Na mesma profissão, homem branco chega a ganhar mais que o dobro da mulher negra, diz estudo
Por Anna Carolina Papp, Bianca Lima e Luiz Guilherme Gerbelli, | GloboNews e G1
“O diploma de ensino superior ainda não é capaz de garantir uma inserção justa das mulheres negras no mercado de trabalho do Brasil. Um levantamento realizado pelo Insper mostra que, a depender da profissão, um homem branco chega a ganhar mais que o dobro do que elas recebem para executar o mesmo trabalho.
O levantamento do Insper apurou o salário por raça e gênero no país e também fez o detalhamento para cinco profissões: engenheiros e arquiteturos, médicos, professores, administradores e cientistas sociais. Em todas, as mulheres negras recebem menos do que homens, tanto brancos e como negros, e do que mulheres brancas.
O trabalho foi conduzido pelos pesquisadores do Insper Beatriz Ribeiro, Bruno Komatsu e Naercio Menezes Filho como base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre 2016 e 2018.
Um dos abismos mais evidentes apurado pela pesquisa foi observado em medicina. Entre os formados em universidade pública, as mulheres negras têm um salário médio de R$ 6.370,30, enquanto os homens brancos ganham R$ 15.055,84. No grupo de médicos que cursou medicina em instituições privadas, a remuneração é de R$ 3.723,49 e R$ 8.638,68, respectivamente.
Salário de pessoas com ensino superior público — Foto: Economia G1
Na área de ciências sociais, uma outra diferença gritante: um homem branco formado em universidade pública tem um salário de R$ 8.814,05. A mulher negra recebe R$ 4.141,69.
“Mesmo entre os que estão na mesma profissão, sempre há um diferencial alto de salário em função da cor ou do sexo, em que os homens brancos estão sempre ganhando mais”, diz o coordenador da Cátedra Ruth Cardoso no Insper, Naercio Menezes Filho. “Isso aponta para a existência de discriminação no mercado de trabalho.”
Salário médio de pessoas com ensino superior privado — Foto: Economia G1
De forma geral, levando-se em conta todas as profissões, a pesquisa revela que o salário médio de uma mulher negra com diploma universitário de instituição pública é de R$ 3.047,51, enquanto a remuneração das que cursaram universidades privadas têm uma remuneração média de R$ 2.902,55.
No topo da remuneração, os homens brancos formados em universidades públicas têm um salário médio de R$ 7.891,78, e os que possuem ensino superior privado alcançam um ganho médio de R$ 6.626,84. Portanto, uma diferença em relação às mulheres negras de 159% e 128%, respectivamente.
“A mulher negra, em todos os índices, seja na área de educação, trabalho, saúde, é sempre a base”, afirma a diretora executiva do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert), Cida Bento. “E isso tem a ver com essa combinação, essa intersecção, de gênero e raça, que complica mais a situação. A discriminação que já incide sobre as mulheres de forma geral, incide mais fortemente sobre a mulher negra.”
Salário médio de pessoas com ensino superior — Foto: Economia G1
Formada em administração de empresas, Viviane Moreira sempre conviveu com as diferenças salariais – na área dela, por exemplo, o estudo do Insper mostra que homens brancos ganham quase o dobro das mulheres negras. Hoje, Viviane trabalha como gerente sênior de uma multinacional no setor de seguro saúde.
“Eu já trabalhei com pessoas não negras que executavam funções muitas vezes inferiores à minha e que recebiam um salário maior”, afirma Viviane. “Todos os dias tenho consciência de que sim, ser negra na posição que eu estou hoje não só representa um marco, mas o resultado de superação que eu tive que ter em demonstrar resultados que outras pessoas não precisam demonstrar pra chegar onde eu cheguei.”
Nascida na Vila Talarico, Zona Leste de São Paulo, Viviane diz que uma mulher negra vinda da sua região teria como destino mais provável “trabalhar no mercado da vila ou ser mãe solteira, com muita sorte talvez empregada doméstica.”
“Eu tive a sorte de ter uma educação de base de qualidade, eu era bolsista num colégio particular. E eu não tenho dúvida de que a educação me proporcionou uma segunda etapa de condição, que são as oportunidades na carreira profissional”, afirma.
Empreendedorismo por necessidade
Com salários tão baixos e a dificuldade de inserção no mercado de trabalho, muitas mulheres negras acabam partindo para o empreendedorismo pela necessidade de ter um aumento na renda.
“Muitas mulheres negras empreendem pela lógica da necessidade. E parte ainda tem um alto grau de escolaridade”, diz a fundadora da Feira Preta, Adriana Barbosa. “Até as mulheres negras com doutorado não conseguem entrar no mercado de trabalho formal e aí elas empreendem, na lógica do vender hoje para comer amanhã.” (…)
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Fonte: G1
Data original da publicação: 15/09/2020