Lutando contra o gigante: gig workers se organizando em todo o mundo

Foto: Kai Pilger, Unsplash

Por Peter Guest | Passa Palavra

Frente à fragilidade e incerteza, os trabalhadores da gig economy estão se conectando para além das fronteiras em desafio ao poder e às políticas das plataformas.

Em julho passado, Singh estava em uma corrida tarde da noite, correndo através de Mumbai para entregar um bolo de mousse de chocolate a 7 quilômetros de distância, quando um motorista bêbado em uma scooter o atingiu por trás. Ele safou-se apenas com alguns arranhões e torções, mas a sua moto acabou destruída. O custo para consertá-la – 14.000 rúpias ($189) – é quase o que ele leva para casa em um mês trabalhando para a Zomato, um aplicativo indiano de comida e compras de supermercado. No último mês, ele tem feito um conserto de cada vez, sempre que consegue juntar algum dinheiro.

Singh, na faixa dos 40 anos, fala frases longas e fluidas repletas de referências literárias e humor fatalista. Ele começou a fazer entregas na Zomato em 2020, depois de lutar para encontrar um emprego no reduzido mercado de trabalho da Índia. “Pesquisei no Google ‘empregos que consigo encontrar hoje’”, disse ao Rest of World. “E a entrega de comida apareceu…. Foi o trabalho mais fácil que já consegui na minha vida.”

Uma hora depois de se inscrever, ele já estava entregando pedidos. Nas primeiras semanas, parecia dinheiro fácil — ele estava rumando para ganhar cerca de 350 dólares em um mês, dentro do que havia sido prometido pelo app e cerca do dobro do salário médio mensal na Índia.

Mas aí os pedidos começaram a diminuir. Os entregadores eram direcionados para “zonas vermelhas” – áreas onde deveria haver um monte de pedidos – mas não havia nenhum trabalho lá. Eles então seriam enviados para outra zona vermelha, gastando tempo e combustível por conta própria. Singh tinha que trabalhar mais e mais tempo para ganhar dinheiro suficiente, muitas vezes pedalando por 12 horas ou mais por dia, e a tecnologia que o levava de um trabalho para o outro parecia cada vez mais intrusiva.

Sempre que o aplicativo decidia que ele estava atrasado, seu telefone tocava, e uma voz automática lhe dizia para ir mais rápido ou então sofreria uma penalidade. Para compensar o tempo, ele arriscava-se subindo uma rua de sentido único ou furando um sinal vermelho. Durante os momentos mais parados, o aplicativo mostrava vídeos dizendo como agradar os clientes sorrindo e curvando-se. Às vezes, esses vídeos avisavam aos entregadores para não falar com a mídia, e é por isso que Singh pediu para ser identificado apenas por seu sobrenome, por medo de ser banido do aplicativo.

“Você é um número, quer goste ou não”, disse Singh, descrevendo a exaustão e ansiedade que vêm ao trabalhar para um algoritmo cujas decisões — quem recebe cada trabalho, quem é suspenso, quem é multado ou recompensado — muitas vezes parecem arbitrárias. “Você é um número, você é uma identificação, você é um ícone em um scooter que se move em torno de um mapa… O aplicativo não te conhece. O aplicativo não te ouve.”

A Zomato não respondeu a um pedido por comentários.

Com sua moto atualmente em péssimo estado, Singh estava na lona durante o último mês. Isto lhe deu tempo para refletir sobre a sua situação e a dos seus colegas. Ele já tinha criado uma conta no Twitter, @DeliveryBhoy, para registrar suas experiências na estrada. A partir de agosto, ele começou a compartilhar imagens de dentro do aplicativo da Zomato, mostrando os pagamentos pequenos, metas inatingíveis, e as deduções arbitrárias com que os entregadores têm que lidar. Sua mensagem — de que o trabalho de plataforma é duro, inseguro, mal pago e não valorizado – ressoou, não apenas entre os companheiros de entrega na Índia, mas também entre os trabalhadores de plataforma em todo o mundo.

Sua conta tem apenas cerca de 4.600 seguidores, mas já foi citada por jornais, acadêmicos e ativistas em todo o mundo. Em agosto, Singh ligou-se ao Gig Workers Collective, que faz campanhas pelos direitos dos trabalhadores de plataformas, principalmente nos Estados Unidos. Através do coletivo, Singh falou ao telefone com Willy Solis, um “comprador” da Shipt no Texas, uma empresa de entrega de compras de supermercado, e uma figura proeminente no movimento dos trabalhadores da plataforma nos EUA. “Ao falar com ele, ouvi a nossa história”, disse Solis ao Rest of World.

Para entender como o trabalho de plataforma é vivenciado em todo o mundo, Rest of World, em parceria com a empresa de pesquisa Premise, entrevistou mais de 4.900 trabalhadores de plataformas em 15 países. Combinamos suas respostas com dados compilados por agências globais sobre trabalho e pesquisadores acadêmicos, juntamente com entrevistas aprofundadas com trabalhadores de plataforma na África, América Latina, Ásia e Europa Oriental. Também nos aproximamos de seis das maiores empresas de plataforma operando globalmente, nenhuma das quais concordou em dar entrevistas. Os dados mostram que, enquanto a experiência do trabalho em plataforma é muito local e assume características das sociedades e economias em que opera, ela também é universal. Os trabalhadores de plataforma, estejam eles nos EUA ou Nigéria, Indonésia ou Etiópia, estão todos lutando contra um conjunto comum de desafios: insegurança, ansiedade, baixos salários e altos custos.

Enquanto a natureza do trabalho de plataforma significa que a força de trabalho é atomizada e dividida – e as empresas de plataforma muitas vezes se recusam a reconhecer os grupos de trabalhadores e os sindicatos — a experiência comum de trabalho precário e muitas vezes perigoso ajudou a criar um movimento genuíno e global que está enfrentando as empresas de tecnologia.

“Há tanta comunalidade, e isso transcende culturas e transcende línguas”, disse Solis. “Estamos todos tentando descobrir uma forma de lutar coletivamente.”

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Fonte: Passa Palavra

Data original de publicação: 22/12/2021


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