O G20 e a regulação do trabalho de plataformas por aplicativos
Por Atahualpa Blanchet | Terapia Política
Ao longo dos últimos anos, o trabalho por meio de plataformas digitais tornou-se uma realidade em diversas partes do mundo, transformando a vida de milhares de pessoas que desenvolvem as suas atividades por meio de aplicativos e daquelas que utilizam os serviços oferecidos por essas ferramentas.
Os impactos sociais e econômicos decorrentes do trabalho de plataformas digitais têm desafiado a aplicação dos parâmetros das legislações trabalhistas vigentes, exigindo o posicionamento de atores estratégicos frente à necessidade de construir e aplicar regulações que contemplem a abrangência e complexidade do fenômeno. Em um contexto de profundas transformações, marcado pela digitalização e deslocalização das relações de trabalho, o G20 e seu Grupo de Trabalho e Emprego são espaços fundamentais para a construção de consensos voltados à redução das desigualdades, à garantia de direitos e à promoção da justiça social.
É importante destacar que o modelo de trabalho baseado em plataformas digitais não se limita a setores como transporte e entregas. A modalidade está se expandindo rapidamente para áreas como programação de softwares, serviços criativos e educação, por exemplo, apontando a tendência de plataformização laboral em outras atividades.
As plataformas de trabalho remoto, conhecidas como “cloudwork” (trabalho por meio de nuvem), abrem possibilidades de trabalho em diversos campos, por meio do uso de dispositivos móveis, desde qualquer lugar que permita conexão à internet, criando uma nova geração de trabalhadores (como os nômades digitais) cujo denominador comum é a subordinação algorítmica.
Os sistemas de gestão por Inteligência Artificial passam, portanto, a definir os elementos das relações de trabalho e dos processos produtivos como a distribuição de tarefas, monitoramento, avaliação de desempenho e tomada de decisões, incluindo promoções ou demissões individuais ou coletivas.
Trabalho de plataformas no G20
Nos países do G20, observam-se distintas abordagens regulatórias sobre o trabalho de plataformas digitais. Decisões judiciais e adoção de legislações voltadas às categorias de motoristas e entregadores têm sido os principais caminhos adotados até o momento. Mesmo assim, é possível identificar determinados avanços no reconhecimento de princípios éticos como transparência, explicabilidade e não discriminação na aplicação dos sistemas de gestão algorítmica.
Em março de 2024, a União Europeia aprovou a sua primeira norma sobre o uso de sistemas de gestão por Inteligência Artificial no ambiente de trabalho. Consolidando aspectos presentes em regulações de países do bloco, a medida estabelece a presunção de relação de emprego baseada em indicadores de controle e direção, considerando acordos coletivos e a jurisprudência do Tribunal de Justiça do bloco. A regra impede demissões definidas por decisões automatizadas e obriga as plataformas a informar os trabalhadores sobre o funcionamento e critérios de programação dos algoritmos.
No mesmo mês, o governo brasileiro apresentou um projeto de lei para regular as atividades dos motoristas de aplicativos. A proposta, fruto da negociação entre representantes de trabalhadores e de empresas de aplicativos, cria uma nova categoria de trabalhadores autônomos, assegurando-lhes um conjunto de direitos sociais. O projeto terá seguimento no parlamento e se coaduna com a posição dos ministros do Trabalho do Mercosul, que, em outubro de 2023, aprovaram uma Declaração em que reconheceram os direitos dos trabalhadores de plataformas de aplicativos digitais.
No Reino Unido, a Suprema Corte determinou que os motoristas de aplicativos são considerados trabalhadores de uma categoria intermediária entre empregado e autônomo. Essa decisão garantiu aos motoristas direitos como salário mínimo, férias e aposentadoria. A análise sobre o grau de controle exercido pelas empresas com relação aos trabalhadores foi fundamental para chegar a esse entendimento.
Nos Estados Unidos, a legislação do estado de Washington sobre transporte de passageiros estabelece que os trabalhadores de plataformas não são considerados empregados se a plataforma não impuser regras sobre o horário de trabalho, não puder demitir um trabalhador por se recusar a prestar um serviço e não proibir um colaborador de se vincular a outras plataformas.
Já na Coreia do Sul, a cobertura obrigatória para seguro-desemprego e seguro maternidade foi estendida em 2022 para trabalhadores de entrega e motoristas que trabalham em plataformas e, em 2023, o seguro contra acidentes com contribuições divididas entre trabalhadores e empresas.
Na Índia, o Código de Seguridade Social, aprovado em 2020, regula a cobertura de direitos para trabalhadores de plataformas e prevê um seguro em caso de acidente, morte, incapacidade ou aposentadoria, além de benefícios de saúde e maternidade financiados pelas contribuições dos trabalhadores e uma taxa sobre o faturamento das plataformas.
A transparência algorítmica e seu reconhecimento pelo G20
A eficácia das regulações sobre o trabalho de plataformas passa pelo reconhecimento de princípios como o da transparência algorítmica, explicabilidade e não discriminação, bem como do direito à negociação coletiva dos trabalhadores por parte dos países do G20. Nesse cenário, é fundamental o papel dos sindicatos e da academia para identificar os elementos-chave dos sistemas de gestão algorítmica que atingem os trabalhadores.
É neste momento histórico que o Grupo de Trabalho e Emprego do G20 é chamado a construir e estabelecer um posicionamento sobre a aplicação dos princípios éticos de Inteligência Artificial Responsável, considerando o precedente da regulação europeia, as leis, decisões judiciais e propostas legislativas dos países do G20 e o fato de que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) iniciará o debate normativo sobre o trabalho de plataformas na sua Conferência Internacional de 2025.
Clique aqui e acesse a matéria completa
Por Atahualpa Blanchet | Terapia Política
Data original de publicação: 14/04/2024