Mármore e granito produzidos no Espírito Santo vão para o exterior à custa de vidas de trabalhadores
Por Sullivan Silva | Agência Pública
“Era tarde de segunda-feira, 13 de junho de 2020, quando a explosão em uma mina de exploração de rochas ornamentais, localizada em Barra de São Francisco, no noroeste do Espírito Santo, deixou em choque a população da cidade. “Explodiu três na pedreira!”, dizia o texto compartilhado em diversos grupos de aplicativos de mensagem.
Minutos após o acidente, o tio da psicóloga Maria Helena Gonçalves Tomaz Caseli, 35 anos, chegou para dar a notícia de que o marido dela, Jeeam Lucindo Caseli, 31, era uma das vítimas. As primeiras informações eram que ele teria quebrado os braços e as pernas após a “detonação de forma acidental” de material explosivo na empresa e que fora levado para o hospital.
Jeeam foi socorrido, mas chegou ao hospital morto. Estava quase irreconhecível pela quantidade de hematomas, queimaduras e ossos fraturados. A violência registrada em seu corpo não é um caso isolado e faz parte de um triste histórico de morte e invalidez de trabalhadores que se repete ano a ano no setor de mármore e granito no estado.
“A morte sempre pega todo mundo de surpresa, mas para nós está sendo muito difícil. Minhas filhas ficaram com problemas psicológicos, principalmente a mais nova, que era muito apegada ao pai. Perdi não só um marido. Ele era um companheiro, um amigo. Agora é uma batalha por dia. Difícil demais!”, desabafou a viúva de Jeeam.
Considerado um funcionário experiente, Jeeam trabalhava havia dez anos como blaster – profissional que faz a detonação de rochas com o uso de material explosivo – no Grupo Guidoni, uma das maiores empresas de extração e beneficiamento de rochas do Espírito Santo. No momento do acidente, ele estava com mais dois colegas de trabalho. Um jovem de 22 anos que teve uma fratura exposta na perna passou por cirurgia e se recuperou em casa. E um homem de 36 que, além das fraturas, teve 18% do corpo queimado e passou quatro meses internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital das Clínicas em Vitória. Procurado pela Agência Pública, o Grupo Guidoni informou que deu esclarecimentos por meio de notas oficiais nas datas dos fatos, que “seguem com as investigações internas e que irão responder somente aos órgãos competentes”.
Segundo informações do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Extração, Beneficiamento e Comércio de Mármore, Granitos e Calcário do Estado do Espírito Santo (Sindimármore), desde 2005, o setor registrou 220 mortes de trabalhadores no estado. O número de acidentes de trabalho também é alto. Em 2020, foram 289, com 12 mortes. Números parecidos com os de 2019, ano com 291 ocorrências e 10 mortes. (…)
Dados da Secretaria Estadual de Saúde (Sesa) revelam que, de 2012 a 2019, o setor de mármore e granito foi responsável pela atividade econômica mais letal no estado, ficando na frente do de transporte rodoviário de carga, por número de notificações de óbitos por acidente de trabalho. Foram 52 mortes em sete anos, segundo a Sesa. Mas, se se considerarem os dados do Sindimármore, sindicato que representa os trabalhadores da categoria, esse número sobe para 63.
“As pessoas vão virando número, só que para a família não é assim. A empresa indeniza e toca pra frente. Depois você encontra com os filhos desses trabalhadores e eles não têm mais o pai. A esposa com aquela dor profunda que não supera”, desabafou a advogada do Sindimármore, Amanda Macedo Torres Moulin.
Com mais de 1.600 empresas, a indústria de exploração de rochas é um dos principais setores econômicos do Espírito Santo, responsável por 10% do PIB capixaba. Segundo o Sindicato da Indústria de Rochas Ornamentais, Cal e Calcário (Sindirochas), em 2020 o setor faturou US$ 740 milhões em exportações. Em 2019, o estado alcançou a marca de US$ 1 bilhão de faturamento, com exportações para Estados Unidos, China, Itália, México e Reino Unido.
Mas por trás do alto faturamento o setor registra uma quantidade assustadora de acidentes e mortes de operários. Um dos motivos para tantas mortes seria a falta de investimento em medidas de segurança do trabalho, afirma a coordenadora do Núcleo Especial de Vigilância em Saúde do Trabalhador da Sesa, Liliane Graça Santana.
“Às vezes a gente vê que o setor admite pessoas que não estão preparadas para aquela atividade. Máquinas sem proteção, sem segurança. A ausência de equipamentos de proteção adequados”, diz Liliane, que destaca ainda a cultura de culpabilização do trabalhador pelas empresas.
“Infelizmente as análises de acidentes são feitas culpabilizando os trabalhadores. Mas os acidentes geralmente não têm causa única. Enquanto a gente tiver a cultura de culpabilização do trabalhador, o problema não se resolve. O que falhou? A minha gestão de segurança estava adequada? Isso é importante porque senão só vai contabilizar óbitos e não vai descobrir as causas dos acidentes”, destaca.
O procurador-chefe do Ministério Público do Trabalho (MPT-ES), Valério Soares Heringer, também aponta que há muitas falhas que contribuem para os acidentes e mortes dos trabalhadores. As principais regras descumpridas são a ausência de entrega ou a fiscalização inadequada do uso de equipamentos de proteção individual; falta de exames médicos periódicos; não fornecimento de informações sobre os riscos ocupacionais existentes; falta de dispositivos de capacitação para movimentação, armazenagem e manuseio de chapas; deixar de determinar procedimentos a serem adotados em caso de acidente ou doença relacionada ao trabalho, incluindo a análise de suas causas e medidas de prevenção e reparação do dano; e até a não emissão de comunicação de acidente de trabalho.
“As mortes estão presentes em todas as etapas da produção. Na extração, os mais comuns são quedas, contusões e esmagamento de membros e órgãos por fragmentos rochosos. No beneficiamento, os acidentes estão relacionados à movimentação e acondicionamento de chapas e produtos beneficiados. No transporte, são comuns os acidentes rodoviários envolvendo veículos de carga de blocos e chapas”, detalhou o procurador. (…)”
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Fonte: Agência Pública
Data original da publicação: 17/02/2021