No Brasil, o trabalho é uma atividade extremamente arriscada
Por Bruno Gomes Borges da Fonseca
O título merece uma inicial explicação. Abstém-se de promover uma apologia à extinção das relações de emprego. Seu escopo, quase apelativo, é enfatizar que o trabalho no Brasil é uma atividade extremamente arriscada diante do número de acidentes do trabalho. Logo, é inconstitucional trabalhar nessas condições.
Dois dispositivos da Constituição de 1988 (CF/88) são essenciais para essa compreensão.
“O primeiro deles é o art. 6º, caput, cujo texto assegurou o direito fundamental ao trabalho. Essa previsão permite muitas considerações. Duas são essenciais. A primeira é que o exercício de um direito deve propiciar para o seu exercente alguma vantagem, seja de ordem emancipatória, econômica, jurídica, pragmática etc. A outra reporta-se à articulação do direito ao trabalho com o princípio da dignidade humana cujo resultado é consubstanciado na elocução trabalho digno.”
O outro preceito constitucional é o art. 7º, XXII, cujo texto prevê, como direito fundamental dos trabalhadores, a redução dos riscos inerentes ao trabalho por normas de saúde, higiene e segurança. Um dos precípuos objetivos dessa prescrição é repreender a ocorrência do acidente do trabalho.
Pode-se concluir, a par desse contexto normativo, que a CF/1988, na verdade, assegurou, na condição de direito fundamental, o exercício de um trabalho digno, bem como prescreveu a redução de riscos à vida e à saúde de seu exercente. Um trabalho, por outro lado, praticado em dissonância desses parâmetros descumpria a Constituição e, portanto, pode ser considerado inconstitucional.
Infelizmente é isso que vem ocorrendo no Brasil. Um corriqueiro trabalho inconstitucional. Um elemento capaz de corroborar essa asserção é o número de acidentes do trabalho no país.
As estatísticas sobre acidentes do trabalho são alarmantes. Os dados, entretanto, oscilam bastante, embora haja relativo consenso de que há mais acidentes do trabalho do que os efetivamente registrados, o que torna ainda mais grave a situação.
“Para se ter uma noção da instabilidade dos dados, a Previdência Social, em 2013, apontou que 717.911 pessoas sofreram acidentes do trabalho. O Ministério da Saúde e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no mesmo ano, realizaram pesquisa acerca do tema. As projeções formuladas por estas duas instituições indicaram que 4,9 milhões de pessoas, maiores de dezoito anos, teriam sofrido acidentes do trabalho. Há, entre os dois dados oficiais, uma diferença superior a quatro milhões.”
Mesmo com essa ressalva acerca da instabilidade dos dados, a partir de informações extraídas do Observatório Digital de Saúde e Segurança do Ministério Público do Trabalho, constata-se a prática do denominado trabalho inconstitucional diante do evidente descaso com a saúde e a segurança.
Do período compreendido entre 2012 a 2017, mais de 80 bilhões foram gastos em direitos previdenciários-acidentários. A causa destes dispêndios foram os acidentes do trabalho. O trabalho inconstitucional, portanto, gera um custo social bastante elevado e obriga o direcionamento de dinheiro público para o pagamento desses direitos, que poderiam ser evitados com a prática de um trabalho digno.
No mesmo período, quase 370 mil dias de afastamento por conta de acidentes do trabalho. O trabalho inconstitucional, portanto, também afeta a produtividade, diminui a lucratividade e aumenta os gastos dos empregadores.
O trabalho inconstitucional, além desses efeitos (secundários para o informado a seguir), entre os anos de 2012 a 2017, em razão de acidentes do trabalho, gerou, aproximadamente, 17,5 mil mortes.
O exercício de um direito ao trabalho digno, cuja amplitude abarque a segurança e a saúde, certamente, modicaria esse cenário. Em um Estado democrático de direito a luta pela observância da Constituição é permanente. Lutemos, então, contra o trabalho inconstitucional!
Bruno Gomes Borges da Fonseca é procurador do Trabalho na 17ª Região. Professor de Direito do Trabalho da FDV. Pós-doutorando em Direito (UFES e PUC-MG).
Fonte: Justificando
Data original de publicação: 11/04/2019