Nota pública contrária ao programa nacional de prestação de serviço civil voluntário e ao prêmio portas abertas, instituídos pela medida provisória nº1.099/2022

Foto: FIDS

POR FÓRUM INTERINSTITUCIONAL DE DEFESA DO DIREITO DO TRABALHO E DA PREVIDÊNCIA SOCIAL – FIDS

O FÓRUM INTERINSTITUCIONAL DE DEFESA DO DIREITO DO TRABALHO E DA PREVIDÊNCIA SOCIAL – FIDS, integrado por entidades de classe, de representação do mundo do trabalho e do campo social, organizações de trabalhadores(as), centros de pesquisa, professores(as) e pesquisadores(as), vem, publicamente, manifestar sua contrariedade à Medida Provisória nº 1.099/2022, aprovada pela Câmara dos Deputados, no último dia 11.

A Medida Provisória (MP) nº 1.099 foi editada para estabelecer o “Prêmio Portas Abertas” e o “Programa Nacional de Prestação de Serviço Civil Voluntário”, que se assemelha bastante ao Programa Nacional de Prestação de Serviço Voluntário, inserido na MP nº 1.045/2021, rejeitada pelo Senado Federal depois de amplo movimento das organizações que defendem os direitos sociais, inclusive por meio de notas técnicas, cujos fundamentos ora são parcialmente reproduzidos.

Sob o argumento falacioso e comprovadamente ineficaz de reduzir o desemprego no país e enfrentar os impactos econômicos da mal conduzida pandemia da Covid-19, o Programa Nacional de Prestação de Serviço Civil Voluntário aprofundará as históricas assimetrias no nosso mercado de trabalho, acentuando as desigualdades, ao criar uma modalidade especial de contrato, destinada a pessoas entre 18 (dezoito) e 29 (vinte e nove) anos ou acima de 50 (cinquenta) anos, a cargo das administrações municipais, sem os direitos trabalhistas e previdenciários, impondo graves danos à classe trabalhadora, às organizações sindicais, aos fundos públicos essenciais aos programas de transferência de renda, à sociedade e à democracia, acirrando a concorrência entre profissionais com e sem direitos.

O texto aprovado pela Câmara dos Deputados, consolidado no Projeto de Lei de Conversão nº 10/2022, praticamente reproduziu o de origem governamental, alterando dispositivos para ampliar o alcance temporal e subjetivo do Programa.

A primeira modificação aprovada aumentou o prazo para a contratação especial, concretizando o temor de que a admissão sem concurso e sem a garantia da totalidade dos direitos trabalhistas fosse prorrogada, o que já havia sido exposto na nota pública produzida por este Fórum quando a medida provisória foi publicada, nos termos abaixo reproduzidos:

“Frise-se que, embora seu prazo de validade, de acordo com o § 4º do art. 1º da MP 1.099, expire em 31 de dezembro de 2022, o caput do art. 3º utiliza-se do termo “anual” para fixar o limite máximo das horas pertinentes às atividades de qualificação profissional, dando azo, até pela ausência de vedação expressa, à interpretação de que os contratos naquele prazo firmados poderão, mesmo após a expiração, ser sucessivamente prorrogados”.

Sob a perspectiva subjetiva, passou-se a permitir a contratação de pessoas com deficiência, inclusive com a acumulação do benefício de prestação continuada – BPC.

Cumpre assinalar que, no Brasil, o trabalho voluntário já é regulamentado pela Lei nº 9.608/98, que explicita seus contornos, nos termos do art. 1º, a seguir transcrito:

Art. 1º Considera-se serviço voluntário, para os fins desta Lei, a atividade não remunerada prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza ou a instituição privada de fins não lucrativos que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência à pessoa.

O Programa, se instituído, violará frontalmente o sistema de proteção social duramente conquistado neste Brasil e incorporado pela Constituição de 1988, que, em seu art. 1º, demonstra absoluto apreço à valorização do trabalho, pressuposto para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e para a redução das desigualdades sociais e regionais, objetivos fundamentais da República. Atentará, outrossim, contra o princípio da igualdade, seja por distinguir condições de trabalho, a despeito da identidade de funções, seja por permitir a admissão de pessoas em situação de vulnerabilidade, como trabalhadores(as) de segunda categoria, circunstância que perpetuará o ciclo da pobreza.

Acresça-se que a proposta está fundamentada em diretrizes comprovadamente equivocadas, pois os estudos e a experiência nacionais e internacionais evidenciam que a redução de direitos ou a fragilização do sistema de proteção social ao trabalho não promove o incremento da economia, mormente porque a diminuição da renda do(a) trabalhador(a) impacta negativamente na demanda por consumo de bens e serviços, causando danos e prejuízos à própria higidez econômica que a Medida Provisória alegadamente se propõe defender1 .

Ressalte-se que iguais premissas nortearam a reforma trabalhista de 2017, cujos efeitos foram contrários aos prometidos, segundo os dados da PNAD-C do IBGE, que demonstram expressivo aumento da informalidade, do desemprego, da subocupação, da subcontratação, da terceirização generalizada e dos trabalhadores “por conta própria”, empresários de si próprios, com preterição de milhares de brasileiras e brasileiros do mercado de trabalho, comprometendo severamente os investimentos, a capacidade de consumo e a inclusão social, com riscos à própria democracia.

Trata-se de mais uma tentativa de aumentar a ocupação por vias precárias, utilizando-se de processo que, além de acirrar a concorrência e aprofundar as assimetrias do mercado de trabalho brasileiro, traz sérios riscos às organizações sindicais, penalizando ainda mais pessoas já particularmente vulneráveis, sobretudo as mulheres e os jovens, sendo-lhes negada a inserção em um sistema de proteção que assegure direitos a todos e todas que trabalhem 2 .

A nova modalidade de contratação proposta mostra-se contraditória em sua própria denominação ao rotular de “voluntário” um trabalho cuja remuneração é prevista, sem, contudo, a garantia de direitos que, por expressa determinação constitucional, resultam da generalidade das relações empregatícias, com o evidente propósito de desvirtuar o trabalho voluntário prestado a entes municipais. Registre-se que o impropriamente denominado “Serviço Voluntário”, a par de caracterizar verdadeiro enriquecimento sem causa da Administração Pública, implicará renúncia fiscal, com dimensão e efeitos não previamente mensurados, sem o correspondente recolhimento das contribuições previdenciárias e ao Regime do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço.

O Programa, ao permitir, no âmbito dos Municípios, a sistemática contratação de prestadores(as) de serviços, a partir de processo seletivo simplificado, também fere a exigência do concurso público, objeto do inciso II do art. 37 da Constituição da República, pois não se enquadra em qualquer das exceções previstas nos incisos V e IX do mesmo dispositivo. Some-se a isso o potencial de agredir frontalmente os princípios da impessoalidade e da moralidade, em virtude da possibilidade de favorecimentos pessoais e da aptidão para gerar capital eleitoral. Deve ser rechaçada, finalmente, a criação do “Prêmio Portas Abertas”, cuja finalidade é incentivar as administrações municipais a que contratem sob a égide do novel Programa que, em flagrante violação a direitos constitucionalmente declarados fundamentais e que provocará profunda desvalorização da já desvalorizada força de trabalho.

PELO EXPOSTO, as entidades subscritoras, integrantes do FÓRUM INTERINSTITUCIONAL DE DEFESA DO DIREITO DO TRABALHO E DA PREVIDÊNCIA SOCIAL – FIDS, convictas de que o Programa Nacional de Prestação Civil de Serviço Voluntário, além de inconstitucional, agravará a precarização das relações de trabalho, clamam pela rejeição da Medida Provisória nº 1.099/2022.

Brasília, 18 de maio de 2022.

Clique aqui e leia a nota completa:

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Translate »