Jovens universitários/as e os desafios em conciliar estudo e trabalho

Campanha da OMS quer saber opinião de jovens brasileiros
Luiz Paulo Jesus de Oliveira e Daniela Abreu Matos
No último dia 03 de fevereiro, foi encerrada a chamada regular para matrícula nas instituições de ensino que participam do SISU (Sistema de Seleção Unificada). Com isso, milhares de jovens conquistaram a tão sonhada vaga em um curso superior. Um momento de alegria e grandes expectativas para estudantes e suas famílias, mas também de preocupação com a viabilização das condições para uma efetiva permanência na universidade, especialmente para aqueles que vão precisar conciliar estudo e trabalho.
A expansão e a interiorização do ensino superior ocorridas nas últimas décadas, bem como as políticas afirmativas, resultaram em mudanças significativas no perfil socioeconômico e de origem familiar dos/as estudantes universitários/as, reconfigurando o rosto das universidades brasileiras. A ampliação da oferta de vagas foi acompanhada pelo acesso de públicos historicamente excluídos do ensino superior, notadamente dos jovens negros, indígenas, do campo e das camadas populares.
A presença dos estudantes-trabalhadores, em especial nas universidades públicas, não é uma novidade, mas ganhou relevância significativa nesse contexto recente de expansão. Segundo a PNADC-Educação/ IBGE, em 2023, aproximadamente 6,9 milhões de jovens de 18 a 29 anos frequentavam o ensino superior no Brasil, sendo que 66,4% estavam inseridos no mercado de trabalho (4,2 milhões) e 33,6% apenas estudavam. Ou seja, a cada 10 jovens universitários, 7 compõem a força de trabalho (na condição de ocupado ou desocupado). Diante dessa realidade, torna-se urgente compreender de forma detalhada e contextualizada a experiência de ser jovem, universitário/a e trabalhador/a no Brasil.
Para os jovens pobres, negros e das camadas populares nas periferias urbanas e áreas rurais o trabalho é crucial para assegurar o mínimo de recursos para a sobrevivência familiar, o acesso ao consumo e a continuidade dos estudos. O perfil dos jovens estudantes trabalhadores, a partir dos dados da PNADC-Educação (2023), indica que 72,7% dos estudantes das instituições privadas combinam estudos e trabalho; nas instituições públicas esse percentual é aproximadamente de 53,2%, sendo que a imensa maioria dos estudantes trabalhadores está inserida no mercado de trabalho na condição de ocupados (89,5% -rede privada) e 86,2% -rede pública).
Destaca-se que 68,4% dos estudantes trabalhadores frequentam os cursos noturnos, sendo que esse percentual apresenta diferenças entre as instituições privadas (74,7%) e as públicas (56,2%). A escolha do turno do curso é um fator determinante nas chances de encontrar uma vaga no mercado de trabalho, de tal forma que as taxas de desocupação são mais elevadas entre os jovens estudantes trabalhadores dos cursos matutinos (17,6%) e vespertinos (17,3%) quando comparadas com as dos cursos noturnos (9,2%).
A natureza e a qualidade das atividades ocupacionais realizados pelos jovens universitários podem não corresponder à formação e ao campo profissional do curso de graduação frequentado, de tal forma que a ocupação no mercado de trabalho, na maioria das vezes com vínculos de trabalho e rendimentos precários, se configura muito mais como uma estratégia de obtenção dos recursos financeiros necessários para permanecer no ensino superior do que uma atividade de realização profissional e pessoal
No que se refere à posição na ocupação, os dados da PNAD Contínua (IBGE, 2023) evidenciam que a força de trabalho dos jovens estudantes trabalhadores é extremamente funcional em função da lógica empresarial e à acumulação do capital. Do total de ocupados, 72,4% são trabalhadores assalariados do setor privado, sendo que 49,4% com carteira assinada e 23% sem carteira assinada. Os setores que mais empregaram jovens estudantes universitários no Brasil foram os setores de informação, comunicação e atividades financeiras, imobiliárias, profissionais e administrativas (23,2%); educação, saúde humana e serviços sociais (20,7%) e comércio, reparação de veículos automotores e motocicletas (18,7%), que somados são responsáveis por 62,7% das ocupações juvenis universitárias. No que se refere aos grupamentos ocupacionais do trabalho principal, os técnicos e profissionais de nível médio (26,2%), os trabalhadores de apoio administrativo (25,3%), os trabalhadores dos serviços, e os vendedores dos comércios e mercados (22,2%) concentram 73% dos jovens ocupados.
A natureza e a qualidade das atividades ocupacionais realizados pelos jovens universitários podem não corresponder à formação e ao campo profissional do curso de graduação frequentado, de tal forma que a ocupação no mercado de trabalho, na maioria das vezes com vínculos de trabalho e rendimentos precários, se configura muito mais como uma estratégia de obtenção dos recursos financeiros necessários para permanecer no ensino superior do que uma atividade de realização profissional e pessoal.
A jornada de trabalho semanal é outro indicador que interfere diretamente na qualidade do desempenho acadêmico, no tempo de dedicação aos estudos e na qualidade de vida juvenil de uma maneira geral. Quase a metade dos estudantes trabalha de 40 a 44 horas (47,8%), seguidos daqueles que trabalham de 21 a 30 horas semanais (17,4%) e de até 20 horas semanais (17,4%). Portanto, os jovens estudantes trabalhadores destinam parcela significativa do seu tempo semanal ao trabalho, sendo que conciliar estudos e trabalho é um desafio intenso, contraditório e complexo.
Diante desse contexto, pode-se afirmar a importância de políticas públicas direcionadas aos estudantes universitários trabalhadores e sua atual insuficiência. É fundamental o desenvolvimento de ações acadêmicas e institucionais que possibilitem conhecer a situação de estudo e trabalho dos jovens universitários, que permitam a elaboração de políticas acadêmicas de acolhimento e acompanhamento pedagógico, de orientação profissional, bem como urgência de políticas públicas transversais entre educação, raça e trabalho na perspectiva de inserção dos jovens estudantes cotistas no mercado de trabalho, pós-conclusão no ensino superior. Por outro lado, é imprescindível efetivo combate do uso dos contratos de estágio como mecanismo de precarização do trabalho juvenil. Tratam-se de importantes desafios a serem enfrentados e um compromisso social para o pleno desenvolvimento dos/as jovens brasileiros/as que estudam e trabalham.
BIBLIOGRAFIA
Abramo, Helena Wendel; Venturi, Gustavo; Corrochano, Maria Carla. Estudar e trabalhar: um olhar qualitativo para uma complexa combinação nas trajetórias juvenis. Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, v. 39, p. 523-542, 2020. Disponível aqui.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2023. Brasília: IBGE, 2023…
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Luiz Paulo Jesus de Oliveira é doutor em ciências sociais pela Universidade Federal da Bahia, docente do Centro de Artes, Humanidades e Letras da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia e professor permanente do Programa de Pós-graduação em Educação do Campo da mesma Universidade. Pesquisador associado ao CRH/UFBA (Centro de Estudos e Pesquisas em Humanidades) e líder do GEPJUV/CNPq (Grupo de Estudos e Pesquisas em Juventude).
Daniela Abreu Matos é doutora em comunicação social pela Universidade Federal de Minas Gerais, docente do Centro de Artes, Humanidades e Letras da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia e professora permanente do Programa de Pós-graduação em Comunicação da mesma Universidade. Líder do GEPJUV/CNPq (Grupo de Estudos e Pesquisas em Juventude). Membro da ANEPECP (Associação Nacional de Ensino, Pesquisa e Extensão do Campo de Públicas).
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Fonte: Nexo Jornal
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Data original de publicação: 17 de Fevereiro de 2025 (Atualizado 17/02/2025 às 10h59)