O mercado do trabalho de cuidados em expansão
Por Christina Queiroz | Revista FAPESP
“Profissionais que atuam com serviços de cuidado respondem por 11,5% do emprego mundial, 19,3% do feminino e 6,6% do masculino, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Na América Latina, o trabalho remunerado de cuidados responde por 16% das vagas, com 47 milhões de pessoas atuando na área; destas, 36 milhões são mulheres, o que equivale a 31% do emprego feminino. “Em países como Brasil, Colômbia, Argentina e Uruguai são as trabalhadoras domésticas, mensalistas ou diaristas, que se encarregam, em grande medida, do cuidado infantil e de idosos”, informa a socióloga Nadya Araujo Guimarães, da Universidade de São Paulo (USP).
No Brasil, as trabalhadoras domésticas somam 4 milhões, sendo a maioria migrantes internas, diferentemente do que acontece na Europa e nos Estados Unidos, onde elas costumam ser estrangeiras. Apesar de o trabalho de cuidado ainda ser exercido, em grande medida, pelas empregadas domésticas, a busca por profissionais que atuam especificamente na área cresceu no Brasil, nos últimos anos. “Os empregos para esse perfil profissional aumentaram 275% no país entre 2012 e 2019”, destaca a pesquisadora, contabilizando a existência de 1,5 milhão de cuidadores domiciliares no país.
Vital para assegurar o bem-estar da sociedade, em todo o mundo a profissão de cuidador registra condições precárias de trabalho. O mercado caracteriza-se pelo pagamento de salários baixos e pouca formalização, situação que é ainda pior no Brasil, se comparada com países como França e Japão, conforme Helena Hirata, do Centro de Pesquisas Sociológicas e Políticas de Paris, na França. Aqui não há uma lei específica regulamentando a atividade, que se apoia na legislação vigente das empregadas domésticas para fazer valer seus direitos. “Segundo dados de 2019, 93% dos trabalhadores domésticos do país são mulheres e 65% são negras. Essa categoria profissional foi excluída dos direitos trabalhistas durante décadas e somente em 2013, com a Emen- da Constitucional 72, que ficou conhecida como PEC das Domésticas, conquistou direitos comuns a outras profissões, como limitação da jornada laboral a oito horas diárias e pagamento de horas extras e férias”, afirma Regina Stela Corrêa Vieira, do Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc).
A conquista de melhores condições de trabalho foi acompanhada, no âmbito acadêmico, por uma discussão em torno da necessidade de se estabelecer a dimensão monetária do trabalho doméstico não remunerado – que, de acordo com a OIT, soma 16,4 bilhões de horas diárias no mundo. Em tese de doutorado defendida na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em 2018, a demógrafa Jordana Cristina de Jesus, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), aplicou uma metodologia para estimar o valor anual desse trabalho no Brasil, chegando a R$ 580 bilhões, o equivalente a 11% do Produto Interno Bruto (PIB), em 2013. “Para chegar a esse percentual somamos as horas anuais de tarefas domiciliares não pagas e atribuímos a elas um valor monetário, com base no salário médio de uma empregada doméstica”, explica a demógrafa, que atualmente desenvolve pesquisa para calcular o valor total do trabalho doméstico no país.
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), por sua vez, está desenvolvendo um estudo para dimensionar o setor de cuidados remunerados no Brasil. A definição aplicada é abrangente, incluindo todas as atividades públicas e privadas, direta ou indiretamente relacionadas aos cuidados (por exemplo, empregados domésticos e serviços de limpeza, assim como servidores públicos que trabalham na área de saúde, profissionais que atuam na educação infantil e professores dos ensinos fundamental e médio). De acordo com a socióloga Luana Pinheiro, pesquisadora da instituição, estimativas preliminares mostram que cerca de 25% da força de trabalho do país está ocupada no provimento desses cuidados. “As atividades de cuidado não só garantem bem-estar à sociedade como também são a base para que outras funções sejam desempenhadas no mundo mercantil. Ninguém trabalha na bolsa de valores, por exemplo, se o banheiro não estiver limpo, se as crianças ou outros dependentes não estiverem sendo cuidados e se os funcionários não estiverem alimentados”, conclui.”
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Fonte: Revista FAPESP