gerados pela equidade, na economia, seria o aumento do Produto Interno Bruto (PIB). “Como consequência, o Brasil melhoraria o seu posicionamento em vários indicadores internacionais que têm o Produto Interno Bruto como um dos seus principais nortes”, explica Brena.
Segundo relatório de 2018 do Fundo Monetário Internacional (FMI), as barreiras de gênero, etnia e sociais impostas pelo mercado geram um custo superior do que se imagina. Sobretudo com questões trabalhistas, processos, e até mesmo com taxações mais pesadas, regulares em alguns países pelo mundo. Sob a ótica do mercado brasileiro, é importante destacar que a diminuição da disparidade se faz importante sobretudo com relação às características de trabalho.
Ainda de acordo com artigo destacado pelo FMI, há indícios empíricos de que homens e mulheres possuem características diferentes e complementares na atuação trabalhista. “Na análise econômica padrão, a força de trabalho é a soma do número de trabalhadores masculinos e femininos. Como a substituição de um homem por uma mulher não afeta essa soma, não há ganhos com a diversidade de gênero: homens e mulheres são considerados perfeitamente substituíveis”. O texto avança no argumento de que a presença de homens e mulheres em uma equipe beneficia a produtividade de uma empresa. “[…] Nossas evidências — a partir de dados macroeconômicos, setoriais e empresariais — mostram que mulheres e homens se complementam no processo de produção, gerando um benefício adicional em termos de crescimento, decorrente do aumento do emprego das mulheres”, explica. “Em outras palavras, o acréscimo de mulheres à força de trabalho deveria gerar mais ganhos econômicos do que um aumento igual do número de trabalhadores do sexo masculino”, finaliza.
No Brasil, a proporção de mulheres ocupadas profissionalmente entre 1970 e 2020, subiu de 19,8% para 41,7%. Em 50 anos, pulamos de uma taxa em que quase 20 de cada 100 mulheres possuíam emprego para um total de aproximadamente 42 mulheres a cada 100. Um crescimento superior a 100%. O cenário é exposto pelo Instituto Brasileiro de Economia, que exemplifica outras formas de impedimento do crescimento das mulheres no cenário econômico e trabalhista. “Diversas barreiras na nossa sociedade impedem as pessoas de escolherem exatamente aquilo no que elas são boas. As barreiras de entrada podem ser do próprio mercado de trabalho, como a discriminação na contratação de uma mulher, por exemplo, ou barreiras prévias, como a falta de acesso a uma educação de qualidade e as normas sociais que dificultam que as mulheres escolham determinadas profissões”,
A professora Brena, autora do livro Economia Feminista: uma antologia comenta que empresas com mais mulheres tendem a ter mais lucro. “Segundo um estudo realizado pelo Fórum Econômico Mundial, empresas com mais mulheres, seja na liderança, seja nos conselhos de acionistas, têm maiores lucros e melhores performances financeiras. Elas também ficam menos expostas a fraudes, corrupção e erros financeiros”, aponta.
Relatório geral da situação do Brasil em diversos segmentos. (Foto: Reprodução/Global Gender Gap Report)
Segundo o relatório da Global Gender Gap Report (Relatório Global sobre a Lacuna de Gênero) do Fórum Econômico Mundial, o Brasil ocupa a 126º colocação de um ranking com 138 países que analisa a igualdade de salários para trabalho semelhante (termo traduzido do relatório). O primeiro colocado é a Islândia, enquanto a China, das grandes economias do mundo, é a primeira a aparecer no ranking, com a sexta colocação, atrás de países como Ruanda e Argélia. Os Estados Unidos, maior economia do mundo, ocupa a 74ª colocação.
Outro dado relevante deste relatório é da participação das mulheres em altos cargos executivos. O Brasil ocupa a 38ª colocação, tendo uma proporção de 60,6% das vagas ocupadas por homens, e 39,4% por mulheres. A liderança é de Togo, que possui 70,1% das vagas ocupadas por mulheres.
O que o governo tem feito para mudar?
A professora Brena traz dois exemplos de projetos que têm dado resultado no Brasil. “O primeiro é o Projeto de Lei (PL) 10158/2018, proposto pelo senador Lindbergh Farias (PT/RJ). O projeto de lei foi aprovado pelo Senado e está desde maio desse ano na Comissão de Finanças e Tributação, da Câmara dos Deputados, para apreciação. Ele prevê a alteração da CLT, propondo criar uma lista de empregadores que praticarem discriminação salarial por motivo de sexo ou etnia. Também impõe uma multa administrativa ao empregador”, diz. O segundo exemplo que a professora traz é o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 130/2011, proposto pelo ex-deputado Marçal Filho (MDB-MS), que foi relatado pelo senador Paulo Paim (PT-RS). “O Projeto de Lei proíbe a discriminação para a condição de empregado e torna inadmissível qualquer diferença salarial para o exercício da mesma função ou de atividade profissional equivalente em razão do sexo”, explica. Em caso de descumprimento, a empresa será penalizada com multa, devendo compensar a funcionária alvo de discriminação com o pagamento do valor correspondente a até cinco vezes a diferença verificada em todo o período de contratação, até o limite de cinco anos.
A professora aborda que ambos os projetos têm foco na punição aos que estiverem descumprindo a lei. “Por um lado, é bem importante que haja, na legislação, uma punição prevista para o desrespeito à lei. Por outro, como a discriminação contra as mulheres ocorre quase sempre de forma muito sutil e não às claras, ela pode ser difícil de ser comprovada”, finaliza Brena.
No ano de 2020 a professora realizou uma pesquisa relacionada a essa questão e virou tema de um dos capítulos do livro livro recém lançado, “Economia Feminista: uma antologia”. O estudo mostrou que, em algumas ocasiões, o governo criar políticas públicas que ofereçam estímulos ou recompensas positivas para os empresários que fizerem o correto (criando uma lista dos empresários que promovem a equidade de gênero nas suas empresas, por exemplo) pode surtir melhores efeitos do que criar legislações de caráter punitivo.
Fonte: Núcleo de Estudos em Economia Feminista (NEEF)
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Data da publicação original: Oct 18, 2021