Incorporar dimensão do trabalho é fundamental para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas
Por FUNDACENTRO
Data original de publicação: 21/08/2024
Tema é debatido em evento disponível no canal da Fundacentro no YouTube
Em evento on-line realizado em 14 de agosto, especialistas falam da complexidade e dos desafios envolvidos na relação drogas e trabalho. O seminário Sofrimento psíquico, uso de drogas e trabalho, promovido pela Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, é baseado no ensaio de mesmo nome, publicado no dossiê comemorativo dos 50 anos da RBSO.
Com moderação do editor associado da revista, José Marçal Jackson Filho, o evento contou com palestra de Fábio José Orsini Lopes, professor da Universidade Estadual de Maringá (UEM-PR), e debate com Itamar José Félix-Junior, professor da Universidade Federal de Rondonópolis (UFR).
Política de atenção integral a usuários de álcool e outras drogas em relação ao trabalho
O ensaio destaca a crítica à condução das políticas públicas de prevenção ao uso e abuso de álcool e outras drogas por não incorporarem a dimensão do trabalho e, desse modo, falharem no efetivo tratamento e no retorno desses trabalhadores às atividades laborais.
Segundo os autores, o trabalho emerge como fonte de sofrimento psíquico no cenário construído nos últimos anos, em que a gestão neoliberal se aprofundou, intensificando a precarização da condição e da organização laboral. Esse paradigma neoliberal enfraqueceu o caráter contributivo e coletivo do trabalho, criando uma conjuntura de individualização e vulnerabilização cada vez maior da proteção do trabalhador.
Esses fatores afetam o equilíbrio da regulação sofrimento-defesas-prazer e a capacidade do trabalhador de lutar contra o sofrimento psíquico desencadeado. Para restaurar a normalidade, o trabalhador busca estratégias defensivas. Uma delas pode ser o uso de substâncias, lícitas ou ilícitas, que desempenham algum efeito terapêutico no enfrentamento dos constrangimentos da vida profissional. Porém, o que se inicia como estratégia contra o sofrimento psíquico pode, com o tempo, tornar-se prejudicial em diversos aspectos, inclusive naquele que foi o motivador do uso, o trabalho.
Assim, é necessária uma visão mais crítica e humanizada sobre a questão. Deve-se entender o ciclo de dependência e compreender o trabalho como um dos problemas para o abuso de substâncias e estas como o sintoma do problema, e não o contrário.
Além de incorporar a esfera do trabalho, é fundamental que a política de atenção integral a usuários de álcool e outras drogas integre a lógica de redução de danos, indo além das limitadas práticas proibicionistas e de combate às drogas que têm na abstinência a única possibilidade terapêutica. Isso envolve desvencilhar-se de visões preconceituosas e estigmatizantes sobre aqueles que são o foco dessas mesmas políticas.
Reconhecimento do nexo entre trabalho e drogas
Embora o alcoolismo crônico seja entendido como doença relacionada ao trabalho, o Ministério da Saúde ainda não reconhece que o trabalho pode também levar à dependência de outras substâncias. E apesar de estudos identificando o uso/abuso de substâncias como estratégia defensiva adotada em coletivos de trabalhadores, com padrões e tipologias nesse uso relacionados ao trabalho, há uma tendência em se tratar o tema apenas de forma individualizada.
Essa predisposição em reconhecer o sofrimento como apenas da pessoa ignora o tripé sofrimento psíquico, uso de drogas e trabalho e desconsidera a influência do cenário contemporâneo do trabalho como produtor de patologias.
Nesse contexto, os autores observam que a dificuldade em estabelecer o nexo entre drogas e trabalho está incorporada nas políticas públicas e nas práticas do SUS. A atuação direcionada ao abuso de álcool e outras drogas deveria iniciar na atenção primária, passando por estratégias de saúde da família e dentro da escola, antes de chegar ao Centro de Atenção Psicossocial para Álcool e Outras Drogas (Caps-AD).
“Como é que a gente casa a gestão do trabalho, a gestão organizacional, a saúde do trabalhador, as políticas de saúde do trabalhador com o paradigma de atenção em saúde mental que nós temos, que é chamado de atenção psicossocial voltado a pessoas que usam álcool e outras drogas”, pondera Lopes.
Saiba mais
Assista ao seminário na íntegra, acesse o canal da Fundacentro no YouTube.
Leia o ensaio Sofrimento psíquico, uso de drogas e trabalho.
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