Livro – Trabalho e sofrimento psíquico: Histórias que contam essa história

A reprodução do conflito entre acumulação e legitimação tem fortalecido tanto a financeirização do capital, a espoliação do trabalho e o crescimento lento sem a criação de empregos, quanto estimulado o nacionalismo, o autoritarismo e a corrupção estatal em uma escala sem precedentes. Aqui, vale lembrar que a informalização do trabalho acompanhada pelo estímulo governamental ao empreendedorismo dos subalternos, uma maneira de transfor- 22 23 4co.com.br mar o vício em virtude, tende a reforçar os efeitos deletérios do choque entre a acumulação do capital e a legitimação da política. Afinal, em um contexto de erosão em escala mundial dos rendimentos do trabalho, as expectativas populares estimuladas pela ideologia do empreendedorismo fatalmente irão se frustrar tendo em vista o estreitamento dos mercados nacionais. Apesar do discurso facilmente identificável no noticiário econômico, o chamado “capitalismo de plataforma” simplesmente não pode substituir a promessa da inclusão social via trabalho subjacente à sociedade salarial exatamente por não ser capaz de reproduzir a condição proletária sem excluir vastas parcelas de trabalhadores do acesso aos direitos sociais elementares. Antes, a atual onda de plataformização do trabalho revela a universalização da lógica da competição no interior das próprias classes subalternas afinada com o polo da acumulação, mas, completamente divorciada do polo da legitimação. Apesar de ter chegado um pouco mais tarde na crise da globalização, a sociedade brasileira tem experimentado, desde o golpe parlamentar de 2016, seguido por governos radicalmente neoliberais, um desmanche sem precedentes do projeto democrático construído entre o surgimento da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), em 1943, e a promulgação da Constituição, em 1988. Trata-se do desaparecimento de um horizonte político, ou seja, da promessa da cidadania salarial no país, daquele projeto de sociedade alicerçado sobre a combinação entre direitos sociais e rendimentos do trabalho. Os efeitos sociais do desaparecimento deste horizonte político ainda não foram plenamente percebidos no país. Os ataques aos alicerces da cidadania salarial, isto é, as proteções trabalhista e previdenciária, apenas agora começaram a ser percebidos. O forte ciclo contrarreformista cristalizado nessas reformas está desmantelando os principais instrumentos de redistribuição de renda do país. Em um contexto marcado por altas taxas de desemprego, de informalidade e de subocupação é irrealista supor que explosões sociais semelhantes àquelas que sacodem atualmente a sociedade chilena, por exemplo, não estejam sendo gestadas também no Brasil.

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