O que acontece com os trabalhadores afetados por enchentes? Tem desconto no salário? Veja o que diz a lei
Em casos de calamidade pública reconhecidos pelo governo federal, a legislação prevê medidas trabalhistas alternativas como teletrabalho, antecipação de férias individuais, banco de horas, entre outras.
Por Rayane Moura, g1
As fortes chuvas que atingem o Rio Grande do Sul fizeram o governo federal decretar estado de calamidade pública em mais de 336 municípios.
Além das dezenas de mortes e milhares de pessoas desalojadas, o estado registra problemas como estradas bloqueadas, falta de água e luz e impactos em serviços públicos. Mais de 1,4 milhão de pessoas foram afetadas.
Mas o que acontece com os trabalhadores impedidos de exercerem suas funções por causa das condições climáticas? O g1 conversou com advogados especialistas em direito do trabalho para responder as principais dúvidas. Veja abaixo.
Faltei ao trabalho por causa das enchentes. Posso ter descontos no salário?
As faltas podem ser abonadas?
Existe um limite de faltas?
Posso ser demitido por causa da ausência?
E o que acontece quando as enchentes impedem o trabalho em si?
Quais providências as empresas podem tomar em casos de calamidade pública?
1- Faltei ao trabalho por causa das enchentes. Posso ter descontos no salário?
Enchentes e outros desastres naturais não constam na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) como justificativa para faltar ao trabalho. Por isso, no geral, o funcionário pode ter o salário descontado se não comparecer ao serviço por esse motivo.
Segundo o artigo 473 da CLT, o empregado poderá deixar de comparecer ao trabalho sem prejuízo no salário em situações como: o falecimento do cônjuge, casamento, nascimento de filho, doação de sangue, serviço militar, doença ou acidente de trabalho, entre outros.
No entanto, é importante entender se existem acordos ou convenções coletivas entre a empresa e o sindicato da categoria que preveem outras situações nas quais o empregado pode faltar ao trabalho sem desconto no salário.
Segundo Alessandra Cobo, advogada especialista em direito do trabalho do escritório Aparecido Inácio e Pereira Advogados Associados, se o empregado não comparecer em razão de enchente, “a situação poderá ser considerada um caso de força maior”.
O funcionário também tem a opção de fazer um acordo com o patrão para compensar as faltas. A advogada destaca que existem decisões judiciais em alguns estados e municípios “determinando que o empregador não desconte o dia do empregado caso comprove a ausência em razão de enchente”.
2- As faltas podem ser abonadas?
A lei não prevê abono de faltas por causa das condições climáticas. Entretanto, analisando cada situação, “trata-se de bom senso das partes e até mesmo o cumprimento da função social da empresa”, explica Fernanda Maria Rossignolli, sócia do HRSA Sociedade de Advogados.
“Nos casos de enchentes e alagamentos, por exemplo, puni-lo com o desconto do dia não trabalhado seria uma pena excessiva. Isso poderia comprometer ainda mais a situação financeira do empregado, que já se vê prejudicado com a perda de seus pertences e inundação de sua residência”, afirma a especialista.
A advogada destaca a lei nº 14.437, que prevê, em caso de calamidade pública municipal, estadual ou nacional reconhecida pelo governo federal, a adoção de algumas medidas trabalhistas alternativas pelas empresas, como:
adoção do regime de teletrabalho (home office ou trabalho remoto);
antecipação de férias individuais;
concessão de férias coletivas;
aproveitamento e antecipação de feriados;
regime diferenciado de banco de horas;
suspensão da exigência dos recolhimentos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
O prazo permitido para adoção das regras é de até 90 dias, prorrogável enquanto durar o estado de calamidade pública.
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3- Existe um limite de faltas?
Não existe limite máximo ou mínimo de dias previsto na lei para ausência ao trabalho por conta das condições climáticas, considerando que se trata de uma situação de força maior que pode durar dias, semanas, ou até meses – como aconteceu durante a pandemia de Covid-19.
“Quando esse período se torna maior, empregados e empregadores, muitas vezes com o auxílio dos sindicatos das categorias, organizam outras formas de trabalho ou compensação para evitar maiores prejuízos”, explica Rossignolli.
4- Posso ser demitido por causa da ausência?
Não. Embora o funcionário possa ter descontos no salário, enchentes e inundações são considerados motivos de força maior. Por isso, o trabalhador que faltar ao serviço por essa razão não pode receber advertência, suspensão ou ser dispensado por justa causa.
Segundo Fabio Medeiros, advogado trabalhista e sócio do Lobo de Rizzo Advogados, o empregado pode ser demitido por justa causa em situações de abandono de emprego por mais de 30 dias após ser notificado para retornar ao trabalho e, mesmo assim, permanecer faltando sem apresentar justificativas.
Por isso, é fundamental que o trabalhador comprove toda a situação que gerou a impossibilidade de comparecer ao trabalho e avise o empregador sobre a ausência. As situações devem ser avaliadas caso a caso, mas é sempre do empregado a obrigação de comprovar e justificar suas faltas.
“O mais comum é que os empregadores se sensibilizem com as faltas dos empregados em situações de força maior, como desastres causados pelas condições climáticas, e não considerem as faltas como motivo para a aplicação de qualquer medida disciplinar ou dispensa”, diz o especialista.
5- E o que acontece quando as enchentes impedem o trabalho em si?
O empregado não pode ser penalizado caso o local de trabalho esteja alagado ou inacessível, já que o empregador é responsável pela segurança do funcionário, afirma Luís Gustavo Nicoli, advogado trabalhista e sócio do Nicoli Sociedade Advogados.
“Nesses casos, outras alternativas podem ser consideradas, como o trabalho remoto, se aplicável, negociações para férias coletivas, compensação das horas não trabalhadas, entre outras, sempre buscando uma solução viável para empregado e empregador”, explica o especialista.
6 – Quais providências as empresas podem tomar em casos de calamidade pública?
O advogado Luís Gustavo Nicoli destaca a necessidade de um plano de ação para desastres naturais, que inclua a comunicação eficaz entre empregadores e empregados, a flexibilização das rotinas de trabalho e a assistência aos trabalhadores afetados.
“Empresas podem estabelecer políticas claras para situações emergenciais, contribuindo para a segurança e bem-estar dos empregados, e alinhar ações de responsabilidade social corporativa. A solidariedade e o apoio mútuo entre empregadores, empregados e comunidade são fundamentais para superar os desafios impostos por desastres de grande escala”, explica o especialista.
Fonte: g1
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Data original de publicação: 08/05/2024