O acordo tripartite para regulamentação do trabalho em plataformas de transporte remunerado de passageiros
Por Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE)
O Decreto nº 11.513, de 1º de maio de 2023, criou o Grupo de Trabalho Tripartite, com 15 representantes de cada bancada, com a finalidade de elaborar propostas de “regulamentação das atividades de prestação de serviços, transporte de bens, transporte de pessoas e outras atividades executadas por intermédio de plataformas tecnológicas” no prazo de 150 dias. A representação laboral foi formada por lideranças dos trabalhadores de aplicativos nos segmentos de transporte de passageiros, entrega rápida e cooperativas, que se dividiram em dois subgrupos: um para transporte de passageiros e outro para entrega. Como resultado do processo negocial, chegou-se a uma proposta de Projeto de Lei Complementar, que estabelece uma “nova forma de relação de trabalho intermediado por empresas que operam aplicativos de transporte remunerado privado individual de passageiros em veículos de quatro rodas” e define direitos para esse novo tipo de contrato.
O trabalho nas plataformas digitais tem se tornado uma realidade cada vez mais presente no Brasil. Estima-se que existam cerca de 2,1 milhões de trabalhadores que realizam trabalho por meio de plataformas digitais (aplicativos de serviços) ou obtêm clientes e efetuam vendas por meio de plataformas de comércio eletrônico no trabalho (dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – PNAD/IBGE – para o 4º trimestre de 2022). Em vários países do mundo, está em discussão a regulação do trabalho nas empresas que operam aplicativos, de modo a reconhecer a responsabilidade destas com os trabalhadores.
A empresa que opera os aplicativos organiza como se dá a execução e distribuição do trabalho, define regras que criam impeditivos à recusa de serviços, também determina a contrapartida da remuneração pelo trabalho executado, punições e o desligamento da plataforma. A empresa detentora do aplicativo pode, ainda, controlar ganhos, alterando o valor pago por corridas e impondo grande variação nos rendimentos dos trabalhadores. Mesmo a “flexibilidade” de jornada de trabalho é limitada, considerando-se que: (1) quanto menos viagens, menor pontuação e piores serviços são destinados ao trabalhador; (2) há horários de pico para a realização dos serviços que se impõem sobre os horários de trabalho e repouso; (3) é preciso dispor de longas jornadas para compor uma remuneração mínima suficiente. Esse conjunto de elementos configura uma relação de hipossuficiência do trabalhador diante da empresa-plataforma.
Os trabalhadores em aplicativos estão submetidos a uma avaliação rígida, sem direito a interferir nos critérios de avaliação e sem direito à contestação. Essas avaliações podem resultar em punições, como a suspensão temporária do acesso ao aplicativo ou a exclusão.
Dessa forma, a relação entre as pessoas que executam esses serviços e as empresas que operam os aplicativos são relações de trabalho, do campo do direito do trabalho. Essa relação é controlada pela gestão algorítmica, definida pela empresa detentora do aplicativo. A gestão algorítmica estabelece uma relação de subordinação dos trabalhadores: regras de trabalho, valor do pagamento pelo serviço realizado, jornadas, ritmo de trabalho, bonificação, etc.
O processo de negociação no GT tripartite foi o espaço para se debater essa relação e para a definição de quais seriam as responsabilidades das empresas. É importante destacar que esse processo se deu com novos atores sociais, que estavam pela primeira vez em um processo de negociação – uma nova categoria de trabalhadores, em um novo tipo de relação de trabalho, em ambiente marcado pelo avanço tecnológico e pela hegemonia da ideologia própria do neoliberalismo em diversas áreas, particularmente no mundo do trabalho, com impactos objetivos e subjetivos na compreensão dos trabalhadores.
Fonte: DIEESE
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Data original de publicação: 5 de mar de 2024