LMT#94: Estação Ferroviária do Brás (Estação do Norte), São Paulo (SP)
Por Valéria Barbosa de Magalhães e Marilda Menezes | LEHMT
“Eu viajo quinta-feira
Feira de Santana
Quem quiser mandar recado
Remeter pacote
Uma carta cativante
A rua numerada
O nome maiusculoso
Pra evitar engano
Ou então que o destino
Se destrave longe.
Meticuloso, meu prazer
Não tem medida,
Chegue aqui na quinta-feira
Antes da partida.
(Correio da Estação do Brás. Tom Zé, 1978)
A antiga Estação do Norte, no bairro do Brás na cidade de São Paulo, foi inaugurada em 1875. Ela tinha como destino a estação de Santo Antônio da Cachoeira que, a partir de 1877, passou a ser o local de ligação entre São Paulo e Rio de Janeiro.
Na segunda metade do século XIX, a construção de complexos ferroviários esteve diretamente associada à expansão da economia cafeeira. Boa parte do investimento nas ferrovias vinha de produtores de café. No final do século XIX, o Estado de São Paulo concentrava 3.471 km nas suas 18 linhas férreas. Localizada na mais importante área industrial e de moradia operária na cidade no início do século XX, a Estação do Norte foi se consolidando como um dos principais entroncamentos ferroviários de São Paulo.
Em 1945, no contexto do final da II Guerra Mundial, a Estação do Norte foi rebatizada como Estação Roosevelt, nome que até hoje carrega. Ao lado dela ficava a Estação do Braz (assim grafada até a década de 1940), que foi inaugurada em 1867 e construída pela São Paulo Railway. O nome Estação Brás é hoje usado pelo Metrô, localizada ao lado dessa ferrovia.
As linhas férreas do Estado de São Paulo foram responsáveis pelo transporte e pela continuidade dos fluxos migratórios ligados à economia cafeeira, tanto no caso dos imigrantes europeus e japoneses, quanto dos migrantes internos. Até a década de 1950, o trem era o principal meio de entrada de nordestinos em São Paulo, por exemplo. O protagonismo das ferrovias no transporte de migrantes para São Paulo só foi derrubado com a expansão da malha rodoviária, nos anos 1950, em especial com a inauguração da Rodovia Rio-Bahia. Nem por isso, no entanto, os trens deixaram de ser usados. A Estação do Norte continuaria a cumprir por muitos anos seu papel de catalisadora da chegada de pessoas do Nordeste em São Paulo.
Na memória dos migrantes, especialmente vindos do Nordeste, a Estação do Norte figura como eixo central. Alguns fatores explicam a relação objetiva e simbólica entre a estação, o Bairro do Brás e os migrantes nordestinos. Primeiramente, destaca-se a conexão entre a linha Central do Brasil e o Norte de Minas, para onde convergiam trabalhadores de diversas partes do Nordeste. Além disso, a Hospedaria dos Imigrantes se localizava ao lado dessa estação. Se antes servia aos imigrantes estrangeiros que se dirigiam às fazendas do interior do estado, a partir da década de 1930, a hospedaria passou a abrigar migrantes de várias partes do Brasil, em especial do Nordeste. Outro elemento que contribuiu para esse elo: a Estação do Norte se localizava na Zona Leste da cidade, cujos bairros concentram até hoje a maior população municipal de nordestinos e descendentes.
Era na Estação do Norte que os migrantes tinham o seu primeiro ponto de chegada em São Paulo, onde amigos, familiares – ou mesmo atravessadores ou intermediários, conhecidos por gatos – os encontrariam. Era ali que os agenciadores buscavam mão de obra tanto para a lavoura paulista, quanto para o setor de construção, indústria e serviços em expansão na região metropolitana de São Paulo, particularmente na segunda metade do século XX.
Nas lembranças de muitos migrantes, a estação era um espaço em que empregos eram negociados. Ela também era o ponto de partida das redes de apoio para a obtenção de trabalho e moradia logo na chegada.
O trem não era o único meio de transporte que trazia pessoas do Nordeste e do Norte de Minas para o Brás. Antes da inauguração da Rodoviária da Luz, nos anos 1960, era comum que as pessoas chegassem de ônibus, desembarcando no bairro do Brás, ao lado da Estação do Norte, o qual se configurava como o principal espaço de recepção dos migrantes na cidade.
O bairro do Brás, nas cercanias da Estação Roosevelt, foi também se tornando um espaço de comércio e sociabilidade dos migrantes. As chamadas “Casas do Norte”, muitas no entorno da Estação, além de comercializarem produtos de origem nordestina, funcionavam também como “postos de correio” informais. Nelas, eram enviados e recebidos pacotes da cidade natal, mandados por famílias e portados por outros que ali chegavam e partiam, como traduziu a canção de Tom Zé.
Ainda que as migrações se justifiquem por uma heterogeneidade de motivos, era o trabalho que movia esses migrantes para São Paulo. Eram as redes sociais que, na maioria das vezes, propiciavam o encaixe de cada um deles no mercado de trabalho. Era o sonho de uma vida melhor no Nordeste que os impulsionava a migrar. Desta forma, os migrantes subverteram a condição de pura força de trabalho a eles designada pela sociedade, trazendo simbolismos e expectativas próprias muito diferentes daquelas a ele destinadas. A memória que carregam, tanto do lugar de origem quanto de chegada, é complexa e rica, agregando, para além do trabalho, imagens e espaços de histórias subjetivas e familiares.
É este o caso da Estação do Norte, lugar de trabalho, mas também de encontros, de trocas de informações e de produtos simbólicos da cidade de onde vieram. Lugar de saudade, mas também de construção de laços sociais entre os que estão lá e aqui. Ela é, portanto, mais do que um espaço geográfico ou um equipamento urbano de recepção da gente que vinha de outros estados e de outros países. A paragem do Brás e o seu entorno figuram-se como fundamentais lugares de memória dos trabalhadores migrantes na cidade de São Paulo. (…)”
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Fonte: LEHMT
Data original da publicação: 17/09/2021