Por Mayra Castro e Nathan Martins | O Globo
Data original de publicação: 17/10/2025
Profissionais de plataformas ganham menos por hora. A maioria é informal, e pouco mais de um terço contribui para a previdência
Dos 88,5 milhões de trabalhadores do país, 1,7 milhão trabalhava com serviços por meio de plataformas digitais em 2024, representando 1,9% da população ocupada no setor privado. Esse número cresceu 25,4% em relação a 2022, quando esses trabalhadores somavam 1,3 milhão, o equivalente a 1,5% do total. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PnadC) do IBGE, que teve um recorte sobre trabalho em plataformas digitais divulgado nesta sexta-feira.
A pesquisa do IBGE abrange não só os profissionais que trabalham com aplicativos de transporte e entrega, mas com serviços em geral oferecidos via plataformas. Esta última categoria vai de médicos a diaristas e eletricistas, a exigência é que tenham sido conectados aos clientes por meio de plataformas.
O perfil traçado pelo IBGE mostra que esse grupo de trabalhadores é, em sua maioria, formada por homens (83,9%), tem de 25 a 39 anos (47,3%) e tem níveis intermediários de escolaridade. Mais da metade (59,3%) tem nível médio completo ou superior incompleto. E quase 54% deles são pretos ou pardos.
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Embora a prestação de serviços gerais tenha sido o tipo que mais cresceu em 2024, chegando a 17,8% do total dos trabalhadores plataformizados, quase o dobro do número registrado em 2022, a grande maioria dos prestadores de serviços por aplicativo no Brasil ainda trabalha com transporte particular de passageiros, como Uber e 99 (53,1%), ou em aplicativos de entrega de comida e produtos (29,3%). Os 13,8% restantes são de aplicativos de táxi.
A categoria de aplicativo de entrega contempla tanto o trabalhador que faz a entrega como o dono do restaurante que usa o app para vender as refeições. E uma mesma pessoa pode trabalhar como entregador e também como motorista de aplicativo. Logo, pode aparecer em mais de uma categoria pesquisada pelo IBGE.
Tarefas executadas on-line como trabalhos freelances nas áreas jurídica, de tradução, serviços de TI e programação, teleconsultas médicas, assim como moderação de conteúdo, transcrição de vídeos etc, também são estão incluídas na prestação de serviços gerais, desde que ocorram exclusivamente a partir da intermediação de plataforma.
Rendimento por hora é menor
Considerando todos os tipos de profissionais que trabalhavam com plataformas em 2024, o seu rendimento médio mensal (R$ 2.996) era maior que o daqueles que não trabalham por meio de aplicativos (R$ 2.875). Essa diferença caiu em relação a 2022: antes os plataformizados ganhavam R$ 255 a mais e agora a diferença é de R$ 121. Isso porque embora ambos tenham crescido nos último dois anos, o aumento salarial dos não plataformizados foi maior.
Por outro lado, quem trabalha com apps acabou trabalhando mais horas por semana (44,8h) do que os demais (39,3h). Com isso, os trabalhadores plataformizados ganharam menos por hora que os outros (R$ 15,4/hora contra R$ 16,8/hora).
— É necessário levar em consideração que, sem o vínculo empregatício, todos os direitos como férias, décimo terceiro e horas extras não são recebidos. Então, no final das contas, os valores recebidos são muito menores do que o que recebem os chamados não plataformizados — diz Rodrigo Carelli, professor de Direito do Trabalho da UFRJ.
O professor José Dari Krein, da Unicamp, acrescenta ainda que também é importante considerar que esses trabalhadores também arcam totalmente com as despesas relacionadas à máquina usada pra trabalhar, como os carros e motos, o que reduz ainda mais seu rendimento.
— O rendimento real ainda é menor e os cálculos desse tipo de trabalho são muito mais complicados de serem realizados. Tem a manutenção dos equipamentos, a compra dos equipamentos eletrônicos ou digitais, o próprio veículo, o tipo de veículo.
Segundo ele, embora a parcela de plataformizados ainda seja pequena diante do mercado de trabalho como um todo, é preocupante que isso esteja se espalhando cada vez mais para outras atividades que vão além dos serviços de entrega e transporte.
Os trabalhadores de plataformas também são, em sua maioria, informais (71,1%) e apenas 35,9% contribuem para a previdência. Segundo o Carelli, da UFRJ, esses dados geram três preocupações principais. A primeira é relação a esses próprios trabalhadores, que não se aposentarão. A segunda preocupação é que eles podem se acidentar e ficar sem rendimentos.
— E o nível de acidentes é altíssimo, tanto para entregador quanto para o motorista — diz o professor.
Já a terceira preocupação é que quando eles chegarem em uma idade ou situação de não conseguirem trabalhar, quem vai sustentá-lo é o erário, por meio da assistência.
— Então, essa desproteção acaba sobrecarregando o sistema em geral. Sobrecarrega o pagador de impostos, o contribuinte em geral, que ele vai ter que arcar com isso pela assistência. As empresas não recolhem como empregadoras. Nessa informalidade, o que acontece é que elas estão realizando uma atividade econômica e não estão dando a contrapartida. Esse é que é o problema. Isso vai cair no contribuinte geral.
A questão dos acidentes de trabalho também é uma preocupação para a procuradora Clarissa Schinestsck, do Ministério Público do Trabalho de Campinas.
— Esse modelo de negócio se faz desprovido de direitos trabalhistas e sociais, e isso pode ter um impacto muito grande na sociedade brasileira, que é quem custeia a Previdência e também o SUS. Sabemos que há muitos índices de acidente com mortalidade e também com sequelas graves em trabalhadores de entrega, e esse é um custo social que é arcado pela sociedade brasileira — disse ela, na coletiva de divulgação dos dados do IBGE.
Vínculo empregatício
Está em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF) se existe vínculo empregatício entre os motoristas de aplicativo e as empresas administradoras da plataforma digital na qual trabalham. Segundo Carelli, cada plataforma digital tem o seu modo de lidar com os trabalhadores, de forma que o vínculo deveria ser analisado caso a caso.
— Pode haver ou não o vínculo empregatício. Mas o que esses dados relevam, independentemente da existência ou não dessa relação, é a necessidade da proteção, dos direitos trabalhistas, que não são necessariamente ligados ao vínculo de emprego. Há um equívoco de se ligar direitos trabalhistas a vínculo de emprego, mas isso não existe no direito brasileiro, então esses trabalhadores podem ser protegidos sejam eles considerados empregados ou não — diz o professor.
Carelli acrescenta que, ao mesmo tempo em que cresce o número de plataformizados, há uma degradação das condições de trabalho.
— Os trabalhadores estão migrando para essas formas mais precárias de trabalho, com mais baixa remuneração, o que vai causar um problema na economia do Brasil. Ou seja, o mercado de trabalho está crescendo, mas com ocupações precárias, desprotegidas e informais. Isso por uma falta de um quadro legal que as coloque em possibilidade de melhorar, uma legislação trabalhista, um reconhecimento dos sindicatos. Então esse é o caminho.
Segundo ele, caso o Supremo Tribunal Federal decida que o trabalho na plataforma digital não tem direito nenhum, pode haver uma explosão ainda maior desse tipo de ocupação, o que aumentaria a precarização.
— Vai ser trágico para o mercado do trabalho do Brasil — concluiu.
A Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), que representa as plataformas, diz que é favorável a uma regulamentação que contemple a flexibilidade e a autonomia de motoristas e entregadores. A Associação diz que 42% dos motoristas e 46% dos entregadores usam os aplicativos como complemento de renda.
Sobre a contribuição para Previdência Social, a associação diz que “as plataformas tecnológicas se predispõem a contribuir com parcela do valor e não há uma proposta de alíquota específica, mas é necessário que a contribuição represente um custo compatível à capacidade contributiva de motoristas e entregadores.”
Na nota, afirmam que 53% dos motoristas e 57% dos entregadores estão cobertos pela Previdência Social, seja como empregados formais em outro trabalho (entre 21% e 27%, respectivamente) e ou pelo regime MEI (27%).
ABET Associação Brasileira de Estudos do Trabalho